quarta-feira, 15 de maio de 2013

Minha escolha médica


Minha escolha médica
A atriz Angelina Jolie conta como decidiu passar pela cirurgia e diz que não manteve o sigilo para que outras mulheres pudessem se beneficiar de sua experiência

Minha mãe combateu o câncer por quase uma década e morreu aos 59 anos. Conseguiu sobreviver por tempo suficiente para conhecer seus primeiros netos e tê-los nos braços. Mas meus outros filhos jamais terão a oportunidade de conhecê-la e descobrir o quanto ela era amorosa e carinhosa.
Muitas vezes conversamos sobre a "mãe da mamãe" e me vejo tentando explicar a doença que a tirou de nós. As crianças perguntaram se o mesmo poderia acontecer comigo. Sempre respondi que não deviam se preocupar, mas a verdade é que tenho um gene "defeituoso", o BRCA 1, e isso eleva muito meu risco de ter câncer de mama e câncer de ovário.
Meus médicos estimaram que eu tinha risco de 87% de câncer de mama e de 50% de câncer de ovário, ainda que os riscos sejam diferentes de mulher para mulher.
Apenas uma fração dos cânceres de mama resultam de uma mutação genética herdada. As mulheres com BRCA 1 defeituoso têm, em média, 65% de risco de desenvolver a doença.
Assim que eu soube que minha realidade era essa, decidi agir de modo proativo e minimizar o risco ao máximo.
CIRURGIA
Tomei a decisão de realizar uma dupla mastectomia preventiva. Comecei pelos seios porque meu risco de câncer de mama é mais elevado do que meu risco de câncer de ovário, e a cirurgia é mais complexa.
Em 27 de abril, concluí os três meses de procedimentos médicos que a mastectomia requeria. Ao longo do período, pude manter o sigilo sobre o que estava acontecendo e continuar com meu trabalho. Mas agora decidi escrever a respeito com a esperança de que outras mulheres possam se beneficiar de minha experiência.
Câncer continua a ser uma palavra que causa medo no coração das pessoas, produzindo um profundo senso de impotência. Mas hoje é possível determinar por meio de um exame de sangue se você é altamente suscetível a câncer de mama e câncer de ovário e agir a respeito.
Meu processo começou em 2 de fevereiro com um procedimento conhecido como "nipple delay" [autonomização], que impede doença nos dutos mamários por trás dos mamilos e irriga a área com fluxo sanguíneo adicional.
O procedimento causa alguma dor e muitos hematomas, mas aumenta a chance de preservar o mamilo.
Duas semanas mais tarde, fiz a principal cirurgia, na qual o tecido do seio é removido e a área é ocupada por um preenchimento temporário. A operação pode demorar até oito horas.
Quando você acorda, está com tubos de drenagem e expansores nos seios. Parece uma cena de filme de ficção científica. Mas, dias depois da cirurgia, já pode voltar à sua vida normal.
Nove semanas mais tarde, a cirurgia final é completada com a reconstrução dos seios por meio de um implante. Houve muitos avanços nesse procedimentos nos últimos anos, e os resultados podem ser muito bonitos.
Eu quis escrever este artigo para contar a outras mulheres que a decisão de fazer uma mastectomia não foi fácil. Mas estou muito feliz por tê-la tomado.
FILHOS
Minha probabilidade de desenvolver câncer de mama caiu de 87% para menos de 5%. Agora posso dizer aos meus filhos que eles não precisam ter medo de me perder para o câncer de mama.
É animador que eles não vejam coisa alguma que lhes cause desconforto. Veem as pequenas cicatrizes que ficaram, e só. Tudo mais é a mamãe, a mesma à qual estão acostumados. E eles sabem que os amo e que farei qualquer coisa para ficar com eles pelo maior tempo possível.
Do ponto de vista pessoal, não me sinto menos mulher. Sinto ter ganhado força por fazer uma escolha forte que de forma alguma diminui minha feminilidade.
É minha sorte ter um parceiro, Brad Pitt, tão amoroso e tão presente. Assim, para quem tem uma mulher ou namorada que esteja passando por isso, é importante saber que você será parte importante da transição.
Brad esteve no Pink Lotus Breast Center, onde fui tratada, durante cada minuto das cirurgias. Conseguimos encontrar momentos que nos permitiram rir juntos. Sabíamos que essa era a coisa certa a fazer por nossa família e que isso nos aproximaria. E foi o que aconteceu.
Para qualquer mulher que esteja lendo este texto, espero que ele possa ajudá-la a saber que você tem escolhas.
Quero encorajar todas as mulheres, especialmente as que tenham histórico familiar de câncer de mama ou ovariano, a buscar informações e procurar especialistas médicos que possam ajudá-las quanto a esse aspecto de suas vidas e a fazer escolhas pessoais informadas.
Gostaria de apontar para o fato de que existem muitos médicos holísticos maravilhosos trabalhando em alternativas a uma cirurgia. Meu tratamento será postado no site do Pink Lotus Breast Center. Espero que isso seja útil para outras mulheres.
O câncer de mama mata 458 mil pessoas por ano, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), principalmente em países de baixa e média renda.
Garantir que mais mulheres tenham acesso a testes genéticos e tratamentos preventivos que podem salvar vidas deve ser uma prioridade, não importa quais sejam as origens e os meios das pacientes. O custo dos testes de BRCA 1 e BRCA 2, que é de mais de US$ 3.000 nos EUA, continua a ser um obstáculo para muitas mulheres.
Optei por não manter o sigilo sobre minha história porque existem muitas mulheres que não sabem que podem estar vivendo sob a sombra do câncer. Também espero que elas possam passar por testes genéticos e, em caso de risco, que saibam que existem opções fortes para elas.
A vida vem com muitos desafios. Aqueles que podemos encarar e sobre os quais podemos ter controle não devem nos assustar.

Depoimento da atriz Angelina Jolie, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo. Tradução de Paulo Migliacci.

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