Mostra exibe olhar cru sobre a juventude
Filmes e fotos de Larry Clark, diretor de "Kids" e da polêmica série "Tulsa", chegam ao MIS proibidos para menores
Fotografias de jovens viciados resumem obra do artista que retratou a beleza física e os desvios da adolescência
Nas imagens de "Tulsa", um rapaz acorda e injeta na veia uma dose de heroína. Mais tarde, uma garota grávida, de cabelos platinados, também se droga numa roda de amigos. Esse filme mudo, que depois virou série fotográfica, fez muito barulho.
Larry Clark acabava de voltar do combate no Vietnã quando filmou, em 1971, esse retrato nada edulcorado dos jovens de sua cidade natal no Oklahoma, rincão conservador dos Estados Unidos.
No lugar de um paraíso suburbano, encontrou viciados sem rumo, violentos até não poder mais. Seu retrato de um jovem com um revólver em frente à bandeira americana virou símbolo de uma juventude transviada que a classe média do país queria ignorar.
Mas não podia. Suas fotografias, e seus filmes --como "Kids", de 1995, e "Ken Park", de 2002--, são obras de arte magnéticas, que envolvem tudo que é abjeto e aflitivo numa aura plástica sensual. Daí ele ser chamado de "pedófilo" por uma ala da crítica e de "gênio visionário" por outra.
Esse debate chega agora a São Paulo com a primeira individual de Clark no país, aberta amanhã no Museu da Imagem e do Som. Três anos atrás, uma mostra com imagens de "Tulsa", a série que vem agora ao MIS, foi censurada para menores em Paris --a primeira vez que uma exposição do artista americano sofreu esse tipo de restrição.
Na época, em entrevista à Folha, Clark chamou de "atitude covarde" a decisão do governo francês. "É um ataque contra a juventude", disse. "É como deixar adolescentes verem pornografia na internet e não deixar que vejam arte sobre eles num museu."
No MIS, as imagens de Clark estarão numa sala também proibida para menores. Isso porque, para alguns, sua obra pode ser enquadrada como pornografia, embora chancelada pelo establishment global das artes visuais.
Quando "Kids", que terá sessão no MIS junto a todos os seus longas e alguns curtas, foi exibido pela primeira vez no festival Sundance, muitos deixaram o cinema atônitos com a trama sobre garotos que só transavam com virgens para não se contaminar pelo vírus da Aids.
Esse realismo cru, com cenas de sexo filmadas sem cortes ou qualquer pudor, acabou legando a obra de Clark a um gueto de iniciados, fora do alcance de seu maior público alvo --os adolescentes.
"Quando comecei a fotografar as coisas ao meu redor, me perguntei por que não podia contar as histórias de forma verdadeira", disse Clark numa entrevista ao "New York Times". "Por que um artista deve segurar os socos?".
Mas também cabe perguntar o motivo por trás dessa obsessão pela juventude. Clark, hoje com 70 anos, conta que construiu todo o seu trabalho sobre a adolescência porque não viveu esse momento.
"Fui o último cara em Oklahoma a atingir a puberdade. Quando fiz 13 anos, meu pai parou de falar comigo", lembra. "Usei anfetaminas todos os dias, dos 16 aos 18."
"Tulsa' foi a recuperação desse momento perdido", diz Nessia Leonzini, curadora da mostra no MIS. "Até hoje ele tem essa nostalgia, uma obsessão total pela adolescência e pela beleza física dela."
E por seus desvios. Em "Ken Park", Clark mostra o suicídio de um garoto angustiado por engravidar a namorada. Sua turma também era mais do que disfuncional, com um jovem que mata os avós a facadas e outro que é abusado por seu padrasto.
Tudo, aliás, parece lastreado pelo sexo, mesmo em circunstâncias tabu, como a fotografia que fez de um menino com uma ereção apontando um revólver para a irmã nua e amarrada na cama.
CENSURA PRÉVIA
Nesse ponto, Clark serviu de inspiração para artistas como a também americana Nan Goldin, que retratou sem filtros o submundo das drogas e da prostituição. Ela também teve mostra sua censurada no Rio há dois anos --cancelada no Oi Futuro, a exposição teve de migrar para o Museu de Arte Moderna.
Causou comoção o fato de a artista retratar menores nus ou em situações eróticas --o mesmo que já estava havia anos na obra de Larry Clark.
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