terça-feira, 28 de junho de 2011

José Simão vê Aécio cair do cavalo

E buemba mineira! O cavalo caiu do Aécio. Ops, o Aécio caiu do cavalo. Mas não se preocupem: o cavalo passa bem! Rarará! O Aécio perdeu a carteira de motorista e caiu do cavalo. Agora não pode nem dirigir nem andar a cavalo. Só falta perder o passaporte! Rarará! E o cavalo era do PT?
Mas o Sensacionalista afirma que o cavalo se chamava Serra. E que o Aécio adorou montar no Serra! Rarará! E o cavalo se recusou a fazer o teste do bafômetro? O relinchômetro! E os cariocas perguntam: que diabos o Aécio tava fazendo em Minas numa sexta-feira? Rarará!


Trecho da coluna de José Simão, o Macaco Simão, na Folha de São Paulo, de 21/06/2011.

Estados Unidos desenvolvimentistas?

EUA desenvolvimentistas?


O Valor publicou nesta semana uma notícia reveladora. Em sua edição do dia 13 informou que "Obama pretende criar um banco semelhante ao BNDES". Não pude deixar de achar graça.
Estariam os Estados Unidos se voltando para o famigerado desenvolvimentismo, depois de haverem brandido por muitos anos a bandeira do neoliberalismo e terem pregado a privatização, a liberalização e a desregulamentação geral, em nome de uma racionalidade supostamente superior que modelos econômicos matemáticos justificariam? O correspondente do jornal em Washington, Alex Ribeiro, informa que "o governo Barack Obama aposta as suas fichas na criação de uma espécie de BNDES americano para financiar projetos de transporte, energia e saneamento". Esta é uma boa notícia. O grande país está afinal se dando conta do preço alto que está pagando por ter adotado o credo neoliberal.
Enquanto os Estados Unidos investem apenas 2% de seu PIB em infraestrutura, a China investe 8%. Enquanto o PIB dos Estados cresceu, nos últimos 30 anos, 1,7 vezes, o da China cresceu 17,7 vezes! Eu não diria que essa diferença enorme de desenvolvimento se deveu exclusivamente à política econômica neoliberal americana. Os Estados Unidos estão em um estágio mais avançado de desenvolvimento, e é natural que sua taxa de crescimento seja menor.
Mas a diferença é muito grande, e só pode ser explicada por políticas e por reformas econômicas que equivocadamente opuseram o Estado ao mercado, enquanto na China as duas instituições eram combinadas.
Os neoliberais não compreenderam que não vivemos mais no capitalismo "dos capitalistas" do século 19, em que o mercado era pobremente regulado pelo Estado e as taxas de crescimento eram muito baixas.
Vivemos no capitalismo "dos profissionais" ou na sociedade do conhecimento. Vivemos em um tempo em que a revolução da tecnologia da informação aumentou a capacidade de planejamento e controle dos sistemas econômicos e viabilizou taxas de crescimento muito maiores para os países que se aproveitam desses novos recursos. Mas para isso é preciso associar capitalistas e profissionais, mercado e Estado, concorrência e planejamento.
E construir uma estratégia nacional de desenvolvimento da qual os trabalhadores sejam parte.
Essa não é uma combinação fácil, mas o fordismo ""a coalizão política que caracterizou os Estados Unidos entre o início do século 20 e os anos 1970"" aproximou-se desse modelo, especialmente durante o New Deal. O Brasil, entre 1930 e 1980, também cresceu de forma extraordinária porque soube associar Estado e mercado.
Mas nos anos 1970 cometeu o erro de aceitar indiscriminadamente os capitais externos, se endividou, se enfraqueceu, e, afinal, se rendeu ao neoliberalismo. Nos últimos anos, porém, os brasileiros perceberam seu erro, e tentam sair da armadilha. Os Estados Unidos demoraram mais para perceber que um Estado fraco não gera um mercado forte. Foi preciso a crise financeira brutal de 2008 para que começassem a acordar.
A regulamentação dos mercados financeiros pela Lei Dodd-Frank fortaleceu Estado e mercado. Agora, a possível criação de um BNDES americano aponta na mesma direção. Mostra que cabe ao Estado planejar os grandes investimentos e contribuir para seu financiamento.
E assinala que um Estado capaz e desenvolvimentista é essencial para que o mercado seja vivo e competitivo.


Texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira, na Folha de São Paulo, de 19 de junho de 2011.
Clubes esportivos buscam atrair jovens muçulmanas

Lukas Eberle
Sebastian Eder
Cathrin Gilbert

Apesar de muitos atletas de ponta alemães virem de famílias de imigrantes, muito poucas muçulmanas na Alemanha praticam esportes. Muitos pais veem a cultura de esportes ocidental como uma ameaça e mantêm suas meninas longe dos clubes esportivos. Algumas iniciativas, contudo, mostram como as jovens muçulmanas podem ser estimuladas a participar dos esportes –e como isso pode mudar suas vidas.
Ela teve que reunir toda sua coragem para posar para uma fotografia com uma bola de basquete debaixo do braço, uma atleta usando lenço na cabeça, em um lugar no qual tinha sido proibida de entrar: um ginásio.
Sara K. tenta sorrir. Ela não sabe como seu pai vai reagir à foto. Ela diz que ele levanta a mão com facilidade. Sara, 20, nasceu em Berlim. O pai dela é da Argélia e a mãe é alemã que se converteu ao islamismo. Os pais não querem que a filha pratique esportes e dizem que não é apropriado para uma garota muçulmana.

Apesar do desejo dos pais, Sara vem jogando basquete e futebol secretamente há anos. Ela diz que tem uma sensação de “leveza e independência” quando joga. Mas agora ela não quer mais se esconder o fato que está participando de praticando esportes –uma atividade totalmente normal para outras mulheres da idade dela. Ela quer que os pais aceitem a paixão da filha, e por isso está posando para a foto em um ginásio em Kreuzberg, bairro em Berlim que abriga muitos imigrantes e alemães de ascendência estrangeira.

“Quero ser livre”, diz Sara.

Imagem positiva

O esporte geralmente tem uma imagem positiva na Alemanha, onde é visto como forma de promover a saúde e construir o caráter. Os clubes são considerados pilares da sociedade porque, idealmente, são locais onde valores como o espírito comunitário e o jogo justo são transmitidos.

Então, por que alguns pais proíbem as filhas de jogar?

Muitas garotas muçulmanas criadas na Alemanha aprendem que os esportes não são apropriados para as mulheres. Cerca de 68% dos meninos turcos de 15 anos estão envolvidos em esportes organizados. Mais de 30% dos jogadores da seleção de atletas com menos de 17 anos da Associação de Futebol Alemã têm raízes turcas. Os muçulmanos lutam boxe e artes marciais. As muçulmanas, por outro lado, muitas vezes ouvem que se exercitar é perda de tempo. Particularmente os pais mais pobres, que têm menor escolaridade, consideram os clubes lugares de liberdade sem vergonha –locais onde suas filhas não devem estar.

As muçulmanas são as filhas perdidas dos esportes. Elas também sâo um bom exemplo de como a integração pode ser difícil quando as pessoas pertencem a grupos diferentes com visões de mundo muito divergentes.

De acordo com um estudo de 2009 da Universidade Técnica de Dortmund, somente 20% das meninas turcas de 15 anos na Alemanha participam de um clube, enquanto 42% das garotas alemães da mesma faixa etária participam. Para a ciência social, as turcas fazem parte do grupo “distante” do esporte.

As meninas adoram se mexer”

Ironicamente, as filhas das famílias imigrantes crescem em torno dos esportes. Os 1.200 alunos da escola de ensino médio Carl-von-Ossietzky em Kreuzberg vêm do mundo todo. A educação física é obrigatória para todos os alunos, inclusive as muçulmanas.

“As meninas adoram se mexer”, diz a professora de educação física Gabriele Kremkow. Os pais toleram as aulas porque não querem ameaçar a educação das filhas, mas insistem que “certas condições básicas” devem ser cumpridas.
“Sabemos que, por razões religiosas, muitas muçulmanas têm problemas de praticar esportes na frente dos meninos”, diz Kremkow. Por esta razão, as meninas e meninos têm aulas de educação física separadas do 7º ao 10º ano. As classes só são mistas nas séries mais altas porque, como diz Kremkow, alunos dessa idade podem “refletir sobre as coisas”.

Sara K. graduou-se da Carl-von-Ossietzky há um ano. Além da educação física, ela também fez aulas especiais de basquete e representou a escola nas competições de corrida. Ela dizia aos pais que estava fazendo aulas particulares de matemática.

Quando os pais faziam perguntas, os professores a acobertavam. Kremkow, que faz parte da administração da escola há vários anos, apoia essa abordagem. “Queremos dar às meninas uma oportunidade de curtir a vida”.

Os professores certa vez sugeriram à mãe de Sara que permitisse que a filha entrasse para um clube esportivo. “O senhor já viu uma atleta com lenço na cabeça?”, perguntou a mãe. Para ela, o caso estava encerrado.

Falta de cultura esportiva

No islã, o corpo é considerado um presente de Deus, para ser preservado e fortalecido. Ainda assim, em muitos países do mundo islâmico, os esportes não têm o mesmo significado social que nos países ocidentais. Muitas vezes não há uma cultura de esportes em massa. Na Turquia, o país de maioria muçulmana de maior sucesso nas Olimpíadas, apenas 2% das pessoas são membros dos clubes esportivos –comparados com 34% na Alemanha.

Muitas famílias de imigrantes veem a cultura de clube esportivo na Alemanha como algo muito estranho. Para os pais em particular, os clubes não são uma oportunidade, e sim uma ameaça às filhas.

Umet E. é um senhor baixo e meio careca, que trabalha como zelador em Berlim. Ele mora na Alemanha há muito tempo, fala alemão com a mulher e a filha, e eles assistem à televisão alemã. A filha, que tem 12 anos, aprendeu a nadar na escola. Recentemente, perguntou aos pais se poderia entrar para a equipe de natação.

Umet diz que é importante para uma criança saber nadar bem. Mas ele nunca toleraria que sua filha fizesse parte da equipe. Um estranho poderia abordá-la, diz ele. É algo que o preocupa. Mas ele também teme as reações de amigos e parentes. “Eles iam considerar uma vergonha se nossa filha estivesse por aí de maiô de banho na frente dos alemães”. A família seria desonrada, e ele, o pai, ia perder o respeito. Sua vida na comunidade estaria terminada, diz Umet.

Por anos, os políticos trataram o esporte como um intermediário ideal entre as culturas. As seleções alemãs incluem atletas profissionais com raízes na Turquia, Polônia e Tunísia. Entre os atletas alemães que foram às Olimpíadas de Pequim em 2008, havia 39 de ascendência estrangeira. “Os clubes são nossas escolas de democracia, nas quais os imigrantes podem aprender nossa língua, cultura e comportamento”, diz Maria Böhmer, comissária de integração do governo alemão.

No ano passado, a Chanceler Angela Merkel posou para uma foto com o jogador Mesut Özil no vestiário, após um jogo internacional em Berlim. O meio de campo, cujos avós imigraram para a Alemanha da Turquia, é considerado o principal exemplo de integração de sucesso.

Eu me considero uma muçulmana moderna”

A chanceler em breve poderá posar para outra foto simbólica. A Copa do Mundo Feminina da Fifa começa na Alemanha no final de junho. Uma das jogadoras da seleção alemã é Fatmire Bajramaj, muçulmana de 23 anos cuja família veio para a Alemanha após Kosovo.

Depois de sua sessão de treinamento matinal, Bajramaj está sentada em um café em Potsdam, no subúrbio de Berlim. Seu cabelo e maquiagem estão perfeitos, e ela usa salto alto. Ela diz que seu pai não queria que ela jogasse futebol. “As roupas sujas, as viagens para os jogos, os meninos nas arquibancadas –não era apropriado para os olhos dele.”

Bajramaj treinou em segredo no clube local, o DJK/VfL Giesenkirchen, e depois forjou a assinatura do pai para obter sua primeira identidade de jogadora. “Tem que ser assim com pais muçulmanos”, disse ela. Ainda assim, ela teve a coragem de se rebelar, lembra-se. “Eu disse: 'Espera aí. Agora vou fazer uma coisa diferente. Vou jogar futebol'. Era um passo extremo. Mas quando ele descobriu o que eu vinha fazendo pelas costas, meu pai ficou surpreso em ver como eu era boa.”

Bajramaj foi recrutada pela seleção com apenas 17 anos. Meio de campo do time FFC Frankfurt, ela é uma das poucas atletas profissionais no futebol feminino. Ela diz que a religião e a fé nunca foram um obstáculo. “Eu me considero uma muçulmana moderna.”, diz Bajramaj. “Rezo com regularidade e jejuo, mas eu também gosto de me divertir de vez em quando ou beber uma taça de champanhe”.

Bajramaj foi nomeada embaixadora da integração da Associação de Futebol Alemã há dois meses. Ela faz palestras nas escolas sobre a força dos esportes na construção do caráter. A comissária da integração Maria Böhmer, membro da União Democrática Cristã (CDU), partido de centro-direita de Merkel, também diz que é “uma questão de direitos iguais”.

Proibição de jujubas

Sob o programa do governo “Integração por meio dos esportes”, estabelecido em 1989, o Ministério do Interior dedica 5,4 milhões de euros (em torno de R$ 12 milhões) por ano para a Confederação Alemã de Esportes Olímpicos que então distribui o dinheiro para esportes específicos que se focam na integração. O dinheiro patrocina vários programas dos clubes, tais como o desenvolvimento de pontos especiais de contato para imigrantes, viagens e treinamento especial para técnicos.

O Fórum de Diálogo Esportivo, uma força tarefa que tem como meta desenvolver estratégias para tornar os clubes esportivos mais atraentes para os imigrantes, vem se reunindo regularmente no Ministério do Interior em Berlim desde 2008. O grupo, que inclui políticos, acadêmicos e membros da associação esportiva, é uma das 11 forças tarefas organizadas sob o Plano de Integração Nacional, ou NIP. Há dois anos, o grupo de Berlim publicou um folheto chamado “Liberalização Intercultural nos Esportes”, que inclui, por exemplo, a sugestão que os clubes não incluam porco no cardápio dos eventos. Ele também adverte contra bebidas alcoólicas e produtos contendo gelatina, como jujubas, nas lanchonetes dos clubes. As sugestões são apresentadas sob o título “lanches culturalmente adequados”.

É difícil dizer se tais medidas alcançam as muçulmanas.

Segregação rígida

O clube alemão clássico, com chuveiros grupais e atividades mistas, não é um lugar fácil para as muçulmanas. Para elas, o islã é uma estrutura dentro da qual ocorre toda sua vida, de forma que regulamentos de roupas e outras segregações se aplicam nos esportes também.

Os dois mundos frequentemente colidem nas piscinas, onde as alemãs usam biquínis e as muçulmanas usam os chamados “burquinis”. Mas muitas não têm como pagar as roupas caras de cabeça aos pés, que custam cerca de 100 euros. Como resultado, ocorrem pequenas catástrofes.

Há dois anos, banhistas muçulmanas geraram alvoroço na cidade de Wolfsburg quando apareceram para uma aula de natação em uma piscina pública com calça legging e camiseta. A supervisora pediu que deixassem a piscina. Uma das meninas, que alegou ter sido forçada a tirar a camisa enquanto ainda estava na água, começou a chorar.

Dieter Kuhfeld, responsável pelas piscinas públicas e instalações atléticas da prefeitura de Wolfsburg, chama o incidente de lamentável. “Mas você devia vir a uma das nossas piscinas abertas no verão e ver quanta roupa as muçulmanas usam”, diz ele. A prefeitura desde então colocou avisos proibindo calças e camisetas nas piscinas públicas.

O resultado mais provável é que menos muçulmanas vão nadar nas piscinas públicas no futuro.

Locais de conflito

As piscinas, ginásios e academias são fontes potenciais de conflito em uma sociedade multicultural –e locais onde as muçulmanas muitas vezes se sentem marginalizadas. “A maior parte dos alemães acha que é completamente normal uma mulher trabalhar como faxineira usando lenço no cabelo. Mas nos esportes, eles olham para você como se fosse um alienígena”, diz Emine Aydemir, personal trainer em Cologne. Ela trabalhou em várias academias durante anos. Com ascendência turca, ela usa lenço na cabeça enquanto faz exercícios. Há quatro anos, cansada de aguentar os olhares e comentários inadequados, ela abriu a primeira academia na Alemanha para muçulmanas. A Hayat gym, no bairro de Ehrenfeld em Cologne, tem chuveiros individuais, cabines para trocar de roupa separadas e uma pequena sala de preces. Homens não entram.

Clubes pequenos que atendem às necessidades das muçulmanas estão surgindo em toda a Alemanha. Mas será que isso é integração, quando as mulheres se segregam?

Vender a integração

Dieter Schwulera acreditou por muito tempo na eficácia dos modelos de integração. Ele foi especialista em integração do Ministério do Interior no Estado da Baixa Saxônia por 15 anos. Hoje, aposentado, ele diz: “Há uma grande diferença entre a vida real e as coisas que os políticos lançam em planos e estratégias”.

Schwulera é presidente do clube esportivo Borussia Hannover. As instalações do clube ficam em Vahrenheide, um bairro onde metade dos moradores são imigrantes ou de famílias estrangeiras. Cerca de 80% dos jogadores das divisões de júnior do clube são de famílias imigrantes.

A integração não pode ser mandada, acredita Schwulera. “Acontece automaticamente e incidentalmente –se tivermos sorte”, diz ele. Todo ano, o presidente da Borussia visita escolas de ensino fundamental na região para promover o clube entre os pais muçulmanos. “Muitos imigrantes simplesmente não conheciam o conceito de esportes de massa em seus países de origem”, diz Schwulera.

Para lidar com essa deficiência, ele explica por que são necessários formulários, taxas e carteiras de identidade. Ele também mostra aos pais que o Borussia é um clube que atende as necessidades das muçulmanas. Há cabines para trocar de roupa que podem ser trancadas e chuveiros individuais que só são acessíveis de um lado do prédio. “Isso tira parte dos temores dos pais”, diz Schwulera.
Atualmente, há cerca de 50 muçulmanas jogando nas equipes do Borussia Hannover.

Especialistas discordam em torno do tema se o esporte promove a integração. O sociólogo Michael Mutz, da Universidade Livre de Berlim, estudou a questão dos imigrantes nos esportes pelos últimos quatro anos. Ele diz que ser membro de um clube não melhora “a disposição de estudar arduamente na escola”, nem há evidências de que leva ao declínio da “propensão à violência”. De acordo com Mutz, “as esperanças dos políticos e dos clubes são exageradas e pouco realistas neste respeito”.

Cruzando uma fronteira

Heather Cameron discorda. Nascida no Canadá, ela é professora de educação de integração. Ela mora no bairro de Neukölln há 14 anos e foi lutadora de boxe da cidade de Berlim. Ela fundou um clube de boxe para mulheres, o Boxgirls, há seis anos.

Cameron chama o ginásio do clube, que é do tamanho de uma sala de estar, de “laboratório”, que tem um poster do Rocky Balboa pendurado na parede e 10 sacos de pancadas pendurados em correntes de ferro presos ao teto. Algumas das meninas e mulheres que treinam na academia de Cameron usam lenços na cabeça. E algumas das mulheres aprenderam seus primeiros fragmentos de alemão na academia, mesmo após terem morado na Alemanha por anos. “Quando uma muçulmana está no ringue, ela está cruzando uma fronteira. É algo que pode ser transferido para sua vida fora da academia”, diz Cameron.

O boxe é o tipo de esporte que os muçulmanos toleram mais para suas filhas –por razões práticas. “É diferente de outros esportes porque os pais não veem o boxe como jogo ou entretenimento. Para eles, o boxe dá às filhas uma chance de defenderem sua honra. Isso é importante para os pais. É por isso que permitem que suas filhas treinem”, diz Cameron.

Algumas vezes, quando os pais estão preocupados demais, Cameron faz uma visita à família. Ela explica que os homens só podem entrar no ginásio se for combinado antes e que há vestiários separados e que ninguém passa vergonha em sua academia.

Mundo de mente estreita

Teria sido bom se Sara K., a atleta clandestina de Neuköln, tivesse um ambiente como este do Boxgirls. Em vez disso, estava só –só com a contradição absurda de viver em um mundo no qual os esportes são considerados totalmente normais, mas não para ela.

Sara eventualmente se rebelou contra o mundo de mente estreita dos pais, um mundo cheio de dificuldades que a vida guarda para uma jovem muçulmana em Neukölln. Desde então, contudo, esse mundo voltou a dominá-la.

Ela queria estudar arte, mas seus pais tinham outros planos. Eles recentemente a levaram para a Argélia, onde se casou com um primo de segundo grau em um casamento arranjado. Ele virá à Berlim em breve. Enquanto isso, Sara trabalha em um call center durante o dia e como arrumadeira em um hotel à noite.

Talvez os esportes sejam ao menos uma diversão para ela no futuro.

Traduzido do alemão por Christopher Sultan e do inglês por Deborah Weinberg



domingo, 26 de junho de 2011

Morre o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza

Morre o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza

Ele sofreu um infarto fulminante, segundo assessoria do governo de SP.
Velório será realizado a partir das 10h na Assembleia Legislativa

 

O ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, 65 anos, morreu na noite deste sábado (25) após sofrer um infarto fulminante na cidade de São Roque, interior de São Paulo, onde passava o feriado de Corpus Christi em um hotel da cidade.
Segundo informações da assessoria do governo do Estado de São Paulo, Paulo Renato chegou a ser socorrido, mas não resistiu. O velório será realizado neste domingo (26) na Assembleia Legislativa de São Paulo, a partir das 10h.
No Twitter, o ex-governador de São Paulo José Serra lamentou a morte de Paulo Renato. "Foi-se Paulo Renato, meu querido amigo, um dos maiores homens públicos do Brasil. Foi um grande secretário e um grande ministro da Educação", escreveu Serra.
Por meio de sua assessoria, o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que Paulo Renato sempre priorizou a educação. "Lamento profundamente o falecimento do amigo Paulo Renato, que sempre colocou os interesses da educação acima de quaisquer outros. Fará falta ao Brasil."
Outros políticos lamentaram a morte do ex-ministro. "Grande perda para o Brasil e para os amigos o falecimento do Paulo Renato de Souza" , escreveu o secretário estadual da Cultura de São Paulo, Andrea Matarazzo.
"Estou chocado com a perda do amigo Paulo Renato Souza, o melhor chefe que tive em toda minha vida! Ministro da Educação de FHC", escreveu o coordenador de Comunicação da Secretaria de Transportes Metropolitanos, Raul Christiano.
 
Paulo Renato Souza

Nascido em Porto Alegre, Paulo Renato era formado em economia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Um dos fundadores do PSDB, foi Ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso (entre 1995 e 2002) e Secretário de Educação do Estado de São Paulo no governo José Serra (entre 2009 e 2010) e no governo Franco Montoro (entre 1984 e 1986).
Dentre as suas maiores realizações à frente do ministério da Educação estão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Na década de 80, foi reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na década de 70, Paulo Renato foi especialista das Nações Unidas em questões de empregos e salários. Ele também foi vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington.
Atualmente, o ex-ministro não ocupava nenhum cargo público e atuava como consultor, principalmente em projetos ligados à educação, em empresas da iniciativa privada.


Reprodução da notícia do G1


 

Morreu aos 83 anos o eterno detetive Columbo, Peter Falk

Morreu aos 83 anos o eterno detetive Columbo, Peter Falk

LOS ANGELES — O ator americano Peter Falk, mais conhecido por seu papel de detetive Columbo, que encarnou 69 vezes na célebre série da televisão, morreu nesta sexta-feira aos 83 anos, informou um comunicado dos advogados da família.
"Peter Falk, de 83 anos, premiado duas vezes pela Academia por papéis secundários e astro da televisão, morreu em paz em sua casa de Beverly Hills na noite de 23 de junho de 2011", segundo a nota obtida pela AFP.
"O ator deixa a esposa com quem viveu durante 34 anos, Shera, e duas filhas de um casamento anterior", concluiu o informe sem detalhar as causas exatas da morte de Falk.
O ator sofria de Alzheimer já algum tempo, o que foi motivo de uma disputa nos tribunais, em 2009, por seus cuidados e a administração de seus bens, que finalmente ficaram com a mulher.
Shera Falk entrou com uma ação no tribunal de Los Angeles para impedir que a filha adotiva do ator fosse designada como a administradora de seus bens.
Segundo Shera, Catherine Falk jamais teve um bom relacionamento com o pai.
Seu humor mordaz, o eterno impermeável bege, o Peugeot 403, o charuto inseparável e a mímica inimitável valeram a Peter Falk sucesso e simpatia.
Nasceu em 16 de setembro de 1927 em Nova York, de uma família judia, de pai russo e mãe tcheca. Aos três anos, um tumor maligno fez com que perdesse um olho.
Após ter completado o mestrado em ciências políticas na Universidade de Siracusa (Estado de Nova York), e de ter trabalhado como cozinheiro, tentou em vão se integrar à agência americana de informação, a CIA, lançando-se na carreira de funcionário público do Estado de Connecticut (nordeste). Deixou o cargo em 1957 por sua paixão, a comédia.
Iniciou, então, a carreira de ator, já numa série de televisão. No filme "Dama por um dia" de Frank Capra, levou o segundo Oscar. O primeiro foi em 1961 por seu papel coadjuvante no filme "Murder, Inc.".
Seu último trabalho no cinema foi no filme "American Cowslip", de 2009. Em 2007, ele fez uma participação no filme "O Vidente", com Nicolas Cage.
No total, trabalhou em 60 filmes, principalmente os de seu amigo John Cassavetes (entre eles "Os Maridos "Husbands", em 1970, e "Uma Mulher sob influência", em 1974). Em 1992, em "O Jogador" de Robert Altman, desempenhou seu próprio papel.
A partir de 1968, e durante 35 anos, foi o Columbo, que teve o primeiro episódio dirigido por um jovem de 25 anos... Steven Spielberg. Em 69 episódios, Peter Falk produziu ou coproduziu 24. O último deles data de 2003.
Atuou, ainda, em Asas do Desejo (Wim Wenders) 1987; A Princesa Prometida (Rob Reiner) 1987; Deu a Louca no Mundo (Stanley Kramer) 1963; Assassinato por Morte (Robert Moore).


Notícia da AFP, no Google

Israelenses cada vez mais se resignam a uma vida sem paz


Israelenses cada vez mais se resignam a uma vida sem paz

Der Spiegel
Juliane von Mittelstaedt

Houve um tempo em que Israel estava ansioso para atingir um acordo de paz com os palestinos. Agora, entretanto, a maioria da população do país parece ter desistido da esperança. Enquanto os jovens árabes se rebelam contra regimes autocráticos na região, a apatia se alastra em Israel.

Panfletos dizendo “Masbirim Israel”, ou “Explique Israel”, são distribuídos no aeroporto de Tel Aviv há vários meses. Eles não são para os turistas, mas para os israelenses. O governo quer que eles façam uma campanha no exterior para angariar mais simpatia para seu país. A pequena brochura aconselha: use um mapa para explicar a vulnerabilidade de Israel! Mostre fotos de casa! Conte sua história pessoal! Surpreenda seus ouvintes com fatos como este: o pen drive, o Windows XP e os tomates cereja foram todos inventados em Israel, e o país está em primeiro lugar em número de patentes e abertura de novas empresas.

Isso se chama “hasbara” em hebraico. Os viajantes devem se tornar cidadãos embaixadores de seu país, explicando-o, fazendo campanha em prol dele, e, se necessário, justificando suas ações.

A explicação é urgentemente necessária. Israel e o resto do mundo se separaram nos últimos anos. Israel se sente isolado, criticado e incompreendido – e parece acreditar que isso não é um problema de conteúdo, mas sim da forma como é retratado.

O resto do mundo, entretanto, vê um país que aparentemente não tem pudores em violar a lei internacional, que continua expandindo seus assentamentos na Cisjordânia, impôs um bloqueio sobre uma região inteira e interceptou uma frota de ativistas pelos direitos humanos em alto mar. Israel também é visto como um país cujo ministro de interior agita a população contra “intrusos” da África, e no qual o ministro de exterior é um homem a quem 60% dos israelenses consideram responsável pelo “aumento do nacionalismo extremo e de tendências quase fascistas.”

Israel está numa crise de relações públicas, uma vez que o país enfrenta uma crescente falta de compreensão, principalmente na Europa, mas também em partes dos Estados Unidos, seu forte aliado. Quem é capaz de entender por que as revoluções nos vizinhos árabes fizeram Israel cair num estado de autismo político? Por que ele rejeita virulentamente todas as críticas? E por que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu discutiu na semana passada com o presidente dos EUA, Barack Obama, o homem mais poderoso do mundo, por conta de um conceito que está além de disputas há anos: a volta para as fronteiras de 1967 e a troca de territórios?

Histórico?

O discurso que Netanyahu deu no Capitólio na terça-feira foi anunciado previamente como um discurso histórico. O premiê supostamente tinha intenção de se aproximar dos palestinos e convencê-los de não levarem adiante seu plano de declarar independência unilateral em setembro.

Mas o que Netanyahu ofereceu apenas contribuiu para mais distanciamento. Ele falou de uma “oferta generosa” e “concessões dolorosas”, e ainda assim não houve um onde, como ou quando para suas promessas. Foi um discurso com o objetivo de unir a difícil coalizão em seu país e preservar seu poder, com um tom tão deliberadamente intransigente que depois do discurso os palestinos rejeitaram prontamente a ideia de negociar.

Não é apenas Netanyahu. Um grande segmento de seu país vive aparentemente uma existência paralela. Quando Obama falou à organização lobista de judeus norte-americanos AIPAC no domingo retrasado, homens e mulheres se manifestaram na orla de Tel Aviv com cordas em volta dos pescoços, gritando: “não nos enforque, Obama”. Um dia depois do discurso de Netanyahu, quatro ministros de gabinete, o porta-voz do Knesset e um ex-rabino chefe se reuniram para celebrar a conclusão de 60 novas unidades residenciais no leste de Jerusalém, no assentamento judeu de Maale Hazeitim no bairro de Arab Ras al-Amud, o que só esquentará ainda mais o conflito.

Pesquisas de opinião feitas no dia seguinte enfatizaram ainda mais a contradição: embora 57% dos israelenses disseram acreditar que o primeiro-ministro deveria ter respondido à proposta de paz de Obama, 51% disseram que estavam satisfeitos com o desempenho dele em Washington.

Fora de controle, mas admirável

Por que uma maioria de israelenses apoia uma política que aparentemente contradiz seus desejos, uma política que não tem a intenção de terminar o conflito e que prejudica os israelenses mais do que ninguém? A alternativa a uma solução de dois estados seria um estado binacional, no qual os palestinos tornar-se-ão a maioria num futuro não muito distante. O que está acontecendo neste país, que, apesar de ser do tamanho do estado norte-americano de Nova Jersey, domina a atenção do mundo inteiro de uma forma tão única? Um país que atualmente parece ter saído de controle, e ainda assim continua sendo tanto admirável quanto excepcional?

Esta é uma questão para Tom Segev, 66, o historiador mais conhecido de Israel; é imprescindível olhar para o passado para entender o Israel moderno. Segev recebeu seus convidados em seu apartamento no oeste de Jerusalém, que tem vista para dois muros, um velho e um novo. O muro antigo cerca a cidade velha, um lugar de peregrinação para três religiões mundiais, enquanto que o muro novo confina os palestinos dentro da Cisjordânia.

O grande intérprete da história israelense parece ter se cansado de seu papel – como se ele também não fosse mais capaz de entender seu país, ou como se o entendesse muito bem. “Pela primeira vez na minha vida, penso da mesma maneira que a maioria dos israelenses”, disse ele no começo da conversa. “Não vejo mais a possibilidade de paz.” Há dez anos, Segev descreveu a moderna sociedade israelense em seu livro “Elvis em Jerusalém”. Mas hoje ele diz: “Esqueça. Eu estava errado. Eu imaginava que as coisas só pudessem melhorar.”

Então qual é o motivo pelo qual Israel e o resto do mundo se estranharam tanto nos últimos anos? “Somos tão irracionais, porque este é um país louco. Tudo que fazemos vai contra nossos interesses, que é viver num estado judeu e democrático, em paz com nossos vizinhos”. E o motivo para isso, diz ele, é bem simples: “temos mais a perder nesse conflito do que os palestinos”.

Poder nuclear e um país de novas empresas

Até hoje, Israel é um país em estado de emergência. Metade de suas fronteiras ainda não estão determinadas, cada casa tem um cômodo de segurança e todo cidadão têm uma máscara de gás no armário. É um país em que homens e mulheres são convocados para o serviço militar, onde há em média um enterro para cada 17 soldados mortos e onde um soldado foi sequestrado pelo Hamas há cinco anos e foi mantido numa cela em algum lugar em Gaza desde então.

Israel também é um país que, por um lado, desenvolveu uma democracia liberal, mas, por outro, manteve seus vizinhos sob ocupação e coerção militar por 44 anos. É tanto uma potência nuclear e uma nação de novas empresas, que produziu mais laureados pelo Nobel do que todo o mundo árabe, mas também um país em que os teólogos definem a cidadania e onde não há casamento civil, constituição e direito a asilo.

Três eventos influenciaram profundamente o país, disse Segev, sentado em seu sofá com uma cópia da declaração de independência de Israel enquadrada e pendurada na parece acima de sua cabeça: a ocupação da Cisjordânia desde a Guerra dos Seis Dias em 1967, a imigração da antiga União Soviética nos anos 90 e o fracasso do processo de paz de Camp David em 2000.

A ocupação já dura dois terços da história do Estado de Israel, e em todos esses anos ela também mudou o ocupante, suas instituições e sua forma de pensar. Prisioneiros são maltratados, enquanto o governo apoia assentamentos ilegais e ignora as determinações do Supremo Tribunal israelense sobre a desocupação de assentamentos. Isso acostumou o público israelense a uma constante violação da lei, que precisa de uma justificativa. A justificativa fornecida é que a ocupação é essencial para a sobrevivência da nação israelense. Mas os israelenses esqueceram que David Ben-Gurion, o fundador da nação, foi contra a tomada da Cisjordânia, porque a viu como uma fonte potencial de desastre.

Uma vida sem paz é possível?

Os quase um milhão de imigrantes da antiga União Soviética trouxeram a obediência à autoridade para o país, o que apenas amplifica as consequências negativas da mentalidade de ocupação. Pesquisas mostram que os recém-chegados rejeitam os direitos iguais para os árabes e preferem ter um homem forte como líder. Como resultado, muitos deles votaram em Avigdor Lieberman, uma versão israelense do primeiro-ministro russo Vladimir Putin e chefe do partido direitista Yisrael Beiteinu (Isarel é Nosso Lar). Lieberman é ministro de relações exteriores de Israel há dois anos.

O fracasso do acordo de paz de Camp David, mediado pelo presidente norte-americano Bill Clinton, entre o ex-líder da OLP Yasser Arafat e o então primeiro-ministro israelense Ehud Barak, contribuiu em grande parte para a atual paralisia política. Quando Barak voltou para casa, ele anunciou que os palestinos rejeitaram sua “generosa oferta” e que “não eram parceiros para a paz”.

Isso foi aparentemente confirmado pelos anos de ataques suicidas que se seguiram, que só convenceram os israelenses de que eram eles que queriam a paz, enquanto os palestinos queriam o terror. Vários anos depois, a mesma crença foi reconfirmada quando os israelenses evacuaram seus assentamentos em Gaza e os palestinos responderam lançando foguetes em território israelense. 

Mas o que a mídia ignorou com frequência e o público israelense tende a esquecer é que Israel também cometeu erros, que a segunda Intifada foi em parte uma reação à violência israelense, e que nem a oferta israelense em Camp David nem a retirada da Faixa de Gaza foram particularmente “generosas”.

Um problema técnico

Os ataque suicidas também engendraram desapontamento, medo e ódio – e, acima de tudo, indiferença aos palestinos – também entre muitos liberais israelenses. Entretanto, a paz à custa do compromisso parecia necessária, uma vez que os ataques continuavam. Mas uma vez que eles terminaram, muitos israelenses preferiram a atual calma ao esforço e à incerteza associados a um tratado de paz. E desde que uma barreira de segurança foi erguida e o sistema de defesa anti-mísseis Iron Dome foi instalado, a falta de paz parece mais um problema técnico que pode ser controlado.

“Da perspectiva de Israel, uma vida sem paz agora é possível. Há pouco terrorismo, não há guerra, e não há grandes decisões que possam desencadear discussões na mesa do café da manhã”, diz Segev. “Netanyahu é tão forte, porque persegue uma política de não fazer nada quanto aos palestinos. E ele conseguiu transformar essa política num consenso.”

A sensação de estar num constante estado de emergência ajuda a reforçar esse consenso. Ninguém tem tantos inimigos quanto Israel, nenhum outro país foi ameaçado de ser varrido da face da terra pelo Irã, e em nenhum outro lugar do mundo existe o trauma tão profundamente enraizado do extermínio de um povo. Para uma nação que teme constantemente por sua sobrevivência, tudo que faz é auto-defesa. A direita, por exemplo, refere-se às fronteiras de 1967 como “as fronteiras de Auschwitz”, sugerindo portanto que o fim da ocupação da Cisjordânia colocaria em risco a própria existência de Israel.

“Os políticos estão usando o Holocausto cada vez mais para criar medo”, diz o historiador Segev. Isso, ele acrescenta, faz com que um político que acredita na paz e na coexistência parecer ingênuo e inelegível em Israel hoje – ou mesmo alguém que está traindo seu próprio povo.

O perigo real está aqui e agora”

Mordechai Kremnitzer, 62, conhece bem as consequências desse ciclo vicioso de paranóia. Vice-presidente do Instituto de Democracia Israelense, Kremnitzer alerta, quase diariamente, contra uma “democracia de dieta”. Ele diz: “o momento de perigo real é aqui e agora”.

Nos meses recentes, o Knesset, o parlamento israelense, adotou várias iniciativas dirigidas contra os árabes israelenses, que representam um quinto da população. Na peça mais recente de legislação, a lei Nakba foi aprovada no final de março, as escolas ou comunidades árabes que celebravam a fuga e expulsão dos palestinos depois da fundação de Israel podem ser penalizadas com a negação de financiamento do governo. Novos cidadãos precisam agora jurar um testemunho de aliança ao “estado judeu e democrático”. Pequenos vilarejos no deserto de Negev e na Galileia também receberam o direito de rejeitar novos moradores que não se “encaixam” na comunidade. Isso permitirá às comunidades judaicas rejeitarem os árabes no futuro sem violar o princípio de igualidade.

“Agora que o conflito é cada vez mais visto como uma disputa existencial entre dois projetos nacionais, os árabes israelenses são vistos como um inimigo internacional”, diz Kremnitzer. Uma distinção tão rigorosa entre amigo e inimigo divide a sociedade. Enquanto os assentados que atacaram soldados durante a retirada da Faixa de Gaza foram perdoados pela lei de anistia, os esquerdistas são enviados para a prisão por coisas tão pequenas como participar de protestos não-autorizados.

Categoricamente contra eles

A maioria da população não protesta. Isso, diz Kremnitzer, deve-se em parte porque os ultra-direitistas conseguiram tachar todos que discordam deles de desleais ou impatriota. De acordo com a atitude mental, cada vez mais aceita como conhecimento comum, as críticas não são simples críticas, mas em vez disso vêm de uma hostilidade fundamental. De acordo com uma pesquisa, mais da metade dos israelenses acreditam que o mundo está categoricamente contra eles, independente das políticas do país.

Por exemplo, Richard Goldstone, um juiz internacionalmente respeitado da África do Sul que foi nomeado para chefiar a missão de investigação da ONU sobre a guerra de Gaza, foi vilificado como um judeu que se odeia e é anti-sionista. No final de março, membros do Knesset debateram seriamente a questão de se o J Street, um grupo judeu lobista nos EUA que condena a construção de assentamentos, deveria poder se classificar como “pró-israelense”. Alguns críticos estão sendo proibidos de entrar no país, mesmo que sejam judeus proeminentes, como o linguista Noam Chomsky e o cientista político Norman Finkelstein.

O jornalista norte-americano Jeffrey Goldberg perguntou recentemente: “e se Israel deixar de ser uma democracia?” Ele desenha um cenário que não é mais improvável.

“Digamos apenas, como hipótese, que um dia no futuro próximo, o governo do primeiro-ministro Lieberman (não ria, não é engraçado) propôs um projeto de lei que ecoa o pedido recente de alguns rabinos para desencorajar os judeus de vender suas casas para os árabes”, escreveu Goldberg. “Ou digamos que o governo de Lieberman anexe partes da Cisjordânia para incorporar assentamentos judeus, mas anuncia sumariamente que os árabes no território anexado são na verdade cidadãos da Jordânia, e podem votar lá se quiserem, mas não poderão votar em Israel. O que acontecerá então? Os tribunais virão resolver a situação? Espero que sim. O povo israelense resolverá a situação? Não tenho tanta certeza.”

Esperança para o futuro

Israel ainda é um país livre, com uma democracia dinâmica, uma imprensa livre e um judiciário independente. Mas basta dirigir de Tel Aviv a Jerusalém para ver que também há um mundo alternativo dentro de Israel, um no qual um em cada dez israelenses vivem. É o mundo dos judeus ultra-ortodoxos, de homens vestidos de ternos pretos e mulheres de perucas, segurando seus filhos pelas mãos. A maioria deles preferiria uma teocracia.

Quando uma foto do presidente norte-americano e seus conselheiros foi publicada depois da morte de Osama Bin Laden, não foi um jornal saudita mas um jornal israelense ultra-ortodoxo que usou o Photoshop para apagar a imagem da secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton – porque os homens ortodoxos são proibidos de olhar para mulheres não familiares.

Ao mesmo tempo, o conflito aparentemente intratável facilitou a mescla de religião e nacionalismo, com os judeus ortodoxas antes politicamente moderados tomando o lado dos assentados de direita. Líderes rabinos estão lutando contra os tribunais do governo e convocando o público a desobedecer ordens emitidas pelo exército. Representantes desse campo nacionalista-religioso detém posições-chave no parlamento, no exército e na sociedade. Um deles é o novo conselheiro de segurança nacional, por exemplo, que de acordo com o Ha'aretz, disse numa conferência que qualquer um que tentar interromper uma missão militar, mesmo um soldado, deveria ser morto.

Estranhamente sem resposta

Secularistas, nacionalistas e os religiosos estão lutando pelo caráter na nação, e sobre o quão judia ou democrática ela deve ser. Depois de 63 anos, essa questão continua estranhamente sem resposta, e, entretanto, o futuro de Israel e da Cisjordânia depende dela. Será que Israel pode ser democrático se continuar a ocupar os territórios ocupados? Por outro lado, será que Israel pode ser judeu se abrir mão das regiões bíblicas da Judéia e Samaria?

De forma alguma está certo que a democracia irá prevalecer. A conexão bíblica com a terra se juntou à narrativa secular da ocupação e é mais importante hoje do que eram em 1967. É por isso que faz perfeito sentido para um primeiro-ministro israelense usar as histórias de Abraão, Davi e Isaías para justificar a reivindicação de Israel pela Cisjordânia. Entretanto, os políticos se tornam mais irracionais onde a religião está envolvida.

No fim, a demografia provavelmente decidirá o resultado desse conflito. Os assentados e os ultra-ortodoxos são os que têm mais filhos. Israel tem uma taxa de natalidade mais alta do que a Líbia, e em algumas cidades até 64% dos habitantes são crianças.

E o que dizer as esquerda de Israel, seus ativistas pela paz, artistas, empresários e liberais? O que aconteceu com a maioria silenciosa e secular do país?

As velhas elites, que antes dominaram a política da paz, retiraram-se em grande parte do processo político. A maior parte foi para Tel Aviv, o enclave liberal onde os palestinos, assentados e judeus ortodoxos parecem igualmente distantes. Eles tem mais chances de se envolverem em causas ambientais do que nos partidos políticos. Tel Aviv também é o lar daqueles que desfrutam da expansão econômica e de seus benefícios, incluindo muitos restaurantes novos, spas e bares de vinhos que abriram nos anos recentes. A cidade efervescente, movimentada e agitada de Tel Aviv é sinônimo dessa fuga da política.

Mais esperto que os políticos

Isso em parte é resultado de uma sensação comum de que os partidos e os políticos são corruptos. Dificilmente um político proeminente não enfrentou um escândalo nos últimos anos. Netanyahu foi acusado de aceitar estadias em hotéis de luxo pagas por outros. O ministro Lieberman enfrenta um processo por desfalque e lavagem de dinheiro. E também há o caso de Moshe Kazaw, o ex-presidente, que foi condenado a sete anos de prisão por estupro.

Seria fácil chamar Israel de uma nação corrupta, mas não é tão simples, na verdade. “Há muito exagero no que diz respeito à corrupção”, diz Yossi Shain, cientista político da Universidade de Tel Aviv. “Caçar pessoas com acusações de corrupção se tornou o esporte nacional de nossa comunidade”. De acordo com a Transparência Internacional, servidores civis são menos suscetíveis a aceitarem propinas em Israel do que na França, e o país tem uma classificação mais favorável do que a Itália e a Grécia.

E se a corrupção não é tão comum quando parece à primeira vista, será que a obstinação ideológica não é tão dominante quanto parece?

A intransigência, o extremismo nacionalista e religioso pinta um quadro sombrio que na verdade não coincide com o clima otimista do país. Numa pesquisa sobre o quanto as pessoas estão satisfeitas com suas vidas, por exemplo, Israel ficou em nono lugar, bem na frente da Alemanha. Isso também faz parte do quadro que é tão difícil de entender fora de Israel.

É claro, ainda há esperança para o futuro, como outra pesquisa indica. Apesar de estar acostumado a um estado constante de guerra, e apesar de seu desprezo pelos palestinos, 67% dos judeus israelenses apoiam um plano de paz que inclui a divisão de Jerusalém e a retirada da Cisjordânia, mas apenas 47% dos membros do Knesset compartilham dessa visão.

O que isso demonstra, acima de tudo, é que por fim a maioria dos israelenses é mais inteligente do que seus políticos.


Tradução: Eloise De Vylder


quarta-feira, 22 de junho de 2011

Alguém quer agir

Alguém quer agir

UM DOS MUITOS efeitos negativos do caso Palocci foi obscurecer, no seu longo domínio da atenção jornalística, alguns fatos relevantes, dos quais dois retornam aqui. É a onda de mais assassinatos sucessivos na luta da terra e da madeira no Pará e, no Mato Grosso do Sul, o ataque com fogo a um ônibus que levava 35 estudantes índios.
Lá pelo quarto ou quinto assassinato em série, o Ministério da Justiça decidiu mandar algumas dezenas de integrantes da Força Nacional para a região, com agentes da Polícia Federal.
Se a ida se destinava a conter os assassinatos, não conteve. Se deveria proceder a investigações, identificar e prender assassinos e mandantes, não há informação de que sequer se aproximasse disso, com a suposição de pistas. Não houve informação alguma, aliás, de coisa nenhuma por lá, a não ser um assassinato a mais. Silêncio (ou sigilo também?) cuja permanência se deve, em comum, ao Ministério da Justiça e aos meios de comunicação.
Dentro de uma aldeia terena, em Miranda, a monstruosidade do crime é assombrosa: foi jogado um coquetel molotov no ônibus dos estudantes. O incêndio queimou quantidade não informada de índios, mas de quatro houve a notícia de sua internação em estado muito grave, na Santa Casa de Campo Grande. Desde então, começo do mês, nenhuma notícia sobre alguma providência do Ministério da Justiça. Ou sobre a exceção de uma descoberta da polícia estadual quanto à autoria ou ao mandante. Ou notícia dos meios de comunicação sobre o crime mesmo ou sobre o que veio a se passar com as vítimas.
Nos dois Estados, os crimes se deram em focos de conflito bastante conhecidos. E, como induz a tradição, sem medidas preventivas dos governos estaduais e do federal. Muito antes de sua inclusão nos fatos atuais, Eldorado do Carajás celebrizara-se há 15 anos com o massacre de 19 sem-terra, episódio a que juntou o assassinato da irmã Dorothy Stang. Eldorado, Marabá, Bico do Papagaio, a geografia regional foi se tornando conhecida, em Brasília, no Sudeste e no Sul, como as guerras ensinam um pouco de geografia ao Ocidente. Conhecimento, também este, inútil.
A violência que se passa em um foco de conflito apenas difere em grau, ou nas ondas de intensidade, do que é vivido nos outros focos. Centenas, é provável que milhares de focos. Nem por isso, cumprida já metade do seu primeiro ano de mandato, soube-se de uma só palavra no governo Dilma sobre essa desgraça nacional.
Ao menos de um setor institucional vêm uma ideia e a disposição de agir. Alarmados com a constatação de que, de 219 assassinatos no meio rural do Pará, só 4, nos últimos dez anos, tiveram processos judiciais, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) lança a ideia de federalização dos processos de crimes contra direitos humanos. Ou seja, de transferência, para a Justiça Federal, dos processos e julgamentos de tais crimes.
A Justiça Federal não está sujeita às pressões das circunstâncias que agem sobre as polícias e instâncias judiciárias estaduais, assim como o Ministério Público Federal.
A Ajufe quer levar ao Congresso a proposta de emenda constitucional para definir os crimes contra direitos humanos e fazer a transferência inovadora. Merece todo o apoio possível - mas, sabe-se, incerto.


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 21 de junho de 2011.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Katyn

Em "Katyn", Andrej Wajda é movido pela busca da verdade

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O que espanta no cinema, às vezes, é ver como o anticomunismo mais vulgar pode tomar telas, quando o comunismo não é senão uma experiência dos realizadores que se situa na ordem das ideias.
Que diferença de Andrej Wajda. O pai dele morreu no massacre de Katyn, promovido pelos russos na Polônia, no começo da Segunda Guerra. O cineasta polonês em "Katyn" (TC Cult, 19h45, 16 anos) preocupa-se em tratar o massacre não a golpes de ideologia, mas de imagens: não afirmar, mas expor, apenas, a monstruosidade.
Não é sentimento de vingança que o anima, mas o da verdade. Talvez por isso seu filme se distinga tanto.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 19/06/2011.

Selic e dívida pública

Selic e dívida

Comparada à da maioria dos países, a situação fiscal brasileira pode ser avaliada como relativamente confortável, a despeito do esforço feito para manter a demanda global na crise de 2008-2009.
O crescimento nominal da dívida pública federal entre dezembro de 2008 e dezembro de 2010 foi de 21,4%, praticamente o mesmo crescimento do PIB nominal, o que deixou inalterada a relação dívida pública federal/PIB.
De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o governo federal terminou 2010 com uma dívida em poder do público de R$ 1,694 trilhão, com um prazo médio de vencimento de três anos e meio. Os compromissos vincendos em 2011 somam R$ 422,9 bilhões, sendo R$ 333,6 bilhões de amortização da dívida e R$ 89,3 bilhões de juros sobre o seu estoque.
A isso devem se somar os juros dos papéis do Tesouro em poder do Banco Central, que somam R$ 41,4 bilhões, o que exigirá R$ 464,3 bilhões para seu financiamento.
Como os recursos orçamentários aprovados para honrar a dívida federal são de R$ 98,7 bilhões, a necessidade líquida de financiamento pelo mercado em 2011 será de R$ 365,6 bilhões (R$ 464,3 bilhões - R$ 98,7 bilhões).
A STN, que tem feito um ótimo trabalho, deverá administrar o acréscimo de endividamento com algumas diretrizes gerais: 1) tentar aumentar o seu prazo médio; 2) diminuir a dívida de curto prazo; 3) substituir, gradualmente, sem perturbar o mercado de títulos públicos, os papéis remunerados pela Selic por outros com rentabilidade pré-fixada ou vinculada a índices de preços; e 4) continuar a construir uma estrutura a termo das taxas de juros nos mercados interno e externo para ampliar a liquidez de seus papéis.
O grande passo para melhorar a organização do estoque da dívida pública é reduzir a participação dos papéis indexados à Selic, que representam pouco menos de 1/3 do total (qualquer coisa em torno de R$ 550 bilhões), o que aumentará a "potência" da política monetária do Banco Central (a manobra com a taxa de juros real).
A notícia mais importante do Plano Anual de Financiamento da STN para 2011 é que essa possibilidade existe, desde que se reforce a coordenação entre as políticas monetária e fiscal.
Durante o mandato da presidente Dilma Rousseff vencem 80% do estoque da dívida financiada à taxa Selic. Com aquele suporte, a STN terá musculatura para promover um lento, cuidadoso e oportunístico ajustamento na direção de reduzir substancialmente o financiamento à taxa Selic e, assim, aumentar a "potência" da manipulação dos juros reais no controle da demanda global.



Assustador isso de cerca de ¼ da dívida pública vencer em um ano...
 

Brasil tem carga tributária 'leve' para ricos, diz estudo

Um levantamento de uma associação internacional de consultorias indicou que o Brasil tem uma carga tributária considerada leve para as classes mais altas.
Segundo a rede UHY, com sede em Londres, um profissional que recebe até US$ 25 mil por ano - cerca de R$ 3.300 por mês - no Brasil leva, após o pagamento de imposto de renda e previdência, 84% do seu salário para casa.
Já os profissionais que recebem US$ 200 mil por ano - cerca de R$ 26.600 por mês - recebem no final cerca de 74% de seu pagamento.
Entre 20 países pesquisados pela UHY, essa diferença de cerca de 10 pontos percentuais é uma das menores.
Na Holanda, onde um profissional na faixa mais baixa recebe um valor líquido semelhante ao do Brasil após os impostos e encargos (84,3%), os mais ricos levam para casa menos de 55% do salário.
A lógica também se aplica a todos os países do G7, o grupo de países mais industrializados do mundo (EUA, Canadá, Japão, Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália).
Nos EUA, enquanto os mais ricos levam para casa 70% do salário, os profissionais na faixa dos US$ 25 mil anuais deixam apenas um décimo da renda para o governo e a previdência.

Tributação 'esdrúxula'

O representante da UHY no Brasil, o superintendente da UHY Moreira Auditores, Paulo Moreira, disse que a pesquisa revela o caráter "esdrúxulo" da carga tributária brasileira.
Com grande parte dos impostos sendo coletada de forma indireta, a carga tributária brasileira total supera a tributação à pessoa física, e é estimada em 41%.
Como esses tributos circulam embutidos nas mercadorias e serviços consumidos pelos contribuintes, aplicam-se de forma igual a ricos e pobres, explica.
Para Moreira, entretanto, essa suposta "justiça" tributária é ilusória, porque as classes mais altas têm formas de evitar o pagamento de impostos sobre consumo fazendo compras no exterior ou recorrendo a outros artigos de consumo.
"Se o sujeito ganha R$ 3 mil, a renda dele tem de ser praticamente consumida em bens de consumo geral: sabonete, comida, arroz, roupas, gasolina, as coisas que são de grande consumo e que são taxadas com mais rigor", explica o especialista.
"Quem tem uma renda alta passado um primeiro momento dos bens de consumo geral, ele passa a ter consumos mais sofisticados, questões menos taxadas, obras de artes, enfim, artigos de difícil controle na tributação."
Outro fator que contribui para fazer do Brasil um país pouco "equânime", segundo o porta-voz da UHY, no quesito tributário, é o teto aplicado à contribuição previdenciária.
O imposto de 11% do salário é aplicado somente até o valor de R$ 3.038,99, o que quer dizer que trabalhadores que ganham acima disso têm uma fatia maior do seu salário livre de descontos que os que ganham dentro da faixa.

Atração de mão-de-obra

Entretanto, como lembra o UHY, o imposto sobre a renda pessoal é um dos instrumentos utilizados pelos países, sobretudo emergentes, para atrair mão-de-obra qualificada.
Dubai e a Rússia, por exemplo, são os dois países com menor nível de tributação e não fazem nenhuma diferenciação entre a taxa aplicada sobre a renda dos profissionais em qualquer das duas faixas analisadas.
Enquanto um profissional na Rússia leva 87% do seu salário após os impostos e encargos - independentemente da faixa de salário -, Dubai tem alardeado seu regime de "imposto zero" como um dos maiores atrativos de se trabalhar no emirado.
As primeiras posições entre os países com carga tributária mais leve para as classes privilegiadas são todas ocupadas por emergentes, como Egito, Estônia, Brasil e México.
Além disso, todos os países emergentes da pesquisa diferenciam relativamente pouco entre profissionais de renda alta e mais baixa.
"As companhias olham para o nível de tributação sobre a pessoa física para decidir onde investir", disse o sócio da UHY Hacker Young, o britânico Mark Giddens.
"Se a taxação for muito alta, elas podem ter dificuldades em atrair talentos."
Paulo Moreira diz que o Brasil não é exceção a esta regra, e que a tributação leve para as classes mais altas é "um fator favorável na atração do talento".
"Essa é uma escolha dura: ou se facilita a vida dos menos qualificados (que ganham menos) ou a vida dos mais qualificados", raciocina.
"O argumento é que mais qualificados trarão tecnologia e conhecimento, e que tecnologia e esse conhecimento, por sua vez, trarão condições de melhorar também os menos qualificados."

 Texto da BBC Brasil, reproduzido no UOL Economia

Corpo da atriz e vedete Wilza Carla é enterrado no Rio

Foi enterrado nesta manhã no Rio de Janeiro o corpo da atriz Wilza Carla. O sepultamento foi realizado no Cemitério do Caju às 10h.

A ex-vedete, atriz e humorista estava internada no Hospital das Clínicas, em São Paulo, desde o último dia 17 e morreu na madrugada de domingo (19). Ela tinha 75 anos.

Wilza enfrentava problemas de saúde agravados pela obesidade, tinha diabetes e sofria do coração. A atriz vivia sob os cuidados da única filha, Paola.
 
CARREIRA

Na televisão, Wilza Carla ficou famosa pelo papel de Dona Redonda, que interpretou na novela "Saramandaia", da Rede Globo, exibida em 1976.

Na década de 1980, Wilza foi jurada de um programa de calouros apresentado por Silvio Santos, no SBT.


Notícia da Folha.com

ONU: 80% dos refugiados estão em países em desenvolvimento

Cerca de 80% dos refugiados estão em países em desenvolvimento, informou nesta segunda-feira (20/06) a ONU (Organização das Nações Unidas). Essas nações, de acordo com a organização, são justamente as que lidam com os principais problemas dessa situação. "Há um profundo desequilíbrio no apoio internacional às vítimas de deslocamentos forçados no mundo", decreta o relatório 2010 do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) que reúne as estatísticas anuais sobre o fenômeno.

Atualmente, 43,7 milhões de pessoas são obrigadas a deixar suas casas pela violência, desastres ou perseguições, das quais 27,5 milhões são deslocados internos por conflitos. Desse total, 25 milhões recebiam assistência e proteção do organismo das Nações Unidas no final do ano passado. Em 2010, o número de pedidos de asilo subiu para 850 mil, dos quais uma quinta parte corresponde unicamente à África do Sul. Dos solicitantes de asilo, os mais dramáticos são os 15,5 mil que correspondem às crianças órfãs, procedentes principalmente da Somália e do Afeganistão.


"As causas de deslocamento não estão sendo resolvidas. Neste ano, tivemos conflitos no norte da África, Costa do Marfim, Síria, Sudão e outros lugares que geraram a fuga de pessoas", sustentou o alto comissário adjunto para os refugiados, Alexander Aleinikoff, na apresentação do relatório. Três de cada quatro refugiados mora em países vizinhos ao de origem e 42% do total vive em nações onde o Produto Interno Bruto per capita é inferior a US$ 3 mil.

Publicados por causa do Dia Mundial do Refugiado, celebrado nesta segunda-feira, os novos dados evidenciam que muitos dos países mais pobres do mundo acolhem enormes quantidades de refugiados, tanto em termos absolutos quanto em relação ao tamanho de suas economias. Paquistão, Irã e Síria são os países com as maiores populações de refugiados, com 1,9 milhão, 1,1 milhão e 1 milhão, respectivamente. "Precisamos de soluções", reivindicou o 'número dois' do ACNUR.

Segundo ele, 7 milhões vivem como refugiados "de longo prazo" (por cinco ou mais anos). No entanto, no ano de 2010 o número de refugiados assentados caiu frente aos anos anteriores, da mesma forma que os retornos aos países de origem. "Em 2010, menos de 200 mil pessoas retornaram para suas casas, o que representa a menor quantia dos últimos dez anos", precisou o funcionário.

Sobre a percepção negativa dos refugiados nos países industrializados, ele justificou "os difíceis tempos econômicos e até mesmo algumas políticas populistas infelizes". Outro fator pode estar "nas diferenças culturais e religiosas". Os afegãos, com 3 milhões de refugiados, representam a terceira parte do total mundial, seguidos pelos iraquianos, com 1,6 milhão, somalis (770 mil), da República Democrática do Congo (476 mil) e de Mianmar (415 mil). A Alemanha é o país industrializado que acolhe o maior número de refugiados, 544 mil, pelos cálculos do ACNUR.




Notícia vista no Opera Mundi.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Champanhe e ópio

Champanhe e ópio

NO DIA EM que Jack Kevorkian morreu, eu pensei no dia em que Oscar Wilde morreu. Confuso? Não esteja, leitor.
Oscar Wilde morreu em 1900 num quarto do Hôtel d'Alsace, em Paris. E ainda hoje, segundo informações recentes do jornal "The Daily Telegraph", é possível repetir a experiência.
Falo de dormir no quarto, não de morrer nele. O hotel mudou apenas de nome: é simplesmente L'Hotel e fica na rue des Beaux-Arts. Experimente.
Mas o "Telegraph", com generosidade britânica, não se limita a oferecer preços para o quarto (R$ 1.000 a noite). Também oferece a lenda que o acompanha.
Em 1897, Wilde deixou a prisão de Reading Gaol depois de cumprir pena por "graves indecências" com rapazes. Cruzou o canal da Mancha. Instalou-se em Paris.
Mas a doença -não a sífilis, avisa o jornal, mas uma intratável infecção auditiva- começou a galopar pelo seu corpo. A morte tornou-se inadiável.
São conhecidos alguns episódios desse fim. Episódios apócrifos, talvez, como o momento em que Wilde contemplou as paredes do quarto e disse: "Eu e o papel de parede estamos a travar um duelo de morte: um de nós tem de ir".
Mas Wilde lembrou-me Kevorkian, ou vice-versa, pela forma como um e outro encaravam o fim.
No caso de Wilde, as dores eram insuportáveis. A medicação já não funcionava. O que fazer?
O escritor teve a resposta: champanhe e ópio. Haverá melhor forma de amaciar a dor antes da cortina descer de vez? A frase "I'm dying beyond my means", tão perfeita e bela quanto intraduzível, também faz parte da lenda.
Eis a minha posição sobre doenças terminais: quando nada mais resulta, champanhe e ópio. Ou, em linguagem moderna, adormecer a dor para que o corpo, a seu tempo, parta para onde só ele sabe.
Matar é um crime. Promover o suicídio, um crime ainda maior.
Mas uma sociedade civilizada deve ser uma sociedade de cuidados paliativos. Uma sociedade de champanhe e ópio.
Jack Kevorkian discordava. E por isso matou, ou forneceu os meios para o suicídio rápido a mais de cem pessoas com doenças terminais ou incuráveis, embora algumas delas não se ajustassem a nenhuma das duas categorias. Jack matava por pedido, como um assassino a soldo.
Levado a julgamento, foi condenado à prisão por homicídio em segundo grau. Nunca se arrependeu. "Se ajudamos as pessoas a nascer", perguntava ele, "não será justo ajudá-las também a morrer?".
A pergunta pode fazer sentido do ponto de vista literário. Não faz qualquer sentido do ponto de vista médico.
O problema da eutanásia ativa e do suicídio assistido -ou seja: o problema de se matar um doente ou então de fornecer os meios para que seja o doente a terminar logo com a sua vida- pode ser discutido de várias formas. Religiosamente. Moralmente. Politicamente.
Mas esquecemo-nos muitas vezes da dimensão médica que lhe está associada. Matar ou fornecer os meios para o suicídio é uma subversão da vocação central da medicina. A medicina serve para curar doenças, não para matar doentes.
Trata-se de um imperativo que define o papel do médico. E, ao definir esse papel, relembra-nos também que os médicos são homens; que os homens são falíveis.
E que colocar nas mãos de um médico a possibilidade de terminar com uma vida pode ser, em muitos casos, um convite à transgressão e ao puro homicídio de pessoas física e emocionalmente vulneráveis.
Esse, aliás, foi o caso de Jack Kevorkian. Quando lemos os obituários sobre o seu trajeto; quando assistimos à soberba das suas entrevistas; quando contemplamos a forma como se apresentava em tribunal para falar das suas proezas macabras, não vemos um médico à nossa frente.
Vemos apenas um homem demasiado apaixonado por seu ego. E que, em nome de uma duvidosa noção da "dignidade da pessoa humana", foi cruzando todos os limites éticos para atribuir a si próprio o papel de um pequeno deus exterminador.
Por vezes, não sei o que perturba mais na vida de Jack Kevorkian: se os crimes cometidos; se o visível orgulho dele por esses crimes.
Em 1900, com a morte próxima, Oscar Wilde preparou-se para ela com champanhe e ópio. Sim, há algo de festivo e digno nesse adeus crepuscular.
Não há nada de festivo ou digno nos açougues tristes e assépticos do celebrado "Doutor Morte".


Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo, de 14 de junho de 2011.

Os seres humanos não são apenas animais mais inteligentes

Os seres humanos não são apenas animais mais inteligentes

Raymond Tallis*

Nem todas as ideias erradas são dignas de se contestar. Existem algumas, porém, que não podem ser ignoradas. Aquelas que interpretam erroneamente questões de suprema importância, ou atrapalham nosso pensamento sobre elas, ou têm sérias consequências, devem ser discutidas.

Uma dessas ideias é a de que os seres humanos são essencialmente animais; ou no mínimo muito mais animalescos do que havíamos pensado. Ela leva a alegações de que somos apenas macacos inteligentes, de que nossas mentes não passam de sinais elétricos no cérebro.

Existem inúmeras manifestações desse "biologismo". Ele é explicado em milhares de livros e artigos sobre a chamada neuroestética, teoria dos memes, neurodireito e em abordagens neuroevolucionistas da política e da economia. Seus defensores afirmam, por exemplo, que somos capazes de compreender melhor a arte visual rastreando o cérebro para estudar sua reação, ou que a criminalidade é melhor explicada por um desequilíbrio entre os lobos frontais e o corpo amigdaloide.

Passei mais de 30 anos argumentando contra o biologismo, e recentemente escrevi "Aping Mankind: Neuromania, Darwinitis and the Misrepresentation of Humanity" ['Macacando' a humanidade: Neuromania, darwinite e a representação errônea da humanidade]. A principal suposição que sustenta o biologismo é que os seres humanos são essencialmente organismos, em vez de pessoas. Para realmente compreendê-los, diz a teoria, é preciso admitir que eles não são agentes conscientes, mas pedaços de matéria viva sujeitos às leis da biosfera.

O biologismo tem duas correntes, que eu chamo de neuromania e darwinite. A neuromania se baseia na crença de que a consciência humana é idêntica à atividade cerebral. Existem, é claro, correlações entre a atividade cerebral e aspectos da consciência. Estas podem ser demonstradas observando-se que partes do cérebro se "acendem" quando os sujeitos relatam determinadas experiências. No entanto, isso não quer dizer que a atividade neural é uma causa suficiente desses aspectos da consciência: que, por exemplo, os eventos vistos no córtex orbitofrontal quando vemos um objeto bonito sejam toda a causa de nossa experiência da beleza, e ainda menos que eles sejam nossa experiência da beleza.

Na verdade, não há uma explicação neural concebível de muitos aspectos da consciência humana. Um registro de impulsos neurais não pode explicar a simultaneidade e multiplicidade de um momento. Estou consciente, por exemplo, da tela do computador à minha frente, das letras que se espalham por ela, da luz do sol lá fora e de pássaros cantando. Essas coisas são experimentadas separadamente, e no entanto como pertencentes a um único momento presente. Este muitos-em-um é uma noz muito mais dura de quebrar do que o mistério da Trindade.

Mais importante ainda, a atividade neural não oferece explicação sobre a fonte da "referencialidade": a qualidade essencial da consciência, que significa que minhas percepções, crenças e esperanças se referem a algo diferente de impulsos neurais. A referencialidade dos conteúdos da consciência - que os filósofos tradicionalmente chamam de "intencionalidade" - é plenamente desenvolvida nos seres humanos, que são conscientes de si mesmos como separados de seus mundos de objetos, signos e conceitos. E a intencionalidade é a origem última da esfera humana: a comunidade de mentes, tecida por um trilhão de apertos de mão cognitivos ou atenção compartilhada, dentro da qual nossa liberdade opera e nossas vidas narradas são conduzidas.

O outro pilar do biologismo - a darwinite - também decorre do erro de identificar a mente com o cérebro. Se o cérebro é um órgão que evoluiu para otimizar as probabilidades de sobrevivência, segundo essa teoria, a mente também é. A darwinite, consequentemente, confunde a evolução biológica da espécie com o desenvolvimento de nossa cultura. A teoria da evolução descreve os processos da seleção natural que sem dúvida deram origem ao Homo sapiens. Mas é errado concluir que se aceitarmos essa teoria também teremos de procurar uma explicação evolucionista da gênese e da forma da cultura humana.

Mas a darwinite é ainda mais vulnerável a ataques que a neuromania. Veja a diferença entre uma hora de vida animal e uma hora de vida humana. Admito que apreciar a diferença é mais difícil quando falamos em linguagem que animaliza o comportamento humano e humaniza o comportamento animal. Daisy, a vaca, bate em um arame elétrico e a partir de então o evita. Eu decido que quero melhorar minhas chances na vida, então me matriculo em um curso que começa no ano que vem e contrato uma babá para que eu tenha mais tempo para estudar. Tanto Daisy como eu podemos ser descritos como praticantes do "comportamento aprendido", mas isso oculta diferenças profundas. Estas incluem meu complexo sentido de tempo e o fato de que estou lidando com estruturas e hábitos abstratos. Nós conduzimos nossas vidas, regulando-as por narrativas compartilhadas e individuais, enquanto os animais meramente as vivem.

Muitas pessoas acreditam que o biologismo decorre inevitavelmente da teoria evolucionista. As pessoas muitas vezes pensam que sou um criacionista ou um prosélito de alguma religião. Para constar, sou um ateu humanista, um médico e neurocientista para quem a ciência é nosso maior monumento intelectual. Sou um agnóstico ontológico, não um dualista cartesiano. Só porque eu nego a identidade da mente com a atividade cerebral, não significa que eu considere a mente como um fantasma no maquinário do cérebro.

Acredito que há muito trabalho a ser feito para dar sentido a um mundo que contém objetos materiais como seixos ou cérebros e itens mentais como pensamentos e experiências. Não aceito que a única alternativa a um relato sobrenatural da humanidade seja um naturalista. Entre o nascimento e a morte, habitamos uma comunidade de mentes, um mundo humano que vai além da natureza, onde podemos conscientemente usar o que aprendemos sobre as leis da natureza para fins não pretendidos na biosfera.

Isto levanta perguntas sobre como chegamos a ser tão diferentes, onde se situa a mente humana no universo material e quais são os limites de nossa capacidade de nos transformarmos. Se rejeitarmos a ideia de que a atividade neural é idêntica à consciência, como deveremos entender o papel central que o cérebro tem em nossa vida consciente? Mas não faremos progresso com essas perguntas enquanto pensarmos que já as respondemos. Em particular, enquanto ignorarmos os aspectos irredutivelmente relacionais da consciência humana - sua referencialidade, sua participação na comunidade de mentes, em que sujeito e objeto são parceiros inseparáveis -, ficaremos pendentes de perguntas estéreis sobre onde ela se localiza, senão no cérebro.

O biologismo também importa porque defende uma concepção degradada da humanidade. Não é histeria sugerir que relatos de pessoas como organismos vorazes, dominados por imperativos biológicos dos quais não têm consciência, poderiam se autorrealizar.

Enganos que têm uma aceitação tão ampla quanto os que acabei de descrever não poderiam ficar sem consequências. Eles impedem nosso caminho para melhores respostas, para o que somos e para uma melhor compreensão de nossa relação com o mundo físico que nos cerca.

*Raymond Tallis foi eleito "fellow" da Academia de Ciências Médicas por sua pesquisa sobre acidente vascular-cerebral e epilepsia?

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves




Netanyahu e os místicos de Safed

Historiadores futuros que olharem para a Israel de 2011 balançarão suas cabeças com descrença. Eles notarão que havia vozes de razão que pediam um engajamento construtivo com o mundo árabe; que essas vozes incluíam algumas das estrelas da Defesa Israelense, como os ex-comandantes da Agência de Segurança de Israel – Shin Bet-, como Yaakov Peri e Ami Ayalon, o ex-chefe do Mossad, Danny Yatom, o ex-chefe das Forças de Defesa de Israel, Lipkin-Shahak e o general da reserva, Amram Mitzna. Eles escreverão a respeito da sua Iniciativa Israelense para a Paz, de 2011, que basicamente endossou a Iniciativa da Liga Árabe.

Eles também observarão, com grande interesse, que um ex-chefe do Mossad, conhecido por suas táticas audaciosas, Meir Dagan, certamente não suspeito de ser um intelectual liberal de pouco punho, também pediu que os israelenses se engajassem na iniciativa da Liga Árabe, enquanto alertava sobre a estupidez de atacar militarmente o Irã. Eles apontarão que a reação de um dos ministros foi solicitar medidas contra Dagan, em vez de tentar levar as palavras de Dan a sério.

O que Netanyahu estava fazendo nesse período? Ele reuniu sua coalizão em Safed, a cidade que estava nas manchetes porque o rabino Shmuel Eliyahu, que fez um nome ao emitir declarações extremistas contra árabes. A coalizão MK terminou seu fim de semana entoando a canção baseada nos textos do Rabino Nachman da Bratislava: “O mundo todo é apenas uma ponte estreita; a essência é não ter medo”.

Nossos historiadores futuros terão de tentar entender por que o governo israelense e os legisladores preferiram se reunir em Safed cantando contra o medo em vez de se engajar no mundo exterior, em tentativas construtivas de salvaguardar a existência de Israel no futuro. Por que não escutaram o Presidente Shimon Peres alertar que sem um acordo de paz com os palestinos Israel deixará de ser um país judeu democrático?

Peres, escreverão os historiadores, tinha boas razões para estar preocupado: a única coisa que não se pode obter de Netanyahu, Lieberman, Yaalon e o resto do governo israelense era uma visão para o futuro dos israelenses. Eles entraram num estado de transe; próximos demais, na verdade, dos místicos de Safed que escreveram grandes obras sobre a cabala no século 16. Alguns deles são de uma beleza assombrosa, mas os místicos de Zefat não tinham de comandar um país.

A atual desconexão do governo do mundo na verdade tem mais em comum com a psicologia das seitas religiosas que se tornaram tão convencidas a respeito de sua própria verdade que não se preocupam mais com o mundo como um todo. Estão com uma mentalidade que prefere uma visão mística e um pseudo-heroísmo mal direcionado a encarar o mundo com uma política pragmática. Assim o gabinete do governo está agora para revogar o veto de Ehud Barak ao direito de construir na Cisjordânia: intoxicados com seu sonho do Grande Israel, não querem mais impedimento a sua visão messiânica.

Historiadores do futuro observarão que Netanyahu gostava de pensar em si mesmo como uma espécie de Churchill israelense, mas sua mentalidade se parece muito mais com a de Bar-Kochba, que liderou o levante no século II contra os romanos que terminou com a morte violenta de mais de 500 mil judeus. Os historiadores podem descobrir que Netanyahu pode ter sido largamente influenciado por uma canção infantil que dize que Bar Kochba foi um herói, que todo mundo o amava e que ele esqueceu que as gerações talmúdicas futuras viram Bar Kochba como uma das maiores catástrofes da história judaica.

Em outras palavras: Netanyahu e companhia criaram na verdade uma atmosfera na qual Bar Kochba e Massada se tornaram mais reais que a União Européia, a ONU, a Liga Árabe e o resto do mundo. O país parece imerso na mitologia de que o mundo está lá fora para nós, e que, como Netanyahu disse final e claramente, o conflito israelo-palestino é insolúvel.

Vivendo em 2011, nós não sabemos como o futuro parecerá. Não sabemos se Netanyahu e Lieberman irão, como se preocupa Peres, destruir o sonho sionista de um país judeu democrático; ou se, depois de anos inúteis de isolamento internacional, Israel irá recuperar um governo com objetivos pragmáticos que salvarão o país.

Um governo pragmático assim não será eleito tão cedo. Netanyahu e Lieberman tem sido bem sucedidos em amedrontar a maior parte dos israelenses para além do razoável: uma pesquisa recente bancada pelo Centro Israelense para Assuntos Públicos, uma organização ligada à direita, mostrou que 77% dos israelenses são contrários ao retorno das fronteiras de 1967, mesmo que isso leve a um acordo de paz e a declarações dos Estados árabes do fim de seu conflito com Israel.

O misticismo messiânico e o pseudo-heroísmo cego de Bar Kochba tem fascinado a imaginação de Israel. Devemos ter esperança de que os resultados não serão tão catastróficos, e de que a história não repetirá a si mesma.

Tradução: Katarina Peixoto

Texto visto na Agência Carta Maior