sexta-feira, 28 de junho de 2013

Livro atribui 'revoltas de junho' a vácuo da oposição


Livro atribui 'revoltas de junho' a vácuo da oposição
Lançada apenas em e-book, obra escrita em dez dias pelo filósofo Marcos Nobre, da Unicamp, analisa protestos sob a ótica da crise na representação partidária

Segundo os cálculos do professor de filosofia Marcos Nobre, 48, nos últimos dez dias ele dormiu um total de 40 horas. No resto do tempo, ele escreveu um livro.
"Choque de Democracia" é a primeira obra publicada sobre o que ele chama de "as revoltas de junho", os movimentos de rua que se espalharam pelo país.
O trabalho inaugura um novo gênero editorial no país. Aquilo que os americanos chamam de "instant books", livros feitos em tempo recorde para tratar de um fato de grande destaque na sociedade, já existia, mas o trabalho de Nobre abre a série dos "instant e-books".
A obra sairá só em formato eletrônico, à venda nas principais livrarias virtuais, como Amazon, Kobo e Apple Store, a partir de hoje.
Ela abre o selo de "instant e-books" (obras sobre temas "do momento", lançados só em versão eletrônica) da editora Companhia das Letras, o Breve Companhia.
"Choque de Democracia" é, como ilustra seu subtítulo, "Razões da Revolta", um ensaio que analisa como a história política recente do país levou, ou ajudou a levar, aos protestos recentes.
Um dos termos centrais do texto, que tem extensão de 35 páginas, é "peemedebismo", conceito cunhado por Nobre há alguns anos.
Embora a palavra, que se refere ao arranjo institucional para a manutenção do poder, tenha sido batizada em homenagem ao PMDB, pioneiro dessa cultura política, ela é aplicável a qualquer agremiação partidária.
É esse, por sinal, um dos grandes problemas do país na visão do autor.

ATÔNITO

Nobre, professor da Unicamp e pesquisador do centro de estudos Cebrap, defende que é contra o "peemedebismo" que se articularam as manifestações de rua.
Não à toa, o sistema político ficou, nas palavras dele, "atônito" com os protestos. "Não entendeu nem podia entender o que acontecia. Ao longo de 20 anos, esse sistema cuidou tão bem de se blindar contra a força das ruas que não podia entender como as ruas o tinham invadido com tanta sem cerimônia", escreve.
Os "20 anos" se referem às decorrências de outra onda de manifestações populares, a dos caras-pintadas, em 1992. "As ações do Fora Collor' e a ideia de que seria possível tirar um presidente levaram o sistema político ao pânico", diz Nobre à Folha.
"Inventou-se nesse momento a ideia de que o presidente só se mantém no poder se houver supermaioria parlamentar."
Para ele, esse processo (elemento central da "peemedebização") atravessou as duas últimas décadas no país, com um breve intervalo no início do governo Lula.
"O PT hesitou em embarcar nisso, mas, depois do mensalão, Lula chamou todo o PMDB ao governo. Um marco disso foi a defesa que ele fez de Sarney em 2009."
Nobre crê que foi nesse ponto que o sistema político começou a "girar em falso".
Se no governo de Fernando Henrique Cardoso havia, ele argumenta, uma oposição estruturada, a conduzida pelo PT, daí por diante ela se extinguiu. "A oposição terminou em 2009", afirma. "Aí o peemedebismo' toma o sistema todo. A oposição migra para a situação."
Essa ausência estaria no coração das "revoltas de junho". "Quando há uma oposição organizada, o governo é forçado a ter unidade, porque, quando os opositores começam a fazer críticas, as diferenças internas da situação têm de se acertar. Não há mais isso no Brasil."

DESCOMPASSO

O professor de filosofia diz que esse processo coincide com o do crescimento da internet no país, da popularização das redes sociais e o amadurecimento da sociedade.
"O sistema político está em descompasso com o grau que a democracia já atingiu na sociedade brasileira." É a este choque que o autor se refere no título (alusão irônica a outros "choques").
"Que a faísca das revoltas de junho' esteja associada ao transporte público, exemplar em ineficiência, má qualidade e preço exorbitante", não é o fator fundamental.
"Junho de 2013 carrega uma multidão de reivindicações, frustrações e aspirações", diz Nobre, que afirma ter ido a diversas passeatas.
Ele sustenta no livro que é marcante que uma parte expressiva dos manifestantes tenha crescido sem formação política. "Quem nasceu da década de 1990 em diante, por exemplo, não assistiu a qualquer polarização política real", escreve.
As "revoltas de junho" representariam, para ele, um "aprendizado democrático fundamental" de como se manifestar. "Espero que delas surja uma frente antipeemedebismo'", manifesta-se.

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