Indignação e (des)esperança
Muita gente boa não está entendendo coisa alguma do que anda acontecendo no mundo. Alguns continuam achando que ainda estamos no tempo de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan. O problema é que, como dizia uma música, o tempo não para. E as modas passam. O sociólogo espanhol Manuel Castells veio a Porto Alegre falar no ciclo de palestras “Fronteiras do Pensamento”. Já num opúsculo intitulado “Redes de indignação e esperança – movimentos sociais na era da internet”, ele detonou as convicções dos que persistem em criminalizar os movimentos sociais.
Castells sustentou o óbvio que mesmo parte da mídia não quer admitir: a internet está liquidando o monopólio da opinião e da informação. As primaveras árabes não ficarão restritas aos seus pontos de origem. Os indignados espanhóis e os ocupantes de espaços públicos norte-americanos aparecem por toda parte e por diferentes motivos. No Brasil, embora Castells não tenha dito isso, eles vêm se organizando contra o aumento abusivo de passagens de ônibus. Em Porto Alegre, atuaram também contra o corte das árvores da avenida Edvaldo Pereira Paiva. Chamá-los marginais não resolve mais. Só revela a um sintoma de um profunda mal-estar da sociedade. Segundo Castells, “torturar corpos é menos eficaz que moldar mentalidades”. Essa era a tarefa da mídia com seus discursos sobre a responsabilidade e a sensatez. Acabou. Ou disso só restam fantasmas turbulentos.
As redes sociais servem de contrapoder. Castells destaca a “autocomunicação de massa”, o uso horizontal da rede para “a construção da autonomia do ator social”. E explica: “É por isso que os governos têm medo da internet, e é por isso que as grandes empresas têm com ela uma relação de amor e ódio, e tentam obter lucros com ela, ao mesmo tempo que limitam seu potencial de liberdade”. A rede é emancipadora. Ela permitiu, por exemplos, aos indignados e aos desesperados, “os 99% sacrificados em benefício do 1% que controla 23% da riqueza” dos Estados Unidos, passarem a sua mensagem.
Castells torpedeia: “De onde vêm os movimentos sociais?” As respostas podem sair da boca de uma criança, mas dificilmente dos lábios de um colunista da Veja ou do Estado de S. Paulo, salvo se for um prêmio Nobel como Paul Krugman: “Da exploração econômica, pobreza desesperançada, desigualdade injusta, comunidade política antidemocrática, Estados repressivos, judiciário injusto, racismo, xenofobia, negação cultural, censura, brutalidade policial, incitação à guerra, fanatismo religioso (frequentemente contra crenças religiosas alheias), descuido com o planeta azul (nosso único lar), desrespeito à liberdade pessoal, violação da privacidade, gerontocracia, intolerância, sexismo, homofobia e outras atrocidades da extensa galeria de quadros que retratam os monstros que somos nós”. Parte da mídia zomba disso tudo.
Os fatos acontecem, a mídia os aborda e parte dela não os compreende. Noticia-se o futuro de olho no passado. Nichos conservadores regalam-se com a defesa dos seus privilégios e preconceitos. Enquanto isso na internet os jovens indignados ocupam a primeira página e exigem mudanças.
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