JOAQUIM BARBOSA, presidente do Supremo, paladino antimensaleiro, "homem novo", venceria a eleição para presidente entre os manifestantes de São Paulo. Segundo o Datafolha, era o preferido de 30% do pessoal na rua. Marina Silva, o "voto de protesto" de 2010 e política "diferente" (ora "sem partido"), viria a seguir, com 22%. Dilma Rousseff teria 10%. Não se trata de uma amostra "popular": os manifestantes têm mais renda e mais instrução que a média de paulistas ou brasileiros.
Para os manifestantes de quinta-feira, o protesto era contra a corrupção (50%), as passagens mais caras (32%) e os políticos (27%). A pesquisa não apresentou dados da ojeriza aos partidos, mas a evidência anedótica (e a pancadaria) parece suficiente para ilustrar a raiva.
O povo dos protestos, pois, não gosta da política politiqueira, o que não é novidade, embora a revolta seja chamada de "nova". Sim, é inusual que um povo até ontem "satisfeito" com o governo "descubra" que está farto e é ignorado devido a uma manifestação a princípio minoritária (mas simpática e tratada com boçalidade ditatorial pelo governo paulista).
Mas o povo dos protestos mui convencionalmente quer um líder "outsider", de fora da ordem da "política suja" ("dos partidos"), embora seu protesto contra a ordem pareça se limitar ao sistema político desvirtuado em corrupção. Os problemas estariam no abuso da Versalhes da politicagem. Uma vez derrubada a casta politiqueira, haverá recursos para "saúde, educação e transporte".
É uma visão convencional, desinformada e, de certo modo, conveniente (para conservadores) da política. Estamos "todos juntos", "o povo acordou", enrolado na bandeira e cantando o Hino Nacional, contra o inimigo comum, a casta política corrupta.
No entanto, nem a "casta" política é uma e una nem tudo é inércia nas políticas públicas; parte do "povo unido" é conivente ou se beneficia da ordem. A "união nacional" contra a casta ou a corrupção é ideologia. Isto é, mascara o fato de que os recursos sociais (dinheiro público, produção econômica) são escassos e distribuídos de acordo com privilégios (entre membros desse "povo" ora unido).
Mesmo uma discussão séria, mas ainda municipal, sobre o custo do transporte (e por que não dos lucros das empresas de lixo etc.?) logo terá de lidar com o problema de escolhas, perdas e ganhos (o que leva a formação de diferentes "partidos", formais ou informais). Mais transporte significa menos dinheiro para outro gasto social ou em imposição de perdas (mais IPTU, imposto sobre uso de carros etc.).
Corrupção, lucro "excessivo", tudo pode ser remediado. Mas, mesmo que imediatamente passássemos a viver na república dos anjos socialistas, ainda haveria escassez e seriam inevitáveis disputas sobre distribuição de recursos (via economia, de mercado ou não) e redistribuição (por meio de taxação e transferências via governo ou uma "nova" forma de representação e confronto negociado de interesses).
Decerto massas em protesto, "novas" ou não, não são a assembleia para analisar e negociar a disputa. Mas não dar forma, organização, a essas demandas de justiça é ingenuidade desinformada, dá em nada ou acaba em coisa pior, na procura de um líder salvador.
Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo.
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