Redes criminosas podem transformar Guatemala em "narcoestado"
Pablo Ordaz
Enviado especial à Guatemala
A Guatemala é o primeiro narcoestado da América Latina? Segundo os promotores que lutam contra a impunidade na região, se ainda não é, está a ponto de se tornar. “A Guatemala é um país pequeno, com uma longa tradição de corrupção e uma economia muito frágil – a carga de impostos chega apenas a 10% do PIB – o que impede o desenvolvimento de políticas sociais”. Desta maneira, o espaço que o Estado abandonou foi passando para as mãos do crime organizado.
Até o próprio presidente, Álvaro Colom, reconheceu isso há alguns dias para este jornal: “Quando prendemos o chefão Lorenzana, as pessoas me diziam: 'soltem-no, ele nos dá dinheiro e trabalho...'. Posso garantir, sem medo de estar equivocado, que os governos anteriores planejaram a entrega do país ao narcotráfico”.
Segundo os promotores, a Guatemala é governada por duas redes criminosas locais, que tentam resistir à invasão do cartel mexicano dos Zetas, que já aconteceu – à base de extorsão e morte – na região norte do país. Há uma semana, e apenas alguns dias depois de decapitar 27 camponeses em Petén, os Zetas voltaram a matar. Desta vez o auxiliar de um fiscal de Cobán, na departamento de Alta Verapaz.
“Os dois crimes foram muito bem planejados”, explicou um importante fiscal à reportagem, “tratava-se de lançar duas mensagens, uma para os cidadãos e outra para as instituições. E posso afirmar que o medo já está começando a surtir efeito. Há fiscais renunciando e outros pedindo a transferência para áreas mais seguras. E, além disso, o governo disse que não pode proteger nem juízes nem funcionários públicos, o que revela a fragilidade do presidente”.
Numa tarde recente de domingo, o presidente Álvaro Colom recebeu em seu gabinete uma lista com 12 nomes. Doze juízes e fiscais envolvidos na luta contra o crime organizado e cujas cabeças a máfia pôs a prêmio. O presidente chamou seu ministro de governança, Carlos Menocal. Este avaliou o assunto e, alguns dias depois, declarou à imprensa: “O Estado não tem capacidade para oferecer um carro blindado para os juízes ameaçados”.
Segundo o promotor, o resultado foi nefasto: "O que o governo fez foi colocar um alvo nos funcionários. Talvez as pessoas não se deem conta de que na Guatemala, e em toda a América Central, o narcotráfico está avançando muito rapidamente. Vão matar mais promotores, vão matar mais cidadãos”. No dia seguinte, os jornais de Honduras abriram com a seguinte notícia: “Assassinos matam chefe dos promotores”.
Nem na Guatemala, nem em Honduras, nem no Panamá a justiça funciona. O que funciona, e muito bem, segundo a DEA, é o crime organizado. Segundo o chefe de operações da agência antidrogas norte-americana, Thomas Harrigan, está se detectando um aumento substancial do tráfico de produtos químicos indispensáveis para a elaboração de certas drogas para a América Central, assim como de heroína procedente da América do Sul. Tal como demonstram os gráficos da DEA que o presidente Colom mostrou a este jornal, o tráfico de aviões que partem da fronteira entre a Venezuela e a Colômbia e aterrizam nas pistas clandestinas da Guatemala, Honduras e Panamá só cresce. Assim como o tráfego marítimo. Segundo o chefe do DEA, “os navios da droga parte da América Central para abastecer o planeta inteiro”. Isso é possível, acrescentou, por causa da corrupção e da falta de treinamento das forças policiais.
Harrigan não falou, quanto compareceu ao Senado, sobre a responsabilidade dos EUA nas calamidades que afligem a América Central. Os EUA não são apenas o comprador de 84% da droga que parte em aviões ou no fundo dos milhares de contêineres que saem da América Central, mas também fazem parte do capítulo mais abominável: o tráfico de pessoas.
“O tráfico de crianças”, segundo os fiscais consultados, “é um negócio que deixa na Guatemala cerca de 200 milhões de dólares anuais”. A Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) conseguiu enviar para a prisão os principais envolvidos que arranjavam as adoções. É a única boa notícia. Eles o faziam com a cumplicidade de funcionários que utilizavam documentos falsos para encobrir o roubo de crianças e com tanta impunidade nem se preocuparam em ocultar as provas. Seguir seu rastro foi fácil. O difícil é encontrar juízes valentes para arriscar a vida enviando-os à prisão.
Tradução: Eloise De Vylder
Texto do El País, republicado no UOL.
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