Curdos descobrem os limites da liberdade
Por TIM ARANGO e MICHAEL S. SCHMIDT
Por TIM ARANGO e MICHAEL S. SCHMIDT
SULAIMANIYA, Iraque - Os manifestantes deixaram a praça central, expulsos pelas forças de segurança. As cadeias foram esvaziadas dos estudantes e jornalistas detidos por falarem o que pensam em público. Os feridos estão em suas casas, cuidando dos seus ferimentos. Os protestos pró-democracia que se espalham pelo mundo árabe chegaram à região curda semiautônoma do Iraque há quase três meses, inspirados pelas revoltas na Tunísia e no Egito. Mas as manifestações terminaram mais como as do Bahrein e de Omã, esmagadas por um governo autoritário.
"Temos vergonha do que eles fizeram", disse Bayan Barwai, membro do Partido de União Islâmica, partido oposicionista que apoiou os protestos. "Sessenta dias e nada." A repressão na região conhecida como "Curdistão iraquiano", onde pelo menos dez pessoas foram mortas, trouxe à tona perguntas sobre o tipo de governo que a guerra americana deixou na região mais estável do Iraque, além de acusações de que os americanos teriam fechado os olhos para a reação. Ao mesmo tempo em que a invasão americana derrubou a ditadura de Saddam Hussein, ela infundiu coragem ao governo regional curdo, por muito tempo dominado por dois partidos caracterizados por um sistema clientelista arraigado, levando-o a reforçar seu domínio sobre o poder.
"Os partidos estão agindo da mesma forma como agiam os baathistas no passado", comentou a jornalista Chnor Muhammed, 33, que foi ferida na mão esquerda, aludindo ao partido de Saddam Hussein.
Os protestos, iniciados aqui em meados de fevereiro, pegaram a região de surpresa. Situada no norte do Iraque, ela tem estado relativamente livre da violência que dilacerou o resto do país, fato que a converteu em paraíso para investimentos estrangeiros, e tem vínculos estreitos com os EUA, que vêm fornecendo garantias de segurança. Quase todos os dias, centenas e, às vezes, milhares de pessoas se reuniam na praça central de Sulaimaniya para reivindicar o fim do governo conjunto do sistema bipartidário, que, segundo os manifestantes, é corrupto e repressor. Os manifestantes exigiam a renúncia de autoridades de alto escalão, a instalação de um governo provisório e eleições. "As pessoas daqui estão tão frustradas quanto no resto do Oriente Médio", disse Muhammad Tawfeek, porta-voz do partido oposicionista Gorran, que participou dos protestos de rua.
Em abril, depois de mais de dois meses de protestos diários, as manifestações foram sufocadas quando o governo ordenou a ocupação da praça central pelas forças de segurança. Elas abriram fogo e prenderam manifestantes, ações que suscitaram críticas acirradas de grupos de defesa dos direitos humanos.
A repressão criou um desafio inesperado para diplomatas americanos que vinham confiando na região para servir de contraponto estável à violência e disfunção política que continuam a fustigar o restante do Iraque. "O Curdistão é o único lugar no Iraque do qual os EUA podem se orgulhar", disse Airy Hirseen, líder do Partido Democrático do Curdistão, que governa a região em conjunto com a União Patriótica do Curdistão.
Várias testemunhas disseram que um oficial militar americano foi visto na praça central durante os protestos, e cresceu entre os manifestantes a impressão de que os americanos foram coniventes com a reação intransigente. "Eles deram sinal verde para a UPC fazer o que quisesse com os manifestantes", disse Adnan Osman, deputado do partido Gorran no Parlamento regional.
Um porta-voz da embaixada americana disse que os americanos exortaram as forças de segurança curdas a agirem com moderação e pediram que ambos os lados se abstivessem de violência.
"A posição dos EUA tem sido clara: a população da região do Curdistão iraquiano, assim como a população de todo o Iraque e, de fato, de toda a região, tem o direito universal de manifestar-se pacificamente, de reunir-se livremente, de buscar reparação do seu governo e expressar-se sem medo de intimidação ou morte", disse o porta-voz David J. Ranz. "Incentivamos o governo regional curdo a dar uma resposta às queixas e às preocupações legítimas expostas pelos manifestantes."
Desde que a turbulência começou, o governo curdo não empreendeu reformas significativas, ilustrando o que muitos enxergam como sendo a influência cada vez menor dos EUA, à medida que se aproxima o prazo final para a retirada de todas as tropas americanas do país.
"Os curdos são aliados importantes dos EUA, e a situação doméstica no Iraque é muito frágil. Washington hesita em se impor fortemente, de uma maneira que possa abalar o barco já instável", disse Kenneth Pollack, especialista em questões de segurança nacional no Instituto Brookings, grupo de políticas públicas com sede em Washington. Pollack disse que a resposta dos EUA às repressões é semelhante a sua resposta à turbulência em outros países, especialmente no Bahrein, país com o qual os EUA acreditam que precisam de um relacionamento estratégico de longo prazo.
Hirseen disse que os protestos e a resposta do seu governo refletem uma divisão geracional entre as aspirações democráticas da juventude curda e os traumas da ditadura, guerra civil e genocídio, que ainda assombram a velha guarda. A liderança atual, que chegou à maioridade em uma época em que a violência era a norma, tem probabilidade maior de enxergar a violência como ferramenta de governo aceitável. "Não dá para se surpreender com as pessoas de minha geração que dizem 'adoro armas'", disse ele.
O movimento de protestos no Curdistão iraquiano está paralisado por enquanto, mas o sentimento de revolta está apenas aumentando entre a oposição e a geração jovem. "Não acho que tenha terminado", disse Osman, do partido Gorran. "As coisas vão continuar a ferver. Acho que os protestos vão recomeçar e ainda mais fortes."
Com reportagem de Duraid Adnan e de um funcionário do jornal "The New York Times"
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