quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Entre lives e links

 Essas palavras já estão de tal modo incorporadas ao nosso cotidiano que não exigem mais destaque em itálico ou entre aspas. Todo dia, a gente diz ou ouve com a maior naturalidade frases assim:

– Não deixa de me mandar o link.

– Tranquilo. A nossa live vai bombar.

      Quase nunca bomba, mas se toma mate amargo durante o evento. É link e live o tempo todo. A conversa pode tomar rumos curiosos.

– Qual o aplicativo? Streamyard?

– Não, vai ser no Meet.

– Ainda usando o Mano.

– Nunca ouvi falar. Eu usava muito o Hangout.

      Rola. As pessoas se entendem. Os mais deslumbrados tiram uma onda. Usam aquela condescendência que os faz dormir maravilhados:

– Sabe o Webex? Se não sabe, eu te mostro. É bem simples.

      Só não participa de live quem está morto. Em geral, de medo de não corresponder à expectativa. O mate roda e a conversa prossegue:

– Qual a plataforma do curso online?

– Vimeo.

– E da live?

– Vamos pagando o Streamyard para ter multiplataforma: Twitter, Facebook e Youtube. Só não dá pra jogar no Insta. É uma limitação.

      Insta, claro, é o Instagram para os íntimos. E quem não é íntimo? Com as redes sociais só não vai quem se atrasou. Dizer que está fora é se condenar ao desprezo da sociedade por cem anos. Na educação, o Zoom deita e rola. O que mais se ouve é “tipo assim”:

– Te mando o link.

– Vou poder compartilhar a tela?

– Óbvio. Compartilhar a tela, gravar e usar tradução simultânea.

– Tu serás o anfitrião?

– Sim. Te ponho como “co”.

– Sextou.

      Vez ou outra, dá rolo. A moça ficou indignada. Falava ao celular, de máscara, enquanto atravessava a rua com o sinal fechado:

– Me mandaste o link errado. Não era a fala da Greta Thumberg.

– Puxa! Que houve?

– Entrei na sala errada.

– Quem estava falando?

– O Steve Bannon.

      É um mundo novo no qual tudo envelhece rápido, especialmente os usuários. Numa live sobre nostalgia um cara pediu o e-mail do outro:

– E-mail? Que negócio é esse?

– Correio eletrônico, pô!

– Isso não é do tempo do fax?

      Noutra live, que nada acontece fora das lives, a menina falou com uma candura que me fez pensar nos tempos da inocência presencial:

– Tem cripto?

– Claro. Totalmente segura.


Do blog do Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo

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