terça-feira, 8 de setembro de 2020

Piada não tem mais graça e meme 'sad and Brazilian' faz cada vez mais sentido

 O humorista abre os olhos todas as manhãs e a realidade o acerta em cheio feito uma torta na cara. Ser brasileiro já não tem a menor graça.

Seu trabalho consiste em provocar o riso em um país onde a pandemia ceifa 800 vidas por dia, cuja autoridade máxima declara que a vacina é uma escolha individual, ou seja, não se deu ao trabalho de pesquisar como funcionam as vacinas.

Volta e meia, lembramos a anedota do Pagliacci. Um homem vai ao médico, se dizendo deprimido. O médico recomenda que ele veja o espetáculo do palhaço Pagliacci, que está em cartaz, e o paciente rebate “mas, doutor, eu sou o Pagliacci”.

O humorista tenta escrever uma versão canarinho da anedota, com a punchline “mas, doutor, eu sou brasileiro”. Infelizmente, a piada não funciona, e o meme “sad and Brazilian” faz cada vez mais sentido.

Perdeu seu último refúgio, o Twitter, que já foi conhecido como um playground de comediantes e hoje se transformou em uma central de cancelamento, quando não está ardendo em polêmicas que afetam diretamente seu ofício.

Um exemplo é o trecho da entrevista com Marcelo Adnet no Roda Viva, em que Marcelo Tas o questiona sobre sua orientação política de esquerda e afirma que não existem humoristas em Cuba. A pergunta é uma sequência de equívocos, entre eles, a negação de uma classe consolidada, incluindo comediantes como Luis Silva, que conseguiu cair nas graças tanto dos irmãos Castro, quanto de Barack Obama.

Pouco tempo depois, Adnet se tornaria alvo do governo federal ao fazer uma paródia de um vídeo estrelado pelo secretário especial de Cultura, Mario Frias. Frias manifestou seu repúdio, adjetivando o comediante com palavras duras, como “bobão”. A Secretaria de Comunicação também comprou a briga e insinuou em um tuíte que Adnet seria contra a bondade e o amor ao próximo.

Em compensação, no mesmo dia foi preso, na Rússia, o principal suspeito do atentado terrorista contra a sede do Porta dos Fundos, que aconteceu na madrugada do dia 24 de dezembro do ano
passado, há oito meses.

Diante dos presentes fatos, o humorista sonha em se teletransportar para a Rússia e ser espetado pela vacina Sputnik, ou para Cuba, cujo sistema de saúde é referência mundial e o número de mortos pela Covid atingiu recentemente a marca de cem mortes, e não 100 mil.

O que diria o médico de Pagliacci para atenuar a dor do humorista brasileiro? “Pelo menos estão levando o seu trabalho a sério.”


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo

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