Washington está apoiando os esforços de paz do presidente colombiano, Juan Manuel Santos, que decidiu negociar com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). "Da mesma forma que apoiamos os dirigentes colombianos no campo de batalha, nós aprovamos totalmente as negociações", declarou, na segunda-feira (27), o vice-presidente americano, Joe Biden, em visita a Bogotá. Como parte do plano "Colômbia" criado para combater o tráfico de drogas e os movimentos armados, os Estados Unidos forneceram à Colômbia mais de US$ 8 bilhões (cerca de R$ 16 bilhões) em ajuda militar entre 2000 e 2012.
As negociações com a guerrilha, que ainda conta com oito mil combatentes armados, foram iniciadas sem cessar-fogo. Na prática, o confronto continua. No domingo, o governo e as Farc anunciaram terem chegado a um acordo sobre o desenvolvimento rural, primeiro ponto da agenda das negociações, que vêm ocorrendo desde novembro de 2012, em Havana. "É um primeiro passo gigantesco", afirmou o presidente Santos.
Otimistas ou críticas, as reações foram exaltadas. Os partidários das negociações consideram o acordo "histórico". Os detratores do diálogo de paz acusam uma catástrofe. "É inaceitável que o governo negocie o modelo de desenvolvimento rural com narcoterroristas", tuitou o ex-presidente Álvaro Uribe, líder da oposição.
Defensor de uma solução militar, ele acusa seu sucessor de legitimar a guerrilha. "O acordo sobre o desenvolvimento rural, que ninguém leu, permite que cada um continue defendendo seu ponto de vista", observa o pesquisador Frédéric Massé. O texto, que teria dezenas de páginas, segundo rumores, não foi divulgado.
"Transformação radical da realidade rural"
O governo exigiu que as negociações fossem feitas no exterior, com certa discrição, e que não fosse assinado nada antes de se chegar a um acordo global. "Nada estará decidido até que tudo esteja decidido", lembrou o negociador-chefe do governo, Humberto de la Calle.
Portanto, o texto sobre o desenvolvimento rural é somente um acordo parcial, ainda incompleto até mesmo na opinião das duas partes. Ninguém duvida das dificuldades envolvidas em sua aplicação, quando chegar o momento. Mas, a curto prazo, ele dá um alento ao processo de paz e ao presidente Santos.
Pela primeira vez em cinquenta anos de conflito armado (e quatro tentativas de negociações), os dois lados chegaram a um acordo sobre a questão crucial das terras. "Há meio século a miséria e a iniquidade do mundo rural forneceram às Farc uma razão de ser, um discurso e um inesgotável reservatório de buchas de canhão", resume um alto funcionário.
O presidente Santos, ao nomear na segunda-feira um novo ministro da Agricultura, deu alguns detalhes sobre o acordo. A distribuição de milhares de hectares aos camponeses, a modernização do registro de propriedade e a luta radical contra a pobreza no campo --através da criação de programas de educação, saúde e infraestrutura-- abrirão o caminho para uma "transformação radical da realidade rural".
Participação política dos combatentes desmobilizados
O chefe do Estado quis se mostrar tranquilizador: "Aqueles que adquiriram legalmente suas terras não têm nada a temer." Só de ouvir falar em reforma agrária os proprietários de terras e pecuaristas se arrepiam, nesse país onde mais de 50% das terras estão nas mãos dos menos de 2% de ricos. No entanto, segundo o instituto Fedesarrollo, três quartos dos produtores agrários afirmam que se beneficiarão com um acordo de paz.
Uma nova rodada de negociações começará no dia 11 de junho. Ela permitirá a abordagem do segundo ponto da agenda, a participação política dos combatentes desmobilizados. A questão promete ser ainda mais espinhosa pelo fato de que ela supostamente decidiria se os guerrilheiros culpados de crimes irão ou não para a prisão. Os líderes das Farc pretendem de fato escapar de qualquer processo judicial, ainda que transitório. Os críticos do processo de paz alertam sobre os riscos de impunidade.
Longe das negociações de Havana, longe das grandes cidades colombianas, os combates continuam. Segundo fonte oficial, 426 guerrilheiros foram capturados, 320 desertaram e 99 foram mortos desde o início das negociações, seis meses atrás. As emboscadas, minas e snipers continuam letais: 177 soldados e policiais morreram. Os partidários de uma solução negociada veem ali uma razão a mais para apoiar as negociações de Havana.
Reportagem de Marie Delcas, para o Le Monde, reproduzida no UOL.
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