terça-feira, 29 de setembro de 2020

O segredo do angu do Gomes

 Em seu livro "Hinterlândia Carioca", publicado em 2012, Nei Lopes faz uma curiosa observação no verbete dedicado ao angu à baiana: "Até a época deste texto, não constava que fosse usual ou conhecido na Bahia". Quem diria: na Bahia não se faz angu à baiana.

Numa aquarela de 1826, Debret retratou as negras cozinheiras e vendedoras de angu nas ruas do Rio. O pintor francês arriscou uma receita do prato: além dos miúdos de boi, banha de porco, azeite-de-dendê, quiabo, folhas de nabo, pimentão, salsa, cebola, louro, sálvia, tomate, tudo cozido até adquirir consistência. Devia ser uma delícia.

Já a receita do angu do Gomes, vendido em barraquinhas entre os anos 50 e 80, é segredo. A sociedade de Basílio Augusto Moreira e João Gomes (filho do português Manoel Gomes, que teria "inventado" a iguaria) começou em 1955, na Central do Brasil, espalhando-se pela cidade. Aos 91 anos, Basílio morreu na quarta (23). O restaurante no largo da Prainha, tocado pelo seu neto, Rigo Duarte, continua aberto, mantendo a tradição citada por João Nogueira no samba "Espere, Oh Nega": "Porém, por enquanto, quando sentir fome/ Um angu do Gomes já dá pra enganar/ A digestão é caminhando à beira-mar".

O jornalista Ernesto Cony —o pai do romance "Quase Memória", de Carlos Heitor Cony— tinha uma teoria sobre o famoso prato e sua criação: "O Gomes não era Gomes. Nem baiano era, como se poderia supor. Era Vasconcelos e vagamente português, casara-se na Paraíba com uma Severina que lhe ensinou o macete do angu".

De qualquer maneira, o macete está salvo. O cartunista Jaguar —que em seus tempos de vacas magras sobreviveu à base dos miúdos de boi— garante que guarda a fórmula na memória. À qual acrescentou só um ingrediente: rodelas de tomate por cima. Se o freguês quiser, ele recomenda bagaceira antes, cerveja durante e Underberg depois.


Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.

Basílio Augusto Moreira (1929-2020): Seu angu fez a alegria de Tom Jobim e Roberto Carlos

 Basílio Augusto Moreira e Silvio Santos, vizinhos de porta e amigos de infância, tinham algo em comum: enquanto os colegas jogavam bola, eles queriam mais era faturar um trocado.

Português recém-chegado ao Brasil, o menino Basílio ia buscar marinheiros no cais do Rio para levá-los ao bordel, onde ganhava um caixinha. Naquela época, ele costumava dizer, os homens eram finos, com seus ternos, chapéus e bengalas.

Cresceu e fundou o Angu do Gomes, onde comeu o prato-chefe da casa —miúdos de boi e angu— a fauna boêmia mais diversa: Juscelino Kubitschek, Roberto e Erasmo Carlos, Tom Jobim.

“Quando sentir fome/ Um angu do Gomes, já dá prá enganar/ A digestão é caminhando a beira-mar”, cantou João Nogueira em “Espere oh! Nega”, de 1977.

A receita era de Manuel Gomes, que já velhinho legou o negócio ao neto e a Basílio, sócios. Até hoje a iguaria é servida em pratos de alumínio, como no começo, quando era vendida em carrocinhas.

Chegaram a ser dezenas, as barraquinhas, mas no início dos anos 1990 o Angu do Gomes, assim patenteado em 1955, foi a pique. O preço dos miúdos em alta, a Vigilância Sanitária encrencando, assaltos, tudo isso colaborou.

Em 2006, Basílio teve o maior baque de sua vida: uma árvore caiu no carro em que estava com o neto mais velho, que morreu na hora.

No mesmo ano, a vontade de viver voltou assim: Beth Carvalho (1946-2019) queria o Angu do Gomes para comemorar seus 60 anos.

Com novo fôlego, o restaurante abriu dois anos depois, uma casa na zona portuária e outra em Botafogo. À segunda, Chico Buarque foi duas vezes —agora não mais; a casa na zona sul fechou de vez na pandemia.

Basílio, que tomava vinho “com outro sabor se dissessem que era português” e entornava azeite no bacalhau, foi avô de milhões, diz outro neto, o também chef Rigo Duarte, parceiro no Angu do Gomes.

“Ninguém tem um melhor amigo de 90 anos, mas eu tinha. E meus amigos sofreram também, amavam ele.” Vô e neto, lembra Rigo, iam juntos a chopadas de sua faculdade de gastronomia, ao chorinho da praça São Salvador e a blocos de Carnaval como O Último Gole —seu Basílio gostava de sair de peruca.
A quarentena da Covid-19 “foi um problema sério”, abatendo o boêmio “que curtia a zoação, a bagunça”, diz Rigo.

Basílio ficou internado por duas semanas, após bater a cabeça ao cair da cama, e morreu na quarta (23), aos 91. Deixa três filhos, nove netos, três bisnetos e uma infinidade de netinhos de estimação.


Reprodução da Folha de São Paulo

Meninas aprendem a se deixarem abusar

 O profundo mal-estar e estupefação causados pelos crimes do pretenso médium João de Deus passam, entre outras coisas, pela ambiguidade das vítimas. Tema que retorna cada vez que uma mulher —ou criança— é abusada sexualmente e não tem a reação esperada pelo leigo.

Os estupros —cuja denúncia tardia o levaram à prisão— são a ponta do iceberg de uma vida cheia de suspeitas de assassinatos, torturas, formação de quadrilha e extorsão.

No relato das vítimas gravado na série “Em Nome de Deus” (Globoplay), cada uma, à sua maneira, se questiona —e culpabiliza— por não ter conseguido fugir, denunciar ou sequer se lembrar do ocorrido durante anos.

Para Freud, o trauma é a combinação entre a intensidade do vivido e a impossibilidade de elaborá-lo. Trata-se menos do evento em si e mais das condições para que ele possa ser inteligível, narrável, reconhecível, socialmente compartilhável. O trauma acontece diante do total despreparo da vítima, que é pega de surpresa e congela sem ter condição de entender que o que ela está vivendo é diferente do que está imaginando. Prevalece o apagamento da memória, a sensação de irrealidade e dúvida daquilo que no fundo se sabe, mas não encontra meios de ser admitido para si mesmo.

Nesse sentido, o testemunho de Débora Kalume, atriz e viúva do diretor Fábio Barreto, é exemplar. A última esperança na cura de Fábio —que se encontrava em coma—, o sofrimento atroz e a fé inabalável no criminoso a fizeram duvidar de seu próprio julgamento. Ela sai da consulta com o curandeiro sem saber o que de fato aconteceu, embora a descrição do estupro seja inequívoca. O recalcamento da cena faz parte do trauma.

À dúvida e à vergonha vêm se somar o medo —algumas vítimas teriam sido mortas ou sofreram atentados e intimidações, diz o documentário— e a completa impunidade do agressor durante décadas.

Meninas são educadas para serem bonitas, compreensivas, amáveis e cuidadoras. Sabe-se que estatisticamente os elogios às meninas se concentram em sua aparência e amabilidade, ficando a inteligência e a coragem reservadas aos meninos. Elas servem aos outros sob pretexto de que são naturalmente cuidadoras, como se o cuidar não fosse fruto de aprendizado.

O paternalismo que visa proteger as mulheres se baseia em subserviência e falta de autonomia delas diante dos seus protetores —e algozes—, que afirmam saber o que é melhor para elas. O modelo “recatada e do lar” passa longe da ideia de assertividade feminina, na qual o sujeito reconhece seu desejo, identifica o suposto desejo do outro, mas não se deixa alienar por ele.

Se uma mulher quiser romper com esse estereótipo, vai se deparar primeiro com uma alternativa de masculinidade beligerante que esconde sua própria fragilidade com o uso da violência. Não se trata, portanto, de educar filhos ao gosto da violência incutida na criação dos meninos, equívoco frequente de alguns discursos feministas. Mas de permitir que meninos e meninas digam não à influência maciça, à coerção e à sedução dos outros, ou seja, que passem da posição de objetos à de sujeitos.

Vir a público denunciar o estupro implica expor uma cena íntima e vexatória, ter sua integridade física ameaçada e ser mal interpretada moralmente. Na maioria dos casos, implica admitir ter sido capturada no desejo do outro a ponto de duvidar do próprio.

Mas não é para essa subserviência mesmo que temos criado as meninas?

Para quem duvida da conivência social que ampara essa lógica, neste exato momento João de Deus cumpre prisão domiciliar em função da pandemia.

Nós também, lembra uma das vítimas.


Texto de Vera Iaconelli, na Folha de São Paulo

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Palavras soltas, e um pássaro preso, na prosa de Luis Fernando Verissimo

Propuseram certa vez a Antonio Candido que escrevesse um manifesto para defender a livre repetição de palavras. Quem redige nessa maldita língua sabe: é considerado feio usar o mesmo vocábulo numa frase, ou mesmo em duas frases seguidas.

Para evitar a repetição de “palavra” e “escreve”, pois, se apelou para “vocábulo” e “redige” na frase acima —e, nesta aqui, se pôs “apelou” para evitar “escreveu”: pronto, se escreveu “escrever” quatro vezes na mesma frase, duas delas em seguida. Que horror.

Quando foi a Yale fazer pós-graduação, Roberto Schwarz teve de escrever ensaios em inglês. No primeiro deles, recorreu a um dicionário e salpicou seu texto com sinônimos. Seguidor da norma culta, queria evitar a perniciosa repetição de palavras.

Ao lhe devolver o ensaio, o professor lhe disse que estava ótimo. Mas acrescentou: “Vejo que o senhor usa ‘elegant variations’, que aqui abandonamos no século 17”. Pois é. Também na França jornalistas e escritores repetem palavras adoidado.

Vide Chateaubriand. Não o do filé, o outro. Lá, a de um texto, sua beleza, não está em evitar a reprise de palavras. Aqui, não. Ter um vocabulário vasto é marca de distinção: “que texto!”, se exclama a propósito de qualquer bobagem rebuscada.

Na imprensa, a situação vem melhorando. Ninguém usa “edil” para evitar a repetição de “vereador”, como era de praxe há poucas décadas; ou “petiz” no lugar de “criança”. Mas nas crônicas culinárias há quem insista em escrever “redonda” em vez da insubstituível —e simplória— “pizza”.

Ao ouvir a proposta do manifesto antirrepetitivo, Antonio Candido sorriu: “Ah, a sinonímia opulenta!”. Pensava, talvez, em Ruy Barbosa, que, entre tantos danos feitos ao idioma, advogava a untuosidade lexical, delirava em ver triunfar as nulidades. E tome “Oração aos Moços” e bacharelices quetais, todas pesadamente pré-modernas.

A Águia de Haia —note-se que não se repetiu o nome do filólogo enfezado— empilhou 38 sinônimos (barregã, hetaira, michela, quenga, zambeira etc.) para não conspurcar seu textículo com “prostituta”—ainda que as messalinas, pelo jeito, não lhe saíssem da cabeça. Freud explica?

Polido, como era do seu feitio, Antonio Candido agradeceu, mas não quis fazer o contramanifesto, apesar de simpático à ideia. Argumentou que não era escritor, não tinha autoridade para tanto. E sugeriu um nome para escrevê-lo: Luis Fernando Verissimo.

Peraí, Veríssimo? É um bom escritor, é claro, mas de um gênero menor, a crônica, que ele desovava e desova com abundância algo mecânica nos jornais. É mais um profissa da escrita que um artista raro,
bafejado por musas sublimes.

Para não variar, Antonio Cândido tinha razão. O texto ágil e a popularidade de Verissimo eram, são, suficientes para se insurgir contra variações elegantes e sinonímia opulenta. Quanto a ser cronista, Alencar, Machado, Bilac, Drummond e Mário de Andrade também o foram.

O tal manifesto não saiu. Ele faria boa figura no recém-lançado “Verissimo Antológico – Meio século de Crônicas, ou Coisa Parecida” (Objetiva, 709 págs.). A ênfase deve ser posta em “qualquer coisa”: a editora Daniela Duarte excluiu as crônicas que comentavam as notícias do dia. Seria preciso, afirma ela, “explicar a piada” em notas de rodapé.

Para Manuel Bandeira, esse embaraço é próprio da crônica. O poeta disse que, num livro, a crônica é um pássaro morto. Seu lugar é o céu da imprensa, onde voa livre e, vista de relance, maravilha por um instante e logo é esquecida. Num livro, apodrece, cheira mal.

“Verissimo Antológico”, então, reproduz um sem-número de relatos ficcionais. São passeiozinhos meio borgianos, todos sem gravidade, descompromissados, agradáveis e inócuos. Neles sobressai a graça da crônica, ainda que ele não escreva propriamente sobre o dia a dia.

Há no livro, porém, um pássaro vivíssimo, o artigo “Bird”, apelido de Charlie Parker, o músico de jazz. Ele não era uma ave livre, e sim um “yard bird”, um pássaro de quintal —gíria para os frequentadores de prisões. Viciado, Parker passou parte da vida preso em cadeias e hospitais.

Verissimo, que também é músico de jazz, pega o leitor pela mão e explica tintim por tintim a arte de Charlie Parker. Claramente, ela o emociona, lhe diz coisas que estão muito além das banalidades do cotidiano.

Suas explicações são técnicas e abrangentes, chegando a compará-lo a Bach, Flaubert e William Blake. O artigo é prodigioso. E não repete uma única palavra.


Texto de Mario Sergio Conti, na Folha de São Paulo

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Passageiros - O Passeio do Bonde por Porto Alegre

 O passeio do bonde por Porto Alegre, nas fotos de Alina Souza, para o Correio do Povo.






Fui vítima de patriotismo reverso por essa loja comunista de departamentos

 Patriotas, prestem atenção!

Tem uma loja aí com nome de “Magazine” querendo contratar pessoas negras. A empresa ainda teve a cara de pau de publicar um manifesto que diz o seguinte: “Todos sabemos sobre o passado ancestral da população negra no Brasil, a escravidão por décadas foi uma história que deixou reflexos sociais que excluem pessoas negras. Precisamos caminhar juntos nesse processo histórico que só pode ser reparado quando entendemos o impacto do que é estrutural e hoje queremos derrubar essa barreira através da oportunidade repaginando essa história”.

Em primeiro lugar, “Magazine” é uma palavra francesa. “Luiza” tem origem germânica. Nem sequer são patriotas a ponto de botar uma Estátua da Liberdade na frente das lojas.

Ou seja: não entendem nada de Brasil.

Eu, que sou homem branco conservador, que ando vestido de verde e amarelo e sonego meus impostos em dia, eu sou o VERDADEIRO PATRIOTA.

E me senti excluído pela primeira vez na vida. Então o verdadeiro patriota não pode virar trainee numa loja de departamentos? Pela primeira vez me senti como um negro ou (pior) como um travesti, que são excluídos dos processos seletivos desde sempre. E o verdadeiro patriota não pode se sentir como um negro ou um travesti.

Por isso, cidadãos de bem, prestem atenção! O que essa loja comunista de departamentos quer, na verdade, é o patriotismo reverso.

Que país esse “Magazine” quer construir? Um país onde negros, mulheres, travestis tenham igualdade de condições para competir com os VERDADEIROS PATRIOTAS?

Só pode ser piada. Eles não conhecem o Brasil! Não estudaram a nossa história!

Desde o descobrimento, passando pelas capitanias hereditárias, pela Independência, pela política do café com leite, pela eleição do Bolsonaro, os VERDADEIROS PATRIOTAS sempre lutaram como  verdadeiros bandeirantes para impedir que isso acontecesse. E vamos continuar lutando.

O Brasil nunca chegará nem perto da igualdade social, racial ou sexual. Nem da liberdade! Nem dessa frescura de fraternidade! Isso é coisa de maconheiro comunista que importa essas ideias da França e vem chamar loja de “Magazine” e roubar nossos empregos.

Patriotas! Vamos defender a nossa Pátria! Eles não amam o Brasil como nós! Anauê!


Texto do blogue de Renato Terra na Folha de São Paulo

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Entre lives e links

 Essas palavras já estão de tal modo incorporadas ao nosso cotidiano que não exigem mais destaque em itálico ou entre aspas. Todo dia, a gente diz ou ouve com a maior naturalidade frases assim:

– Não deixa de me mandar o link.

– Tranquilo. A nossa live vai bombar.

      Quase nunca bomba, mas se toma mate amargo durante o evento. É link e live o tempo todo. A conversa pode tomar rumos curiosos.

– Qual o aplicativo? Streamyard?

– Não, vai ser no Meet.

– Ainda usando o Mano.

– Nunca ouvi falar. Eu usava muito o Hangout.

      Rola. As pessoas se entendem. Os mais deslumbrados tiram uma onda. Usam aquela condescendência que os faz dormir maravilhados:

– Sabe o Webex? Se não sabe, eu te mostro. É bem simples.

      Só não participa de live quem está morto. Em geral, de medo de não corresponder à expectativa. O mate roda e a conversa prossegue:

– Qual a plataforma do curso online?

– Vimeo.

– E da live?

– Vamos pagando o Streamyard para ter multiplataforma: Twitter, Facebook e Youtube. Só não dá pra jogar no Insta. É uma limitação.

      Insta, claro, é o Instagram para os íntimos. E quem não é íntimo? Com as redes sociais só não vai quem se atrasou. Dizer que está fora é se condenar ao desprezo da sociedade por cem anos. Na educação, o Zoom deita e rola. O que mais se ouve é “tipo assim”:

– Te mando o link.

– Vou poder compartilhar a tela?

– Óbvio. Compartilhar a tela, gravar e usar tradução simultânea.

– Tu serás o anfitrião?

– Sim. Te ponho como “co”.

– Sextou.

      Vez ou outra, dá rolo. A moça ficou indignada. Falava ao celular, de máscara, enquanto atravessava a rua com o sinal fechado:

– Me mandaste o link errado. Não era a fala da Greta Thumberg.

– Puxa! Que houve?

– Entrei na sala errada.

– Quem estava falando?

– O Steve Bannon.

      É um mundo novo no qual tudo envelhece rápido, especialmente os usuários. Numa live sobre nostalgia um cara pediu o e-mail do outro:

– E-mail? Que negócio é esse?

– Correio eletrônico, pô!

– Isso não é do tempo do fax?

      Noutra live, que nada acontece fora das lives, a menina falou com uma candura que me fez pensar nos tempos da inocência presencial:

– Tem cripto?

– Claro. Totalmente segura.


Do blog do Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo

Na mira do governo, sistema de monitoramento de florestas brasileiro é caso único (no mundo)

 Alvo de ataques do governo Bolsonaro, o monitoramento de florestas realizado no Brasil é diferente de outros que existem no mundo. Especialistas brasileiros defendem o sistema nacional como mais transparente, e a plataforma americana de referência o coloca como modelo.

O acompanhamento desenvolvido pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) é baseado em dois sistemas: o Prodes, que fornece desde 1988 dados anuais do desmatamento no país, e o Deter, com resolução de imagens um pouco inferior, que desde 2005 detecta destruição da floresta praticamente em tempo real e abastece autoridades como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

A iniciativa de monitoramento mais próxima da precisão e transparência oferecida pelo Inpe é a plataforma americana Global Forest Watch, projeto da Universidade de Maryland em parceria com o World Resources Institute.

De forma semelhante ao Inpe, a plataforma, a partir de imagens de satélite Landsat (que também são usadas pelo instituto brasileiro), permite que se observem as perdas de vegetação em diferentes florestas do mundo.

Em um dos artigos da plataforma, destaca-se o monitoramento do Inpe como base para o trabalho. Os autores afirmam que as informações ali observadas se assemelham aos dados do Prodes, “o mais longo banco de dados de registro oficial de desmatamento de uma nação”.

O modelo brasileiro tem duas vantagens, segundo os especialistas ouvidos pela Folha: (1) a especificidade, pois sistemas globais de monitoramento de desmate tendem a ser menos calibrados para as particularidades de cada país e (2) a transparência, dado que tanto o Deter quanto o Prodes oferecem a possibilidade de acompanhamento pela sociedade civil.

Os dados do Deter são atualizados semanalmente para o público em geral e estão disponíveis na internet. Os resultados do Prodes são divulgados anualmente, no segundo semestre.

Para Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e diretor do secretariado do GEO (Grupo de Observações da Terra), é essa transparência que está em jogo: “Quando você não quer ser cobrado, a transparência é o inimigo. Quando você não quer um ambiente democrático e a defesa das instituições, a transparência incomoda. E a transparência está incomodando”.

Outras nações com florestas tropicais não têm sistemas de monitoramento ou são mais opacas a respeito de seus dados, afirma.

Ele cita Indonésia, Vietnã e países que, embora estejam investindo no assunto, a seu ver ainda não alcançaram a qualidade técnica existente hoje no Brasil, onde a construção do algoritmo que detecta desmate leva em conta experiências em campo dos pesquisadores.

Estão nessa fase incipiente Peru, Colômbia e Costa Rica —que, em documentos internacionais recentes sobre emissões de gases-estufa, discutia a implantação do monitoramento.

“O que você tem em outros países tropicais é a falta de capacidade local de monitoramento”, afirma Raoni Rajão, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Rajão também cita a baixa transparência. A Indonésia, por exemplo, já emitiu relatórios sobre emissões ligadas a desmatamento com dados que não coincidem com os da Global Forest Watch —geralmente inferiores aos da plataforma.

EUA e Europa realizam monitoramentos não específicos para florestas tropicais e periodicamente apontam os usos da terra feitos pelas nações.

Câmara, contudo, rejeita os casos europeu e americano como paralelo. As florestas nessas regiões são muito menos biodiversas que as tropicais, afirma, e, por serem menores reservas de biomassa, são mais destinadas a projetos de manejo florestal, como para a indústria de papel e celulose.

Raoni Rajão alerta, porém, para um movimento importante: Europa, Estados Unidos e China estão aumentando a área florestal. “O Brasil é o país mais rico do mundo a ter desmatamento.”

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reclama com frequência dos dados de desmatamento e queimadas noticiados dentro e fora do Brasil.

A reclamação costuma vir acompanhada de alegações falsas —como fez no discurso na abertura na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, nesta terça (22), quando disse ser vítima de uma campanha de desinformação sobre ações ambientais.

Outro padrão, repetido por Bolsonaro na ONU, é minimizar os incêndios que ocorrem na Amazônia, atribuindo-os erroneamente a indígenas, e o fogo no Pantanal, que enfrenta uma das piores situações de queimadas já documentadas.

Com isso, assiste-se a uma espécie de caça às bruxas.

Os dados de aumento de desmatamento divulgados periodicamente acabaram, em última instância, levando à exoneração de Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe, em agosto de 2019. Na ociasião, Bolsonaro afirmava que queria ver os dados antes de serem publicados.

Mais recentemente, confrontado com dados continuamente negativas em relação à destruição da Amazônia, o general Hamilton Mourão, vice-presidente e chefe do Conselho da Amazônia, afirmou recentemente que "alguém do Inpe estaria tentando fazer oposição ao governo Bolsonaro". Não apresentou nomes nem provas para a acusação.



Reprodução da Folha de São Paulo

Obras de Sérgio Medeiros e Rodrigo Garcia Lopes ensinam a contemplação

 Olhar o mundo pela janela sempre foi ocupação de poetas, mas a Covid intensifica a coisa.

Vamos todos ficando mais contemplativos, distantes e curiosos no que diz respeito à vida alheia.

Mais do que isso, há a estranheza diante dos novos hábitos, o surrealismo das ruas desertas, o espanto diante da morte coletiva. Assunto não falta.

Em “O Enigma das Ondas”, livro recém-lançado pela Iluminuras, o poeta Rodrigo Garcia Lopes vai fundo em seu mergulho pelo tempos atuais.

“É a face coberta por um pedaço de pano”, diz ele, “é o humano reaprendendo a ser humano.// É uma carreata de caixões pelas ruas de Turim,/ é o translúcido azul do céu de Pequim.// É o papa rezando na São Pedro deserta,/ são as águas transparentes dos canais de Veneza.// Parece que faz tanto tempo que tudo aconteceu,/ presos no labirinto com Minotauro e Teseu.”

A sucessão de dísticos rimados, que se estende longamente, produz o efeito de quem folheia as páginas de um mesmo jornal, num dia que não acaba. As notícias renovam suas surpresas, mas a situação não muda.

É também esse o espírito de um poema sobre o filme “O Feitiço do Tempo”, em que Bill Murray acordava sempre no mesmo dia do ano.

Com grande perícia, Rodrigo Garcia Lopes emprega a forma da sextina —em que a palavra final de cada verso tem de ser repetida ao longo de seis estrofes diferentes.

Desse modo, numa estrofe o personagem, Phil, percebe que “Às seis tocou o rádio-relógio que ele jogara fora:/ “Mas que inferno este eterno presente!”/ No quarto, tudo no mesmo lugar de ontem,/ quando ao som de Sonny & Cher se levantou às seis/ e diante do espelho perguntou: ‘Será diferente hoje?’/ —Nasci de mim quando acordei. Tento outra vez?”.

Em outra estrofe, as últimas palavras se repetem: “‘A marmota viu a sombra antes de ontem,/ ontem, hoje também. Vou dizer mais uma vez,/ Sou imortal! Sou Deus!’ Foi quando seis/ caipiras jogaram o homem do tempo pra fora/ do café. Acreditava agora estar num mágico presente./ ‘Algo me diz que nada será como hoje’”.

A sensação de aprisionamento é vencida, por vezes, num gesto raivoso. Em “Últimas Notícias”, Garcia Lopes coleciona clichês jornalísticos no começo de cada verso, subvertendo-os num desbordamento poético: “o mercado assimilou mal a notícia do vazamento da neblina nas montanhas, o sonho dos homens, essa maldita vontade de durar”.

Outras vezes, a contemplação e o assombro vencem o sentimento de sufoco, e o tempo, que estava em círculo vicioso, parece conhecer uma ruptura: “Um clarão incrível! revela/ o vulto recortado da costa/ mais ao sul onde o escuro/ se rebela num flash/ de uma câmera gigantesca/ minutos antes do ataque/ da tempestade: montanhas”.

É como se só pudéssemos ver o que já acabou de existir.

Não sei se a quarentena inspirou diretamente os textos de outro poeta, Sérgio Medeiros. Mas, em “O Barraco das Letras e dos Hieróglifos” (disponível gratuitamente em medeirossergio.blogspot.com), o jogo entre prisão e liberdade, morte e sobrevivência, parece responder às sensações da pandemia.

Como nos outros livros de Medeiros, há aqui uma capacidade sobrenatural de anotar, como se visto de longe, ou mais precisamente de uma janela de apartamento, o evento minúsculo, impregnado de vida.

“De costas no chão o besouro parece meio adormecido…”, escreve Medeiros; “então as formigas se põem a embalá-lo…”. Nesses poemas, sempre de duas linhas, topamos com tudo quilo que poderia voar, mas não voa, e o que não pode, mas voa mesmo assim.

“Braços de motoristas pendem/ sobre a rua como asas inúteis”, diz um poema, enquanto em outro “as nuvenzinhas são como dois filhotes de cadela:/ se cheiram e se mordem e depois rolam abraçadas”. Enquanto isso, “A pista está vazia mas lá na cabeceira envolta numa baforada/ de calor uma cauda opaca gira trêmula”.

E é ainda de confinamento que se trata, quando “no quarto frio do menino o cata-vento verde/ gira sem parar no pote de lápis sobre a mesa”, ou “na única sacada acesa da ruazinha escura/ uma moça dá murros num saco de pancada”. Ou quando “escorrem fios brancos das/ orelhas dos adolescentes”.

Em outra visão do aeroporto, Sérgio Medeiros nota que “a sombra rápida passa pela pista silenciosamente/ sem o avião grande que só toca o solo depois”.

Há muita arte em deixar esse “depois” como última palavra do verso. Como no “Feitiço do Tempo”, não há quem não esteja esperando, hoje, esse “depois” que nunca chega.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

terça-feira, 22 de setembro de 2020

A Masmorrinha da Depilação já vem com foliculite e queimadura de segundo grau

 Eu só queria comprar um presente para a filha de uma amiga. Estava decidida a não entrar naquele túnel do terror cor-de-rosa, também conhecido como sessão de brinquedos de meninas, com panelinhas, bonecas e acessórios para bonecas, incluindo bonecas para as bonecas e bonecas para as bonecas das bonecas, e assim por diante.

Fui parar em uma loja escondidinha, que só vendia brinquedos adaptados aos tempos de hoje. A vendedora garantiu que eu estava no lugar certo e me apresentou a uma linha inovadora que prepara as meninas para o mundo, sempre de forma lúdica, por uma perspectiva mais ampla e realista do que os brinquedos tradicionais.

Um dos produtos mais vendidos, o Kit Relacionamento Abusivinho, vem com um celular de mentira para a menina receber ameaças do ex. São mensagens como: “Ninguém nunca vai te querer!”, “Para de postar foto assim, tá parecendo uma puta!”, “Desculpa, você me deixa nervoso, eu vou mudar, prometo...”.

Assim, ela aprende brincando a identificar um relacionamento tóxico no futuro e a se defender com a ajuda de seus amiguinhos, o B. O. Zinho, um Boletim de Ocorrência muito trapalhão, e a Ordenzinha de Restrição. Me pareceu útil, mas achei o conteúdo pesado para uma criança de cinco anos.

Em seguida, pude conferir em mãos uma edição limitada do boneco Meu Primeiro Chefinho, que vem com um gravador embutido para repetir o que as meninas falam como se a ideia fosse dele, e ainda possui os modos Mansplaining e Manterrupting.

Apesar da tecnologia avançada, ele só não tem capacidade para memorizar o nome de sua pequena funcionária. Confesso que até bateu uma nostalgia, meu primeiro chefe era igualzinho, mas o brinquedo era caro demais.

As opções eram bem diversas. A Masmorrinha da Depilação já vem com uma foliculite e uma queimadura de segundo grau de brinde. No Jogo da Vida - Patriarcado Edition, as meninas já largam na desvantagem. A pedida para as adolescentes é o RPG Damares Fantasy, cujo objetivo é conseguir fazer um aborto seguro em um cenário medieval inspirado no governo Bolsonaro.

E, por fim, a Barbie Meu Corpo Minhas Regrinhas, que, apesar de saber falar “não” em 35 idiomas e 56 entonações diferentes, acompanha um minitaser que funciona de verdade, só para garantir.

A panelinha cor-de-rosa já não parecia uma ideia tão ruim assim.


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo

Xavier de Maistre, um confinado no século 18

 Um livro sobre isolamento. Será que você ainda tem paciência para esse tema? A Editora 34 acredita que sim e, por isso, resolveu publicar a obra, lançada originalmente em 1795.

Xavier de Maistre, nobre tanto de família quanto de espírito —e ele deixa as duas coisas bem claras no texto, numa pira egoica algo ingênua e bastante elucidativa do século 18—, escreveu esta obra delicada e extremamente culta durante o período de 42 dias (mesmo número de capítulos do livro) em que esteve preso em um quarto na fortaleza de Turim —cidade do meu coração, foi minha primeira viagem para a Europa, e poucas vezes me senti tão livre.

O escritor, poeta, artista plástico por hobby e, antes de mais nada, militar havia se metido em um duelo com outro oficial por causa de uma mulher, e seu castigo acabou sendo um dos maiores sonhos das mães escritoras que eu conheço: ficar longe de tudo e de todos por mais de um mês com serviço de quarto, belos quadros, muitos livros, uma mesa e material para escrever. E digo mais: sorte dele que ainda não existiam internet e Netflix.

Com ares de desbravador, De Maistre nos fala sobre os 36 passos de um ponto a outro do seu quarto: "Hei de percorrer meu quarto em comprimento, em largura ou ainda em diagonal". Diz que o sol aquece bem cedo sua cama cor-de-rosa e nos ensina como atingir um estado mais criativo e meditativo pela manhã.

Humilha com brandura seu criado, ou, melhor dizendo, dá ordens ao mesmo tempo que realiza a importância da empatia. Também viaja bastante para dentro de suas fantasias eróticas, e o paninho com que esfrega o retrato empoeirado de sua amada, trazendo vivacidade a suas lembranças, é uma engenhosa metáfora para a masturbação, que deve ter rolado solta ali naquele quartinho: "Minha alma se precipitou do céu como uma estrela cadente, encontrou o outro num êxtase esplêndido e, ao participar dele, acabou por aumentá-lo".

Até aqui resenho seus afazeres arriscando um tanto do tom irônico que penso ter absorvido do autor. Mas quando Xavier escreve sobre "o outro", aquele que vive em nós, que divide o que somos com a nossa alma; sobre nosso lado animal, que muitas vezes por dia apenas obedece ao ser mais enlevado em nós, e tantas outras vezes toma as rédeas de nossos pensamentos e ações; quando conjectura sobre tudo isso, muito antes de Freud e da invenção da psicanálise, confesso que o levei bastante a sério.

No posfácio de Enrique Vila-Matas uma esperança (ou mais angústia?) para o fim de um confinamento, ou o breve instante em que nos livramos de uma viagem interna: "Do meu quarto, eu o vejo sair à rua. Será o final de sua viagem que o aflige assim? Como encaixa o primeiro golpe de ar? Saiba ou não, sua paródia das viagens há de significar um salto mental, um ponto de vista inédito, que permitirá a leitores futuros, sem sair de casa, o assombro de ver as portas do caos (...) o assombro de ver mais".

Viajar sem sair do próprio quarto, segundo o autor, é um chamado para os infelizes, os enfermos e os sem dinheiro. Parece que ele fala justamente com a nossa população brasileira deste 2020!


Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Síndrome de Rolleaux

 Nada é muito novo, não? Amigos me ligam empolgados para falar de séries a que estão assistindo na HBO, Netflix ou Amazon. Garantem-me que elas, as séries, já não são apenas uma alternativa aos longas normais, mas a melhor coisa que o cinema está produzindo em nosso tempo. Ignorante no assunto, nem pio. Só acho engraçado que, em 2020, se tenha voltado a 1920, quando as séries —chamadas então seriados— também eram o formato dominante no cinema. E, para me inteirar melhor, fui às enciclopédias.

Uma série daquele tempo tinha 22 episódios, que, à razão de um por semana, mantinham as plateias eletrizadas por quase seis meses. Era, como se sabe, o tempo do filme mudo, da tela quadrada e das viragens coloridas. A ação não parava. O herói (ou heroína, se ela fosse a estrela Pearl White) era obrigado a rolar de penhascos, saltar precipícios e lutar com o bandido sobre um trem em movimento. Muitas dessas sequências usavam os próprios atores, não dublês.

Um desses atores era Eddie Polo. Na vida real, ele fora o primeiro a fazer um "loop-the-loop" numa moto e a saltar de paraquedas da Torre Eiffel. Entrou para o cinema na série "A Moeda Quebrada", em 1915, vivendo um vilão chamado Rolleaux, e, embora fosse coadjuvante, roubou o filme e se consagrou. Meu pai foi um dos milhões de meninos no mundo que, há cem anos, vibraram com Rolleaux, e só por isso a fama de Polo chegou a mim —porque, das 50 séries que ele rodou até 1927, todas blockbusters, nenhuma, nem "A Moeda Quebrada", sobreviveu.

No leilão de raridades do arquivo da Cinédia, realizado há pouco por Soraia Cals aqui no Rio, havia uma foto autografada de Eddie Polo. O lance inicial era de R$ 400. Ninguém se interessou. Quem sabe hoje quem foi Eddie Polo?

Quanto valerá daqui a cem anos a imagem de um astro das atuais séries bilionárias? E haverá alguém para se lembrar e escrever sobre ele?


Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo

domingo, 20 de setembro de 2020

Pela autogestão das fake news

 Uma das tristezas de viver num país colonizado é depender de ideias importadas das nações mais ricas. Imitamos os termos e métodos na administração, os hábitos de consumo, o audiovisual e os padrões de beleza —até o hediondo mullet, veja só, nós imitamos. Por que seria diferente com as teorias da conspiração?

Terraplanismomovimento antivacina, “globalismo”, “ideologia de gênero” e agora QAnon (deem um Google, não tenho palavras) são todas ideias de jerico estrangeiras. Como uma nação forte depende de uma cultura forte, eu, patriota e cidadão de bem, chafurdando no zeitgeist “disso daí, talquei?”, venho colaborar na produção de delírios coletivos 100% nacionais. Se é pra sermos imbecis, que nos ferremos de verde e amarelo: chega de viajar na maionese imperialista, metamos o pé na jaca patrícia.

Faustão fez pacto com o demônio. A lenda de Fausto conta a história de um homem que vende a alma ao Tinhoso em troca de poder. Adotando o nome do célebre personagem, o apresentador da Globo sequer tenta esconder o comércio anímico. Não nos esqueçamos, também, que Fausto Silva começou no programa “Perdidos na Noite”. Quem se perde na noite invariavelmente acaba no colo do Capiroto. Alguns anos atrás, Fausto renovou o contrato com o Cramunhão e incluiu uma nova cláusula —ou vocês caíram nessa farsa de cirurgia bariátrica?

7 a 1 foi comprado. Os jogadores foram subornados pela comunista globalista nudista e líder mundial da ideologia de gênero, Angela Merkel. A ideia, surgida no Foro de São Paulo e apoiada pelo PT –não esqueçam que a chanceler alemã cresceu na Alemanha Oriental– era desestabilizar a nação, preparando o terreno para a invasão europeia; primeiro o Mineirão, depois o Planalto. Ainda bem que os patriotas não se deixaram abater e elegeram o capitão para presidente —não me refiro, infelizmente, ao Thiago Silva.

Câncer de próstata não existe. É uma invenção do movimento gayzista esquerdista globalista. Obrigando os homens a se submeter a essa massagem desvirilizante, violam o último reduto da individualidade. Chega de Estado se metendo onde não deve!

mico-leão dourado não existe. Ele foi criado pelo Hans Donner, com apoio da Globolixo, da SOS Mata Atlântica e do George Soros para impedir que o Brasil explore as riquezas minerais da floresta, continuando pobre e presa fácil, novamente, do globalismo e do gayzismo —é evidente que o mico-leão (ui!) dourado (nossa!) é homossexual.

A escravidão nunca existiu. Os africanos se jogavam dentro das caravelas portuguesas e se escondiam nos porões porque queriam vir para o Brasil viver com casa e comida de graça em nossas fartas plantações. Tudo custeado pelo cidadão de bem que pagava seus impostos. Depois de 300 anos os ingratos abandonaram seus zelosos cuidadores, se espalharam pelos morros e criaram a Lei Rouanet, para sustentar seus batuques. É urgente uma reparação aos brancos, tão explorados em nosso país.

Padre Julio Lancellotti é traficante. É ele quem vende drogas na cracolândia, por isso impede que a polícia faça o correto, que é seguir o exemplo de Duterte, nas Filipinas, e assassinar qualquer um que tenha envolvimento com drogas. Ou viva na rua. Ou seja preto e esteja andando por aí depois das 22h. Julio Lancellotti, aliás, é pai do jornalista Silvio Lancellotti, que tem publicados dez livros de culinária —toda uma carreira, portanto, baseada na larica.

Repassem sem dó!


Texto de Antonio Prata, na Folha de São Paulo

sábado, 19 de setembro de 2020

Brasil: Queima total de estoque. Confira as ofertas!

 O capitão ficou maluco! Você não pode perder a chance de aproveitar os descontos extraordinários nos tributos devidos por seu templo religioso! É pra zerar a dívida! Quase R$ 1 bilhão! O Messias voltou e vai praticar o perdão para você que crê em Deus, mas não crê na Contribuição Social sobre Lucro Líquido!

Abra agora mesmo o seu templo religioso e tenha êxito em todos os seus problemas financeiros! Vocênunca mais vai ver um boleto! De quebra, você ganha carta branca para acusar por três vezes, diante do espelho, os artistas brasileiros de mamar nas tetas do Estado!
Não compre arroz agulhinha antes de ver a próxima oferta!

Começou a Green Fry Day! Queima total no Pantanal, Amazônia e reservas florestais adjacentes! Pode passar a boiada! Chã, patinho e lagarto com trânsito livre pelas áreas devastadas em tempo recorde! Reservas indígenas com 70% de desconto, sem juros no Cartão Bandeirante! Hectares inteiros a preço de fábrica!

Atenção, atenção, infrator! Chegou a hora de aproveitar os descontos extraordinários nas multas do Ibama! Quer pagar quanto? É o Desafio Semana do Consumidor: encontre um fiscal atuante do Ministério do Meio Ambiente que nós o exoneramos imediatamente. Satisfação garantida!

Yes, nós temos banana! Veja as nossas condições especiais para americanos. Traga o encarte que cobrimos qualquer oferta! Como disse o patrão: “A Amazônia não pode ser esquecida. Temos muitas riquezas. Gostaria muito de explorá-la junto com os Estados Unidos”.
Não pare de ler agora! A liquidação do Estado brasileiro não tem hora para terminar!

Já fez a sua rachadinha hoje? Com o nosso programa de fidelidade, você não ganha apenas o seu salário! Na aquisição
de cinco funcionários de gabinete, você acumula 20% dos ordenados alheios!

E, se você for uma pessoa de sorte, ainda pode ser contemplado com nosso prêmio especial: um cheque de R$ 89 mil direto na sua conta corrente! (*).

O último a sair apague o SUS.

(*) O cheque pode ser depositado na sua conta, pode cair na conta de algum parente indicado por você ou pode ser trocado por notas de R$ 200.


Texto de Renato Terra, na Folha de São Paulo

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Entrevista de Giancarlo Carvalho Borges ao Fast Food Cultural (2014)

Reproduzo entrevista de 2014, de Giancarlo Carvalho Borges, para Paulo Carvalho, no antigo saite Fast Food Cultural. 


Estou reproduzindo porque recentemente, e só recentemente, li o livro As Mitologias Roubadas - Os 12 Trabalhos, e Giancarlo. 



1- Quando foi que surgiu a vontade de escrever?


Surgiu naturalmente, tão logo eu descobri que gostava de ler.

Acho que essa vontade é normal quando se lê muito. E, quando

surge esse desejo de expor seu pensamento e tornar real uma

história guardada na cabeça, começar a escrever, mesmo sem

método, é a válvula ideal.


2- De onde surgiu a ideia de fazer esse mashup de conteúdos e

porque os 12 trabalhos?


Sempre gostei muito das mitologias, praticamente todas, mas,

em especial, a greco-romana. A lenda sobre os trabalhos de

Hércules nunca saiu da minha cabeça, desde menino, quando li

"Os doze trabalhos de Hércules", o livro infantil escrito por

Monteiro Lobato e publicado em 1944. Como é uma história bem

conhecida, e memorável, durante as minhas andanças na cidade

me surgiu a ideia. Comecei a estudar e visitar diversos locais

conhecidos e, surpreendentemente, consegui chegar a uma

conexão entre elas e os trabalhos. Claro, a imaginação foi a

mil para que isso acontecesse.


3- Foi necessário muito estudo dos trabalhos e da cidade de

Porto Alegre para que a história pudesse ser criada?


Sim, bastante. Passei várias horas na Biblioteca Pública,

além, claro, de pesquisar praticamente tudo sobre os locais

escolhidos na internet. Além disso, a ajuda de um amigo

gaúcho, Miguel Felippe, técnico restaurador e profundo

conhecedor da história da cidade, foi fundamental para me

aprofundar na história e poder conectar com o enredo que tinha

na cabeça.


4- Dar a luz a um livro, todo o processo, foi um trabalho

hercúleo?


Sempre é. Afinal, é necessário ter carinho pela história,

tempo disponível (o que, na época, eu tive, por circunstância)

e conhecimento da língua. E paciência para não desistir, boa

vontade para sempre colocar a auto-crítica na mesa e coragem

para reescrever, refazer, deletar. Ou seja,é um processo de

contante entrega.


5- Segundo Chronus, quanto tempo levou para o livro ser

escrito e quais as maiores dificuldades?


Todo o processo levou praticamente 1 ano e meio. A maior

dificuldade, no meu caso, foi o excesso de ideias e a dor de

ter que deixar algumas "na sala de edição". Eu tinha sempre a

intenção de editar o livro, e sabia que o tamanho do livro

seria um fator importante numa futura avaliação. Sem falar,

claro no tempo diário disponível que eu tinha pra escrever.

Noitadas e noitadas foram necessárias.


6- O que você acha que falta para que pequenos artistas, de

inúmeras vertentes, saiam do esconderijo como você saiu?


Oportunidades, um pouco de sorte, e, definitivamente,

disciplina e dedicação. Se não entregar o coração, a alma e

boa parte do tempo no que se acredita, as ideias serão somente

ideias, e as oportunidades não virão. E contar só com a sorte

não é o melhor caminho.


7- Qual a sua dica para esses que ainda estão escondidos, com

medo de trombar com o Leão da Nemeia, ou com o Minotauro?


Primeiramente, ter disciplina e acreditar no potencial. Não

adianta começar algo e engavetar, pensando que não vale a pena

continuar. Pegue seu esboço, sua ideia ou projeto e divulgue.

Use a internet, suas conexões pessoas, seu amigos ou,

simplesmente, busque a fera que pode auxiliar no seu projeto e

esfregue na fuça dela o seu sonho. O máximo que pode acontecer

é um não, ou um conselho para aprimorar, ou uma mordida. Nada

que vá te matar.


8- Sei que deveria haver uma continuidade para a sua história,

você pretende concluí-la? Se não, por quê?


O livro apresenta sim a possibilidade de continuação da

história. Não significa que o livro não tenha um final, que

necessite de outras histórias para fechar algum ciclo. Tem sim

um desfecho bem definido, e adequado, ao meu ver. Mas, sim,

pretendo continuar essa aventura, assim que concluir um

projeto atual. Afinal, as mitologias são diversas, e ideias

não faltam.


9- Qual a sua maior satisfação após concluir o livro?


Terminar o livro foi um alívio, uma sensação de promessa

cumprida. Ter o livro em minhas mãos foi muito legal, uma

sensação de que o trabalho foi válido. Mas receber boas

críticas dos leitores, e o reconhecimento dos amigos e

familiares, foi, e ainda é, a melhor recompensa.


10- Você tem mais algum projeto em mente? Alguma outra

história que possa adiantar?


Sim, atualmente estou tentando conciliar o trabalho com a

escrita, e finalizar um novo livro, de temática e abordagem

diferente das Mitologias Roubadas.

Digamos que eu tenha um terço pronto, mas que toda a história

já está pronta, na cabeça. Posso adiantar que terá aventura,

mistério, realidade, ficção e fantasia, um detetive

improvável, sangue, crítica social e um ingrediente que me

enoja: políticos corruptos.


11- Sobre sua participação no projeto "Santa Sede", como foi a

experiência e o que você aprendeu? Qualquer um pode

participar?


Ter participado da Oficina e do Projeto Santa Sede foi um

divisor no meu método de escrita e no meu entendimento da

literatura. O Rubem Penz, idealizador e ministrante da oficina

tem uma capacidade surpreendente de envolver, de trocar

experiência e de repassar bons métodos para quem gosta de

escrever. E ali conheci pessoas especiais, amigos até hoje,

que também ensinam enquanto aprendem. Me sinto melhor escritor

depois de ter participado da turma de 2011. Quem quiser

participar, pode ter acesso às informações através do site

dele, o rubempenz.net. Vale muito a pena.


12- Além da escrita, existe mais alguma atividade artística

que você desenvolva dentro dos labirintos da vida?


Já fui um ótimo desenhista, dizem. Mas faz algum tempo que não

pratico. Qualquer hora eu volto a produzir meus rabiscos, prá

ver se ainda tenho o dom e para satisfazer alguns pedidos

insistentes. Produzo também, mais por hobby e exercício de

criatividade, sites diversos, logomarcas e material

publicitário, como cartazes e folders. Essa produção ainda é,

digamos, somente para os amigos e casos excepcionais.


13- Quais os 12 trabalhos que você acha que precisam ser

feitos em Porto Alegre para a cidade melhorar?


1) Escolher melhor os candidatos ao votar 2) Matar a carreira

de quem foi eleito e não cumpriu 3) Destruir a falta de

respeito com o cidadão 4) Exterminar o preconceito 5)

Valorizar as carreiras cruciais para a cidade, responsáveis

pela segurança, educação e saúde 6) Respeitar a opinião da

população 6) Ouvir e respeitar a juventude 7) Dar valor ao

papel da mulher na sociedade (sejam elas amazonas ou não) 8)

Respeitar o patrimônio e a história 9) Exterminar os

interesses particulares e opressores de algumas corporações

"monstro" 10) Renovar a cultura local, valorizando os que tem

mais qualidade do que "costa-quente" 11) Abrir a boca e não

aceitar o mal feito 12) Levar mais a sério o papel de

cidadão, afinal não basta matar um leão a cada dia: tem que se

manifestar e denunciar


14- E qual o trabalho mais difícil a ser enfrentado para que a

cidade melhore?


Definitivamente, saber escolher os governantes no próximo

pleito. Se não for levado a sério o voto, o futuro vai

apresentar muito mais do que 12 problemas e consequências

ruins. E será uma missão ingrata e difícil remediar a

situação.


15- Desde o lançamento do livro até agora, considerando todo

estudo minucioso que foi feito, você acha que a cidade

melhorou, ou piorou?


A cidade parou no tempo. Muito pouco ou quase nada foi feito

para melhorar as opções de diversão, cultura e educação. A

falta de respeito com o patrimônio histórico, a natureza e a

cultura é evidente. Os benefícios que os projetos para a Copa

do Mundo trariam não se concretizaram, por incompetência ou

mal-feito. Perdeu-se uma oportunidade única que dificilmente

se repetirá. Uma pena.


16- Você acha que um dia chegaremos próximos da Porto Alegre

retratada no seu livro?


Minha versão da cidade é, evidentemente, utópica. É um futuro

desejado, onde a tradição e a tecnologia coexistem. Pode até

parecer impossível, mas não é. Com o comprometimento da

sociedade, com políticas públicas e políticos melhores, os

"devaneios" do livro são, sim, perfeitamente realizáveis.

Um Arroio Dilúvio como um canal limpo onde as pessoas passeiam

a pé ou em pequenos barcos? Dá para fazer. Uma beira do Guaíba

com restaurantes, galerias, jardins e natureza exuberante?

Sim, é possível. Prédios históricos e monumentos resgatados

dentro das leis e técnicas corretas de restauração? Dá também.

Trens subterrâneos e aéreos para melhor circulação na cidade?

É só querer.


17- Porto Alegre, no ponto em que está, precisa de um herói?


Sim. Mas não de um herói único, solitário, mitológico. A

cidade precisa de uma Liga da Justiça inteira, onde a voz do

povo, a manifestação da juventude e a eterna insatisfação com

o mal feito sejam os principais super poderes. Só assim vamos

derrotar esse bando de vilões que andam por aí.


18- Para finalizar: qual seu Fast Food favorito?


Não tem como não gostar de um sanduba ou uma pizza bem feita.


19- Sabe cozinhar algum Fast Food que possa nos passar a

receita?


Quisera eu ter a intimidade com a gastronomia que meu irmão

possui... Mas, caso considerem um ovo frito e azeitona jogados

sobre uma fatia de pão um fast-food, posso mandar a receita. É

bom, até Cérbero comeria...