Em 2010, participei de uma conversa com Fidel Castro, na qual, em resposta a uma pergunta sobre se Cuba ainda estava "exportando" seu "modelo" para a América Latina, ele inadvertidamente provocou uma tempestade na mídia internacional ao responder: "O modelo cubano não funciona mais nem para nós." Era o óbvio para a maioria dos cubanos e uma afirmação de que mudanças reais estavam em curso.
Seguem algumas impressões ainda não digeridas, extraídas de conversas com dezenas de cubanos, do governo e de fora dele, sobre como eles enxergam essas mudanças.
1-) A morte de Hugo Chávez e a incerteza na Venezuela reforçam uma lógica e uma cronologia preexistentes para Cuba aprofundar laços comerciais, diplomáticos e de investimentos com vários parceiros. O Brasil é um exemplo rematado. Somam-se a essa estratégia o restante da América Latina, China, Rússia, Angola, União Europeia e, eventualmente, os próprios EUA.
2-) As remessas de dinheiro e ajuda material de cubanos no exterior exercem papel crescente na microeconomia da ilha e ajudam a lançar pequenas empresas familiares.
Mas os cubanos que buscam prosperar no setor privado ainda aguardam pela ampliação do acesso ao crédito bancário, pela abertura de mercados atacadistas e pela estabilização das taxas de juros. Isso pode soar muito moderado, mas sugere que estão em curso transformações sociais importantes.
3-) O grande passo macroeconômico, a eliminação da moeda dupla, será doloroso e necessário. O Estado não tem condições de subsidiar tudo para todos e já não o faz mais. Mas reduzir os subsídios e desvalorizar a moeda ao mesmo tempo seria mais terapia de choque que a sociedade pode suportar.
4-) A era digital está chegando, enfim. A abertura de cibercafés, neste mês, é a medida principal de uma decisão política de aumentar o acesso à infraestrutura digital. Os cubanos já são loucos pela mídia social --e não me refiro apenas à blogueira Yoani Sánchez, ídolo no Brasil. Fique de olho nesse espaço --é provável que cresça.
5-) Ainda não está claro como a imprensa oficial cubana vai se adaptar. No próximo mês, um congresso de jornalistas vai debater o futuro de seu sindicato. Esperamos que surja mais espaço para os valores de transparência e responsabilidade promovidos pelo governo de Raúl Castro em outras áreas. Mas, para ter uma ideia dos debates reais em Cuba, vá para www.espaciolaical.org ou www.temas.cult.cu.
6-) Por falar em transparência, está em curso uma iniciativa grande para penalizar a corrupção. Empresas estrangeiras estão de sobreaviso: terão que obedecer às regras. Em pouco tempo, a corrupção da qual depende o mercado negro passará a ser examinada legalmente. Os cubanos parecem compreender que o respeito às leis é essencial para uma economia de mercado.
7-) Partidos políticos? Ainda não, mas já não são inconcebíveis.
8-) Também na categoria de algo que já não é inconcebível: uma mulher na Presidência.
Texto de Julia Sweig, publicado na Folha de São Paulo. Tradução de Clara Allain.
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