Historiador Jacob Gorender morre aos 90 em São Paulo
Dilma lamenta morte do amigo que conheceu na prisão durante a ditadura
Professor abraçou o comunismo, lutou na Segunda Guerra e foi preso quando combatia o regime dos militares
Protagonista de uma das trajetórias mais singulares da história recente, o intelectual autodidata, dirigente comunista, preso político e veterano da 2ª Guerra Mundial Jacob Gorender morreu ontem aos 90 anos, em São Paulo.
Foi autor de "O Escravismo Colonial", de 1978, e de "Combate nas Trevas", de 1987, sua obra mais conhecida, um clássico sobre a história da esquerda na ditadura militar.
"Gorender descreveu e questionou práticas problemáticas das organizações da luta armada, como o justiçamento de militantes. Ao abrir esse debate, provocou uma consideração mais complexa sobre as esquerdas", disse o brasilianista James Green, da Universidade Brown.
A presidente Dilma Rousseff, em nota, lamentou a morte "do amigo e companheiro Jacob Gorender", "um pensador do Brasil". A presidente disse ter recebido com "tristeza" a notícia e deixou condolências a seus amigos.
"Nós nos conhecemos presos no Dops, em São Paulo. Ele estava convalescente de torturas e foi conselheiro importante num momento crucial na minha vida", afirmou.
"Gorender tem importância tanto pela trajetória, que acompanha o Brasil desde os anos 1940, quanto por morrer falando, sem medo de uma posição crítica", diz a professora de história da USP Maria Aparecida de Aquino.
FUNDADOR DO PCBR
Gorender nasceu em Salvador em 20 de janeiro de 1923, filho de imigrantes judeus russos. Em 1941 entrou para a Faculdade de Direito de Salvador, época em que se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Ele interrompeu os estudos em 1943 quando, aos 20 anos, se alistou na Força Expedicionária Brasileira. Lutou na Europa em batalhas como a de Monte Castelo, na Itália.
Finda a guerra, mudou-se para o Rio, onde trabalhou em jornais de esquerda e, em 1953, para São Paulo. Dois anos depois, embarcou para Moscou, onde permaneceu até meados dessa década.
O golpe de 1964 pegou o PCB de surpresa e rachou o partido. Gorender foi expulso em 1967. No ano seguinte criou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), com Apolônio de Carvalho e Mário Alves.
"Há um debate no PCB com três correntes. A do [Luís Carlos] Prestes, de resistência na legalidade; a do [Carlos] Marighella, luta armada estilo foco guerrilheiro; e a de Gorender, Carvalho e Alves, que era a combinação de organização de partido, trabalho de massas e luta armada", disse o sociólogo Emir Sader.
Gorender acabou preso em São Paulo, em 1970. Por não ter participado de nenhuma ação armada, foi condenado a dois anos, mas não se livrou de ser torturado várias vezes.
Companheiro de cela, o jornalista Alípio Freire disse que, uma vez por semana, dava aulas sobre escravidão.
Os livros de história eram levados pela mulher, Idealina, já morta, com quem Gorender teve uma filha, Ethel.
Libertado, trabalhou como tradutor e passou a escrever.
"Foi um grande dirigente político e um grande intelectual", afirmou Sader.
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