O nome do adolescente era Muhammad al-Qatta e ele tinha 14 anos quando, segundo testemunhas, radicais islâmicos de Aleppo, cidade localizada no norte da Síria, o arrancaram de seu quiosque de café no domingo passado e, em seguida, o executaram em uma praça pública.
Segundo sua mãe, Muhammad tinha saído de casa para fechar seu quiosque, onde trabalhava para sustentar a família. Quando um homem se aproximou e pediu um café grátis, o adolescente disse a frase que o colocou entre as vítimas da crescente perversidade da guerra na Síria.
"Muhammad estava conversando com esse cara e disse a ele: 'Eu não vou te dar nada'", relatou o pai do adolescente.
"Mesmo que Maomé, que a paz esteja com ele, descesse aqui na Terra agora, eu não daria um café grátis a ninguém", disse o adolescente.
Três homens de barbas e cabelos longos que trajavam o tipo de roupa preferido dos ultraconservadores ouviram o diálogo. Eles acusaram o adolescente de insultar o profeta e ordenaram que ele saísse do quiosque. Em seguida, os homens o levaram em um carro. Quando eles voltaram, uma hora depois, Muhammad apresentava as marcas de uma surra. Em uma praça, eles cobriram a cabeça do adolescente com sua camisa --que se transformou em uma espécie de venda improvisada--, como se ele fosse "algum figurão", disse sua mãe.
Ela assistiu de sua varanda enquanto centenas de pessoas se reuniam ao redor de seu filho. Um morador da vizinhança, Abu Abdo, ouviu o que os homens disseram. Dirigindo-se aos "respeitáveis habitantes de Aleppo", eles advertiram que blasfemar contra Deus ou o profeta Maomé era um pecado e disseram que esse tipo de atitude é "punido dessa forma".
O pai do adolescente ouviu os tiros. Sua esposa disse a ele que os homens haviam matado seu filho.
"O sangue dele escorreu na minha frente", disse a mãe de Muhammad em um vídeo chocante divulgado na internet na segunda-feira passada.
Em meio à dor da perda do filho, ela invocou o nome de outra vítima adolescente da Síria, Hamza Ali al-Khateeb, cuja morte nas mãos das forças do governo ajudou a impulsionar a insurreição, que se transformou em uma guerra que já está em seu terceiro ano. Durante um protesto há dois anos, Hamza foi puxado de lado por agentes do governo, brutalizado e morto. Em seguida, seu corpo foi enviado a sua família.
Assim como a morte de Hamza cristalizou a ira dos sírios contra o presidente Bashar al-Assad, a morte de Muhammad provocou sentimentos semelhantes contra o novo poder que surgiu durante a guerra. O assassinato do adolescente direcionou a raiva da população aos islâmicos radicais --grupo que inclui estrangeiros--, alguns dos quais aproveitaram o conflito na Síria como uma oportunidade para impor seus costumes. Para a mãe de Muhammad e alguns de seus vizinhos, as duas tiranias são indistinguíveis e têm aprisionado muitos sírios.
Em uma casa no bairro de Muhammad, Abdo disse que o que aconteceu com os dois adolescentes mortos foi "a mesma coisa".
"Quem mata um adolescente, seja qual for o motivo, é um assassino", disse ele, acrescentando que os sírios anseiam em conseguir viver a vida sem a presença dos capangas das forças de segurança do governo "ou dos sunitas radicais que erguem bandeiras negras e querem construir um estado que não têm a ver com o nosso tipo de mentalidade".
Na segunda-feira passada, grupos sírios da oposição se apressaram em se distanciar da morte do adolescente, que foi divulgada pelo Observatório Sírio para os Direitos Humanos, grupo de fiscalização sediado na Grã-Bretanha.
A Coalizão Síria, o principal grupo de oposição ao governo Assad, disse em comunicado que "condena os relatos não confirmados" sobre a morte do adolescente e classificou a ação como um crime contra a humanidade. Os Comitês de Coordenação Local, organização que também faz oposição ao governo, chamaram o assassinato de "hediondo", mas culparam a Coalizão Síria por não assegurar "zonas livres" dentro do país.
As condenações ao assassinato do adolescente servem de medida para demonstrar a extensão da raiva crescente contra o pequeno mas assertivo grupo de extremistas que se juntaram às fileiras rebeldes e cujas crenças extremistas têm perturbado até mesmo os sírios mais religiosos. A influência desse grupo de extremistas se faz sentir nas mesquitas, nas escolas e nos tribunais e comissões destinados a impor uma versão estrita da lei islâmica. A aversão aos radicais atingiu seu pico entre a população nos últimos meses, depois de relatos de execuções sumárias, inclusive de soldados do governo e de homens acusados de crimes.
No mês passado, ativistas que combatiam o governo em Aleppo foram espancados e detidos por guardas armados do comitê da Shariah da cidade após terem tentado erguer a bandeira da revolução síria.
Um deles, Seif Azzam, disse que os radicais islâmicos ameaçaram dois de seus amigos, dizendo que eles eram "infiéis que deveriam ser mortos em nome de Deus". Os dois acabaram sendo libertados.
"O comportamento do comitê da Shariah é totalmente idêntico ao do serviço de inteligência da força aérea", disse Azzam, referindo-se à mais temida agência de inteligência do governo sírio. "Nós estamos nos rebelando contra o regime de Assad e o comitê da Shariah ao mesmo tempo", disse ele.
As identidades e filiações dos três homens que assassinaram Muhammad permanecem um mistério.
A mãe do adolescente disse que achava que dois deles provavelmente eram estrangeiros, mas que o terceiro era sírio. O pai do adolescente, que falou durante uma entrevista de vídeo separada, tinha menos certeza sobre a origem dos homens.
"Eles são afegãos? Eu não sei. Há vários batalhões hoje em dia, como é que podemos saber?"
Kareem Fahim e Hania Mourtada para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Tradutora: Cláudia Gonçalves
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