segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Síndrome de Rolleaux

 Nada é muito novo, não? Amigos me ligam empolgados para falar de séries a que estão assistindo na HBO, Netflix ou Amazon. Garantem-me que elas, as séries, já não são apenas uma alternativa aos longas normais, mas a melhor coisa que o cinema está produzindo em nosso tempo. Ignorante no assunto, nem pio. Só acho engraçado que, em 2020, se tenha voltado a 1920, quando as séries —chamadas então seriados— também eram o formato dominante no cinema. E, para me inteirar melhor, fui às enciclopédias.

Uma série daquele tempo tinha 22 episódios, que, à razão de um por semana, mantinham as plateias eletrizadas por quase seis meses. Era, como se sabe, o tempo do filme mudo, da tela quadrada e das viragens coloridas. A ação não parava. O herói (ou heroína, se ela fosse a estrela Pearl White) era obrigado a rolar de penhascos, saltar precipícios e lutar com o bandido sobre um trem em movimento. Muitas dessas sequências usavam os próprios atores, não dublês.

Um desses atores era Eddie Polo. Na vida real, ele fora o primeiro a fazer um "loop-the-loop" numa moto e a saltar de paraquedas da Torre Eiffel. Entrou para o cinema na série "A Moeda Quebrada", em 1915, vivendo um vilão chamado Rolleaux, e, embora fosse coadjuvante, roubou o filme e se consagrou. Meu pai foi um dos milhões de meninos no mundo que, há cem anos, vibraram com Rolleaux, e só por isso a fama de Polo chegou a mim —porque, das 50 séries que ele rodou até 1927, todas blockbusters, nenhuma, nem "A Moeda Quebrada", sobreviveu.

No leilão de raridades do arquivo da Cinédia, realizado há pouco por Soraia Cals aqui no Rio, havia uma foto autografada de Eddie Polo. O lance inicial era de R$ 400. Ninguém se interessou. Quem sabe hoje quem foi Eddie Polo?

Quanto valerá daqui a cem anos a imagem de um astro das atuais séries bilionárias? E haverá alguém para se lembrar e escrever sobre ele?


Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo

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