terça-feira, 29 de setembro de 2020

O segredo do angu do Gomes

 Em seu livro "Hinterlândia Carioca", publicado em 2012, Nei Lopes faz uma curiosa observação no verbete dedicado ao angu à baiana: "Até a época deste texto, não constava que fosse usual ou conhecido na Bahia". Quem diria: na Bahia não se faz angu à baiana.

Numa aquarela de 1826, Debret retratou as negras cozinheiras e vendedoras de angu nas ruas do Rio. O pintor francês arriscou uma receita do prato: além dos miúdos de boi, banha de porco, azeite-de-dendê, quiabo, folhas de nabo, pimentão, salsa, cebola, louro, sálvia, tomate, tudo cozido até adquirir consistência. Devia ser uma delícia.

Já a receita do angu do Gomes, vendido em barraquinhas entre os anos 50 e 80, é segredo. A sociedade de Basílio Augusto Moreira e João Gomes (filho do português Manoel Gomes, que teria "inventado" a iguaria) começou em 1955, na Central do Brasil, espalhando-se pela cidade. Aos 91 anos, Basílio morreu na quarta (23). O restaurante no largo da Prainha, tocado pelo seu neto, Rigo Duarte, continua aberto, mantendo a tradição citada por João Nogueira no samba "Espere, Oh Nega": "Porém, por enquanto, quando sentir fome/ Um angu do Gomes já dá pra enganar/ A digestão é caminhando à beira-mar".

O jornalista Ernesto Cony —o pai do romance "Quase Memória", de Carlos Heitor Cony— tinha uma teoria sobre o famoso prato e sua criação: "O Gomes não era Gomes. Nem baiano era, como se poderia supor. Era Vasconcelos e vagamente português, casara-se na Paraíba com uma Severina que lhe ensinou o macete do angu".

De qualquer maneira, o macete está salvo. O cartunista Jaguar —que em seus tempos de vacas magras sobreviveu à base dos miúdos de boi— garante que guarda a fórmula na memória. À qual acrescentou só um ingrediente: rodelas de tomate por cima. Se o freguês quiser, ele recomenda bagaceira antes, cerveja durante e Underberg depois.


Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.

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