Basílio Augusto Moreira e Silvio Santos, vizinhos de porta e amigos de infância, tinham algo em comum: enquanto os colegas jogavam bola, eles queriam mais era faturar um trocado.
Português recém-chegado ao Brasil, o menino Basílio ia buscar marinheiros no cais do Rio para levá-los ao bordel, onde ganhava um caixinha. Naquela época, ele costumava dizer, os homens eram finos, com seus ternos, chapéus e bengalas.
Cresceu e fundou o Angu do Gomes, onde comeu o prato-chefe da casa —miúdos de boi e angu— a fauna boêmia mais diversa: Juscelino Kubitschek, Roberto e Erasmo Carlos, Tom Jobim.
“Quando sentir fome/ Um angu do Gomes, já dá prá enganar/ A digestão é caminhando a beira-mar”, cantou João Nogueira em “Espere oh! Nega”, de 1977.
A receita era de Manuel Gomes, que já velhinho legou o negócio ao neto e a Basílio, sócios. Até hoje a iguaria é servida em pratos de alumínio, como no começo, quando era vendida em carrocinhas.
Chegaram a ser dezenas, as barraquinhas, mas no início dos anos 1990 o Angu do Gomes, assim patenteado em 1955, foi a pique. O preço dos miúdos em alta, a Vigilância Sanitária encrencando, assaltos, tudo isso colaborou.
Em 2006, Basílio teve o maior baque de sua vida: uma árvore caiu no carro em que estava com o neto mais velho, que morreu na hora.
No mesmo ano, a vontade de viver voltou assim: Beth Carvalho (1946-2019) queria o Angu do Gomes para comemorar seus 60 anos.
Com novo fôlego, o restaurante abriu dois anos depois, uma casa na zona portuária e outra em Botafogo. À segunda, Chico Buarque foi duas vezes —agora não mais; a casa na zona sul fechou de vez na pandemia.
Basílio, que tomava vinho “com outro sabor se dissessem que era português” e entornava azeite no bacalhau, foi avô de milhões, diz outro neto, o também chef Rigo Duarte, parceiro no Angu do Gomes.
“Ninguém tem um melhor amigo de 90 anos, mas eu tinha. E meus amigos sofreram também, amavam ele.” Vô e neto, lembra Rigo, iam juntos a chopadas de sua faculdade de gastronomia, ao chorinho da praça São Salvador e a blocos de Carnaval como O Último Gole —seu Basílio gostava de sair de peruca.
A quarentena da Covid-19 “foi um problema sério”, abatendo o boêmio “que curtia a zoação, a bagunça”, diz Rigo.
Basílio ficou internado por duas semanas, após bater a cabeça ao cair da cama, e morreu na quarta (23), aos 91. Deixa três filhos, nove netos, três bisnetos e uma infinidade de netinhos de estimação.
Reprodução da Folha de São Paulo.
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