quarta-feira, 19 de junho de 2013

Europa precisa se proteger dos EUA, um bisbilhoteiro colossal


Barack Obama é um amigo? Revelações sobre o vasto programa de espionagem de seu governo colocam essa crença em dúvida. A União Europeia deve proteger o continente das pretensões onipotentes dos Estados Unidos.
Na terça-feira, Barack Obama visita a Alemanha. Mas quem, realmente, estará visitando o país? Ele é o 44º presidente dos Estados Unidos. Ele é o primeiro negro a ocupar o cargo. É um advogado inteligente. E contemplado com o Prêmio Nobel da Paz.
Mas ele é um amigo? As revelações trazidas pelo especialista em TI Edward Snowden transformaram em certeza o que os geeks de computadores paranóicos e teóricos da conspiração de esquerda há muito alegam: que estamos sendo vigiados. O tempo todo e em toda parte. E são os norte-americanos que estão observando.
Na terça-feira, o chefe do maior e mais abrangente sistema de vigilância já inventado está vindo para uma visita. Se Barack Obama é nosso amigo, então realmente não precisamos nos preocupar terrivelmente com nossos inimigos.
É constrangedor: Barack Obama chegará a Berlim pela segunda vez, mas a visita se aproxima ao mesmo tempo que nós ficamos sabendo que o presidente dos EUA é um bisbilhoteiro em escala colossal. A chanceler alemã, Angela Merkel, disse que vai falar com o presidente sobre o programa de vigilância administrado pela Agência de Segurança Nacional, e o Ministério de Interior de Berlim enviou uma série de 16 perguntas para a Embaixada dos EUA. Mas Obama não precisa ter medo. O ministro de Interior alemão, Hans Peter Friedrich, para garantir, disse: "Não é assim que se trata os amigos". Mas ele não estava se referindo ao fato de que nossos amigos do outro lado do Atlântico estão nos espionando. Em vez disso, ele se referiu às críticas contra a espionagem.
A reação de Friedrich é paradoxal apenas na superfície e pode ser explicada observando as realidades geopolíticas. Os EUA são, no momento, a única potência global --e, como tal, são o único estado verdadeiramente soberano que existe. Todos os outros são dependentes --como inimigos ou aliados. E como a maioria prefere ser aliada, os políticos, inclusive da Alemanha, preferem sorrir e aguentar.

"É legal"

Os cidadãos alemães deveriam poder esperar que o seu governo os protegesse da espionagem por parte de governos estrangeiros. Mas o ministro de Interior, em vez disso, disse: "Somos gratos pela excelente cooperação com os serviços secretos norte-americanos." Friedrich nem sequer tentou encobrir sua própria incompetência na questão da vigilância. "Tudo o que sabemos sobre isso, foi pelos meios de comunicação", disse ele.
O chefe da agência de inteligência interna do país, Hans-Georg Maassen, não foi mais esclarecido. "Eu não sei nada sobre isso", disse ele. E a ministra da Justiça, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, também estava aparentemente na ignorância. "Estes relatórios são extremamente inquietantes", disse ela.
Com todo o respeito: são essas as pessoas que deveriam proteger nossos direitos? Se não fosse tão assustador, seria um absurdo.
A citação de Friedrich no fim de semana foi particularmente incomum: "eu não tenho nenhuma razão para duvidar que os EUA respeitam os direitos e a lei". No entanto, de certa forma, ele está certo.
O problema não é a violação de certas leis. Pelo contrário, nos EUA, as próprias leis são o problema. A NSA (sigla em inglês para Agência de Segurança Nacional), na verdade, nem sequer passou dos limites de autoridade quando sugou 97 bilhões de conjuntos de dados num único período de 30 dias em março passado. Em vez disso, ela estava agindo sob as ordens de todo o governo dos EUA, incluindo os poderes executivo, legislativo e judiciário, de democratas, republicanos, da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal. Todos eles são a favor. A senadora democrata Dianne Feinstein, presidente do Comitê de Inteligência do Senado, apenas deu de ombros e disse: "É legal."

Um ser humano monitorado não é livre

Qual, exatamente, é o objetivo da Agência de Segurança Nacional? A segurança, como o nome pode sugerir? Não importa em que sistema ou com que propósito: um ser humano monitorado não é um ser humano livre. E todo Estado que viola sistematicamente os direitos humanos, mesmo que supostamente a serviço da segurança, está agindo de forma criminosa.
Aqueles que acreditavam que os ataques teleguiados no Paquistão ou a prisão de Guantánamo eram simplesmente acontecimentos lamentáveis no fim do mundo, deveriam parar para refletir. Aqueles que ainda acreditavam que a tortura em Abu Ghraib ou nas prisões da CIA não tinha nada a ver com eles, agora estão mudando seus pontos de vista. Aqueles que achavam que nós estamos do lado bom e que os outros é que estão pisoteando sobre os direitos humanos estão agora abrindo os olhos. O regime que governa os Estados Unidos hoje age de formas totalitárias quando se trata de sua pretensão de controle total. Um totalitarismo suave continua sendo totalitarismo.
Estamos atualmente no meio de uma crise europeia. Mas esse inesperado surto de imperialismo norte-americano serve como um lembrete da necessidade da Europa. Será que alguém realmente acredita que Obama vai garantir à chanceler e a seu ministro de Interior que as autoridades norte-americanas vão respeitar os direitos dos cidadãos alemães no futuro? Só a Europa pode quebrar a fantasia de onipotência norte-americana.
Uma opção seria a Europa construir seu próprio sistema de redes para evitar a vigilância norte-americana. O jornalista Frank Schirrmacher, do respeitado jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, recomendou isso no fim de semana. "Seriam necessários subsídios e uma visão tão ambiciosa quanto a de pousar na Lua", ele argumenta.
A abordagem mais simples seria apenas forçar as empresas norte-americanas a respeitar as leis europeias. A Comissão Europeia tem a capacidade de fazer isso. O projeto para uma nova lei de privacidade de dados já foi apresentado. Ele só precisa ser implementado. Quando isso acontecer, os serviços secretos norte-americanos ainda poderão passar por cima de toda a lei europeia, mas se gigantes da internet nos EUA como Google, Apple, Microsoft e Facebook quiserem continuar ganhando dinheiro de meio bilhão de europeus, então terão que cumprir nossas leis.
Sob a nova lei, as empresas que forem pegas transmitindo dados de formas não autorizadas serão obrigadas a pagar multas. Você pode ter certeza que essas empresas, por sua vez, farão pressão sobre seu próprio governo. A proposta prevê o estabelecimento da multa em 2% do rendimento mundial da companhia.
É bastante dinheiro --e também uma língua que os Estados Unidos entendem.
Texto de Jakob Augstein, na Der Spiegel, reproduzido no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

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