quinta-feira, 2 de junho de 2011

Ustra e as unhas de Lobão

Ustra e as unhas de Lobão

SÃO PAULO - Depois de ler o artigo do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, "O delírio de Pérsio Arida", publicado sexta-feira por esta Folha, é possível ter a nítida sensação de que o ex-chefão do DOI quis torturar Arida pela segunda vez. Vale aqui a máxima da história que se repete, como tragédia e como farsa.
No ensaio que escreveu para a revista "Piauí", o economista relata a sua prisão em 1970, no DOI paulista, e sua transferência para o Rio, semanas depois, onde foi torturado com choques e pauladas. Ustra chefiava o DOI de SP e diz que a viagem ao Rio nunca existiu. Questiona várias passagens do texto para sustentar que Arida mentiu sobre a tortura. É este o ponto que importa.
Quanto vale a palavra de Brilhante Ustra? Entre 1970 e 1974, passaram pelo DOI que ele chefiou cerca de 2 mil presos. Contam-se mais de 700 denúncias de tortura praticadas nas dependências do prédio da rua Tutoia, onde funcionavam o DOI e a Oban.
Ustra escreveu dois livros sobre a sua versão da ditadura. Neles, não admitiu um único caso de tortura sob sua responsabilidade. A palavra de Ustra não vale nada.
Ou é uma espécie de escárnio, de exercício vingativo da própria impunidade, um sintoma atroz da condescendência com que o país democrático tratou os torturadores, como se nada tivesse acontecido.
A desfaçatez do herói da ditadura encontrou um parceiro da pesada na figura do compositor Lobão. Em palestra no interior paulista, domingo, ele criticou o "excesso de vitimização" na esquerda brasileira e disse: "A gente tinha que repensar a ditadura militar. Tem que ter anistia para os caras de esquerda que sequestraram o embaixador e para os caras que torturavam, arrancavam umas unhazinhas, não? Essa foi horrível. Mas é bem isso".
Ustra tenta apagar o registro da tortura; Lobão faz deboche com ela. A pretexto de criticar a luta armada, acaba equiparando torturado e torturador. Só falta dobrar a aposta e compor o rock "Ustra tem razão".



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