A Guatemala é um país de culturas milenares. É também uma democracia nova, onde sete em cada dez residentes têm menos de 30 anos: os jovens estão desconcertados com a disfunção da política e com a violência que assolou o país durante décadas. Os fatos que, 30 anos atrás, mergulharam muitas famílias no luto são, em geral, desconhecidos pelas gerações mais jovens.
Mas, em 10 de maio, numa sala tomada por uma multidão tão diversificada quanto a própria Guatemala, a juíza Jazmín Barrios anunciou a sentença que condenou o ex-ditador José Efraín Ríos Montt a 80 anos de prisão por genocídio e crimes de guerra.
O veredicto foi surpreendente em um país onde a elite governante sempre agiu impunemente ao reprimir a população, muitas vezes com violência. Durante o julgamento, um segmento grande e influente da direita atacou o processo, empregando a mesma retórica anticomunista usada durante a campanha de repressão às comunidades indígenas, no início da década de 1980.
Mas o julgamento também ofereceu esperança. Observadores nacionais e internacionais acreditam que o julgamento criou a possibilidade de reconciliação com o doloroso passado da Guatemala e abriu caminho para a construção de uma democracia mais sustentável e legítima. A ideia de que Ríos Montt possa responder por seus atos permite que os guatemaltecos voltem a acreditar no futuro.
Durante as semanas que antecederam esse fato, a política do país estava tumultuada. O debate se deu nas colunas opinativas dos jornais, frequentemente com uma saudável dose da velha ideologia conservadora. Negar os crimes que ocorreram durante 42 anos de regime militar foi uma afronta à catástrofe que muitos guatemaltecos sofreram.
Por essa razão, a condenação e a sentença prisional de Ríos Montt são simbolicamente importantes. Pela primeira vez, foi possível escutar num tribunal os relatos aterrorizantes e dolorosos de vítimas que foram testemunhas oculares da repressão por parte do Estado guatemalteco contra comunidades indígenas e mestiças, uma prática institucionalizada desde 1954. A sentença de Ríos Montt nos permitiu olhar para o espelho e descobrir que aquilo que o governo nos contou durante tantos anos era mentira.
Embora a Corte Constitucional tenha anulado a sentença e o julgamento deva recomeçar em breve, a narrativa desses anos terríveis circulou amplamente, a ponto de impactar um amplo setor da opinião pública. Os anseios democráticos resistiram aos ataques daqueles que se opuseram ao julgamento do ex-ditador. Fatos importantes foram estabelecidos: crimes indescritíveis foram cometidos e uma sociedade aprendeu que isso nunca mais pode acontecer.
Durante as audiências, uma Guatemala multilinguística e multicultural reluziu.
A globalização nem sempre se faz sentir nas cidades da Guatemala e, com frequência, não chega àqueles que vivem em regiões remotas do país. Nos últimos 30 anos, muitos de nós sentimos desespero. No entanto, um grande grupo de pessoas continua lutando por direitos básicos, como Justiça célere, melhores condições de trabalho, mais democracia e crescimento sustentável. Há um forte movimento ambientalista que se opõe à mineração e está tentando proteger a beleza natural do país.
As vítimas contaram sua verdade e reviveram seu inferno. Seu testemunho comoveu até mesmo aqueles que sempre questionaram as reportagens publicadas há décadas pela imprensa. Embora suas vidas tenham sido arruinadas pela tragédia, suas vozes foram finalmente ouvidas. Escreveu o poeta Mark Strand: "Onde o nada, quando acontece, nunca é terrível o suficiente".
Aqui na Guatemala, "nada" de fato aconteceu, e esse "nada" foi terrível demais para todos.
Texto de Gerardo Guinea Diez, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.
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