quarta-feira, 22 de junho de 2011

Alguém quer agir

Alguém quer agir

UM DOS MUITOS efeitos negativos do caso Palocci foi obscurecer, no seu longo domínio da atenção jornalística, alguns fatos relevantes, dos quais dois retornam aqui. É a onda de mais assassinatos sucessivos na luta da terra e da madeira no Pará e, no Mato Grosso do Sul, o ataque com fogo a um ônibus que levava 35 estudantes índios.
Lá pelo quarto ou quinto assassinato em série, o Ministério da Justiça decidiu mandar algumas dezenas de integrantes da Força Nacional para a região, com agentes da Polícia Federal.
Se a ida se destinava a conter os assassinatos, não conteve. Se deveria proceder a investigações, identificar e prender assassinos e mandantes, não há informação de que sequer se aproximasse disso, com a suposição de pistas. Não houve informação alguma, aliás, de coisa nenhuma por lá, a não ser um assassinato a mais. Silêncio (ou sigilo também?) cuja permanência se deve, em comum, ao Ministério da Justiça e aos meios de comunicação.
Dentro de uma aldeia terena, em Miranda, a monstruosidade do crime é assombrosa: foi jogado um coquetel molotov no ônibus dos estudantes. O incêndio queimou quantidade não informada de índios, mas de quatro houve a notícia de sua internação em estado muito grave, na Santa Casa de Campo Grande. Desde então, começo do mês, nenhuma notícia sobre alguma providência do Ministério da Justiça. Ou sobre a exceção de uma descoberta da polícia estadual quanto à autoria ou ao mandante. Ou notícia dos meios de comunicação sobre o crime mesmo ou sobre o que veio a se passar com as vítimas.
Nos dois Estados, os crimes se deram em focos de conflito bastante conhecidos. E, como induz a tradição, sem medidas preventivas dos governos estaduais e do federal. Muito antes de sua inclusão nos fatos atuais, Eldorado do Carajás celebrizara-se há 15 anos com o massacre de 19 sem-terra, episódio a que juntou o assassinato da irmã Dorothy Stang. Eldorado, Marabá, Bico do Papagaio, a geografia regional foi se tornando conhecida, em Brasília, no Sudeste e no Sul, como as guerras ensinam um pouco de geografia ao Ocidente. Conhecimento, também este, inútil.
A violência que se passa em um foco de conflito apenas difere em grau, ou nas ondas de intensidade, do que é vivido nos outros focos. Centenas, é provável que milhares de focos. Nem por isso, cumprida já metade do seu primeiro ano de mandato, soube-se de uma só palavra no governo Dilma sobre essa desgraça nacional.
Ao menos de um setor institucional vêm uma ideia e a disposição de agir. Alarmados com a constatação de que, de 219 assassinatos no meio rural do Pará, só 4, nos últimos dez anos, tiveram processos judiciais, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) lança a ideia de federalização dos processos de crimes contra direitos humanos. Ou seja, de transferência, para a Justiça Federal, dos processos e julgamentos de tais crimes.
A Justiça Federal não está sujeita às pressões das circunstâncias que agem sobre as polícias e instâncias judiciárias estaduais, assim como o Ministério Público Federal.
A Ajufe quer levar ao Congresso a proposta de emenda constitucional para definir os crimes contra direitos humanos e fazer a transferência inovadora. Merece todo o apoio possível - mas, sabe-se, incerto.


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 21 de junho de 2011.

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