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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Epidemia de violência na América Central causa crise humanitária

A América Latina vive crise humanitária para muitos invisível. É mais fácil o brasileiro médio saber que há refugiados deixando a Síria do que ouvir falar de milhares de pessoas, neste mesmo continente, que vêm abandonando seus países todos os dias.
Diz-se dos que tentam atravessar de modo ilícito a fronteira do México com os EUA que são "imigrantes ilegais". Correto tecnicamente, o termo só maquia uma realidade brutal.
O Triângulo do Norte (El Salvador, Honduras e Guatemala) vive umaepidemia de violência que pôs a região no primeiro lugar entre as mais homicidas do Ocidente.
Só El Salvador (população: 6,5 milhões) fechou 2016 com uma taxa de 81,2 mortos por 100 mil habitantes. Os outros dois países o seguem de perto. Cerca de 10% da população já abandonou a região.
Citando o jornalista Jon Lee Anderson, "essas pessoas estão fugindo, e não imigrando". Anderson cobriu a guerra civil em El Salvador (1979-1992), que deixou 70 mil mortos. A atual crise já supera a cifra daqueles mais de 12 anos de conflito.
Pendurados em trens de carga, vulneráveis ao sequestro pelos cartéis, entregando os filhos a "coiotes" —enquanto as mulheres tomam anticoncepcionais antes de partir porque serão estupradas no caminho—, os centro-americanos seguem correndo para o Norte.
Em 2016, segundo o governo dos EUA, os imigrantes ilegais do Triângulo do Norte já ultrapassaram os que vêm de outras origens.
Quão terrível é a realidade que deixam atrás? Ainda mais quando Donald Trump promete deportar milhões de indocumentados?
A história talvez pudesse oferecer uma lição ao presidente eleito dos EUA. Afinal, a atual epidemia de violência centro-americana começou na Califórnia. Ali, no universo das gangues de Los Angeles, os filhos dos que fugiram das guerras civis da América Central dos anos 80 formaram dois bandos: Mara Salvatrucha e Barrio 18.
Nos anos 90, os EUA realizaram uma ampla deportação de indocumentados, e esses criminosos aterrissaram em países cujas economias mal se recuperavam dos tempos de conflito, ou seja, que não lhe deram oportunidades.
Hoje, a Mara Salvatrucha e a Barrio 18 são facções criminosas com cerca de 100 mil integrantes. Atuam na extorsão de comerciantes, fazendeiros e transportadoras. A sangrenta disputa de ambas por território destrói as vidas dos civis que estão no meio. O êxodo dos centro-americanos é uma fuga desesperada dessa violência.
Se Trump apostar novamente num projeto de deportação em grande escala, estará apenas cometendo o mesmo erro que os EUA já perpetraram no passado, e realimentando as máfias do Triângulo do Norte. Mais gente, então, buscará fugir, dando continuidade a esse ciclo sangrento.


Reportagem de Sylvia Colombo, para a Folha de São Paulo

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Da esperança ao medo


Da esperança ao medo

Garota vive odisseia após falsas promessas

Por DAMIEN CAVE e FRANCES ROBLES

EL PARAÍSO, Guatemala - Meses atrás, traficantes de pessoas colocaram um anúncio na rádio em que perguntavam: "Você quer viver melhor? Venha comigo". Cecilia, uma menina irrequieta, estava louca para ir.
Seu padrasto tinha sido assassinado, forçando sua família a ir morar no casebre de uma tia, com apenas três camas para dez pessoas. Era tudo o que tinham -e o que o traficante de pessoas exigia. Ele ofereceu um empréstimo de US$ 7.000 para a jornada de Cecilia, tomando o imóvel como garantia. "Eu lhe dei a escritura original", disse Jacinta, sua tia, observando que o traficante deu um ano para eles pagarem a dívida, com juros.
A viagem durou quase um mês e transformou-se em sequestro. A liberdade só veio depois de um pagamento de mais US$ 1.000, feito enquanto os sequestradores brandiam uma arma junto à menina.
Agora em Miami, Cecilia, 16, é uma entre os mais de 50 mil menores desacompanhados que em menos de um ano chegaram ilegalmente aos Estados Unidos provenientes da América Central. Embora o número de recém-chegados venha diminuindo, o governo de Barack Obama se diz determinado a enfrentar o problema.
Mas será difícil desbaratar essas quadrilhas. Por trás da onda de jovens migrantes tentando a sorte no sonho americano, há um sistema capitalista cruel e desregulamentado, com capacidade comprovada de se adaptar. A indústria de tráfico humano na região movimenta bilhões de dólares, segundo especialistas, e tornou-se mais sofisticada do que nunca, empregando um crescente número de oportunistas que sequestram, estupram e roubam.
Milhares de migrantes são sequestrados e sofrem abusos ao atravessar o México. Outros, como Cecilia, são mantidos como reféns nos EUA.
Nebaj, município que inclui El Paraíso, fica nos confins do planalto da Guatemala. Esta é a terra dos ixil, indígenas maias famosos por tecerem saias vermelho-vivo -e por terem sido vítimas de uma campanha militar que matou milhares de pessoas durante a guerra civil da década de 1980 na Guatemala. A região há anos manda gente para o norte. Em aldeias de todo o município de Nebaj, são comuns histórias de terrenos perdidos para os coiotes e os bancos.
"Às vezes eu acho que o meu pai não estava pensando nas consequências de ir embora", disse Magdalena Raymundo, 25, em um barraco com chão de terra que divide com o marido, na zona rural de Nebaj. Ela e sua mãe devem cerca de US$ 13 mil a um banco por causa de uma viagem que seu pai e seu irmão empreenderam em 2006.
Jorge Gúzman, gerente de uma das duas agências do banco Banrural em Nebaj, disse que os empréstimos têm mais chances de serem aprovados se a família tiver um parente mandando dinheiro do México ou dos EUA. Os empréstimos deveriam servir para a construção ou para melhorias agrícolas, mas Gúzman admitiu que uma grande parte dos recursos é usada para pagar viagens para o norte.
O número de coiotes cresce, segundo muitos aqui, porque esse é o melhor trabalho na região. Uma viagem costuma render mais do que um ano de salário de um professor.
"Eles enxergaram uma oportunidade de negócio e convenceram pessoas na América Central de que, de alguma forma, as leis dos Estados Unidos permitiriam a permanência delas", disse Luis Fernando Carrera Castro, ministro de Relações Exteriores da Guatemala.
Cecilia, que não quis que o seu nome completo e o de seus parentes fossem divulgados, sabia que a viagem seria arriscada. Sua prima Ana, 21, já havia tentado duas vezes e foi deportada em ambas. Mas Cecilia acreditou nas promessas de um traficante. "Eu pensei que, quando chegasse aos EUA, iriam me dar documentos -o coiote disse isso", contou ela.
Então, numa manhã de maio, Cecilia colocou cinco calças e cinco camisas em uma mochila e partiu. O coiote a apanhou, com mais meia dúzia de pessoas.
Primeiro, eles foram de ônibus até a fronteira com o México. Em seguida, outro conjunto de coiotes levou o grupo pelo México, novamente de ônibus, até chegarem à cidade de Reynosa, na fronteira com McAllen, no Texas. Ela contou que lá passou cerca de uma semana em um galpão com cerca de cem pessoas, até que cruzou o rio Grande e, finalmente, desembarcou em uma casa perto de McAllen. Cerca de 85 pessoas se espremiam. Os novos guias eram rudes. "Eles pegaram todo o nosso dinheiro", disse Cecilia.
Depois de cerca de uma semana, outro coiote conduziu um pequeno grupo pelo deserto, para evitar os postos de controle. "Vi duas pessoas mortas no deserto", lembrou ela. "O coiote tinha comida para si, mas não para nós."
Um carro chegou para recolhê-los. Eles se espremeram, sete ao todo, e foram levados a Houston. O novo coiote começou a ligar para o pai dela, Jacinto, que havia ido para os Estados Unidos quando jovem, mas voltou à Guatemala há mais de uma década, com uma segunda família. "O homem disse que, se não lhes pagassem, não nos deixariam sair", disse Cecilia.
É um esquema comum. Apesar de milhares de crianças terem se apresentado aos funcionários das fronteiras americanas nos últimos meses, muitos traficantes retêm outras para fins de extorsão. As autoridades americanas observam que os culpados nesses casos provavelmente não têm nada a ver com os coiotes originalmente contratados pelos migrantes. "Se fosse hierárquico, poderíamos eliminar o topo, mirar a liderança. Seria simples desbaratar a organização", disse Brian Moskowitz, agente especial de Investigações da Segurança Doméstica em Houston. "Como há filiações tênues entre células e redes -que formam, rompem e alteram alianças- fica muito difícil."
Muitos advogados estimam que 20 mil pessoas sejam sequestradas no México a caminho dos Estados Unidos por ano. Em alguns casos, as mulheres são usadas como moeda em pedágios montados por cartéis de drogas. Nos Estados Unidos, os traficantes eventualmente compram migrantes para extorquir seus parentes. Poucas famílias chegam a chamar a polícia.
A mãe de Cecilia, aflita após passar semanas sem notícias dela, pegou um empréstimo em dinheiro vivo, na esperança de chegar aos Estados Unidos, encontrar sua filha e pagar o empréstimo original. Mas, na fronteira com o México, um coiote roubou tudo o que ela tinha e se recusou a levá-la para o norte, porque ela estava grávida.
Jacinto então passou a ser considerado responsável pelas dívidas, mas não tinha como pagá-las. Cecilia disse que seu sequestrador se tornou mais agressivo.
Antes de Cecilia viajar, seu pai lhe deu o número do telefone residencial de uma ativista de direitos humanos de Miami, para quem Jacinto havia trabalhado como cortador de grama na adolescência. Fazia anos que ele não via essa família, chamada Marín. "Recebi um telefonema, e era uma menina dizendo: 'É a Cecilia. Você pode me ajudar? Não me deixam sair se eu não pagar'", disse a sra. Marín, que não quis ver seu nome completo publicado. "Eu disse: 'Quem é Cecilia?'."
O coiote deixou claras as suas exigências: queria US$ 500 imediatamente, e alguém teria de ir a Houston para recuperar a menina. Uma série de ligações depois, Marín percebeu que Cecilia era filha do seu ex-empregado.
Ela aceitou pagar US$ 500, e o homem concordou em viajar com a menina para Miami. Mas, a cada divisa estadual que ele cruzava, ligava exigindo mais.
"É uma chantagem vil", disse ela, que, no entanto, aceitou encontrar o sequestrador em Naples, a duas horas de Miami. "Não tive escolha", disse Marín. "Eles iriam prostituí-la."
A viagem terminou perto de uma loja de conveniência, onde Marín e seus acompanhantes encontraram um jipe vermelho com placas temporárias. Havia dois homens no carro. O motorista levantou a camisa para mostrar a arma enfiada na calça. Ele queria US$ 1.500, mas Marín havia trazido apenas US$ 900. Sua irmã achou mais US$ 100 na sua bolsa.
"Quando ele mostrou a arma, eu fiquei furiosa", disse Marín. "Eu falei: 'Olha, senhor, eu não a conheço. Eu não contratei você. Leve-a!'." Ele pegou os US$ 1.000 e deixou Cecilia sair do carro.
Ao longo das semanas seguintes, o pai de Cecilia foi ameaçado pelo credor e sua mãe deu à luz, acrescentando mais um filho à casa lotada de onde em breve a família pode ser despejada. Cecilia descobriu que seu sonho de mandar US$ 1.000 por mês para casa não era realista. Mas, a julgar pelo que disse o traficante quando a liberou, até que Cecilia se deu bem. "Você deveria ser grata", afirmou. "Nós a tratamos bem."


Reprodução de reportagem do The New York Times, na Folha de São Paulo

Vitórias

As condições extraordinárias da Bolívia, que o êxito eleitoral de Evo Morales faz o mundo notar, devem muito a ter existido o governo Lula.
A reação conservadora à primeira vitória de Morales foi feroz. O secular golpismo boliviano ativou-se logo, impulsionado pelo agronegócio do Departamento de Santa Cruz, com apoio, inclusive, de brasileiros que exploram muitas terras naquela Estado fronteiriço. Em pouco tempo, o golpismo progrediu para separatismo, disposto a recorrer mesmo à guerra civil. Os golpistas contavam com apoio daqueles conhecidos patrocinadores de golpes na América Latina. Foi a intervenção contrária de Lula, com intensa e sigilosa atividade do governo brasileiro, que conteve ou facilitou a contenção da incandescência que se iniciava, inclusive com mortes.
Até a região de Santa Cruz deu a vitória a Morales.
A política externa brasileira está sob ataque dos ex-embaixadores adeptos da proximidade com as políticas dos Estados Unidos, por eles praticada até 2003. Muitas das posteriores iniciativas por eles desaprovadas, porém, levaram a avanços não só para o Brasil. Todas sem o apoio, também, dos meios de comunicação brasileiros. Pena que tudo isso ainda esteja por ser contado.
Do lado boliviano, o governo Lula encontrou um interlocutor difícil, mas brilhante: o vice-presidente Álvaro García Linera, que é a cabeça política do projeto liderado por Evo Morares e o estrategista do governo. Uma opinião brasileira sobre ele: "É difícil porque ora ele raciocina como político, às vezes tem a cabeça de físico, e sempre é o intelectual".


Trecho da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Justiça reconhece crimes de guerra na Guatemala


A Guatemala é um país de culturas milenares. É também uma democracia nova, onde sete em cada dez residentes têm menos de 30 anos: os jovens estão desconcertados com a disfunção da política e com a violência que assolou o país durante décadas. Os fatos que, 30 anos atrás, mergulharam muitas famílias no luto são, em geral, desconhecidos pelas gerações mais jovens.
Mas, em 10 de maio, numa sala tomada por uma multidão tão diversificada quanto a própria Guatemala, a juíza Jazmín Barrios anunciou a sentença que condenou o ex-ditador José Efraín Ríos Montt a 80 anos de prisão por genocídio e crimes de guerra.
O veredicto foi surpreendente em um país onde a elite governante sempre agiu impunemente ao reprimir a população, muitas vezes com violência. Durante o julgamento, um segmento grande e influente da direita atacou o processo, empregando a mesma retórica anticomunista usada durante a campanha de repressão às comunidades indígenas, no início da década de 1980.
Mas o julgamento também ofereceu esperança. Observadores nacionais e internacionais acreditam que o julgamento criou a possibilidade de reconciliação com o doloroso passado da Guatemala e abriu caminho para a construção de uma democracia mais sustentável e legítima. A ideia de que Ríos Montt possa responder por seus atos permite que os guatemaltecos voltem a acreditar no futuro.
Durante as semanas que antecederam esse fato, a política do país estava tumultuada. O debate se deu nas colunas opinativas dos jornais, frequentemente com uma saudável dose da velha ideologia conservadora. Negar os crimes que ocorreram durante 42 anos de regime militar foi uma afronta à catástrofe que muitos guatemaltecos sofreram.
Por essa razão, a condenação e a sentença prisional de Ríos Montt são simbolicamente importantes. Pela primeira vez, foi possível escutar num tribunal os relatos aterrorizantes e dolorosos de vítimas que foram testemunhas oculares da repressão por parte do Estado guatemalteco contra comunidades indígenas e mestiças, uma prática institucionalizada desde 1954. A sentença de Ríos Montt nos permitiu olhar para o espelho e descobrir que aquilo que o governo nos contou durante tantos anos era mentira.
Embora a Corte Constitucional tenha anulado a sentença e o julgamento deva recomeçar em breve, a narrativa desses anos terríveis circulou amplamente, a ponto de impactar um amplo setor da opinião pública. Os anseios democráticos resistiram aos ataques daqueles que se opuseram ao julgamento do ex-ditador. Fatos importantes foram estabelecidos: crimes indescritíveis foram cometidos e uma sociedade aprendeu que isso nunca mais pode acontecer.
Durante as audiências, uma Guatemala multilinguística e multicultural reluziu.
A globalização nem sempre se faz sentir nas cidades da Guatemala e, com frequência, não chega àqueles que vivem em regiões remotas do país. Nos últimos 30 anos, muitos de nós sentimos desespero. No entanto, um grande grupo de pessoas continua lutando por direitos básicos, como Justiça célere, melhores condições de trabalho, mais democracia e crescimento sustentável. Há um forte movimento ambientalista que se opõe à mineração e está tentando proteger a beleza natural do país.
As vítimas contaram sua verdade e reviveram seu inferno. Seu testemunho comoveu até mesmo aqueles que sempre questionaram as reportagens publicadas há décadas pela imprensa. Embora suas vidas tenham sido arruinadas pela tragédia, suas vozes foram finalmente ouvidas. Escreveu o poeta Mark Strand: "Onde o nada, quando acontece, nunca é terrível o suficiente".
Aqui na Guatemala, "nada" de fato aconteceu, e esse "nada" foi terrível demais para todos.


Texto de Gerardo Guinea Diez, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Escavação sugere início multicultural da civilização maia


Escavação sugere início multicultural da civilização maia
Sítio arqueológico na Guatemala mostra origens do estilo de construção que se tornou a marca dessa sociedade
Cidade tinha pirâmide em 800 a.C.; maias sofreram influência mudança cultural na região, indica achado

Assim como toda redação escolar tem começo, meio, e fim", as civilizações também costumam se adaptar à regra.
No caso dos maias da América Central, o começo e o fim são ainda misteriosos.
Sete anos de escavações em Ceibal, na Guatemala, coordenadas pelo casal de pesquisadores Takeshi Inomata e Daniela Triadan, ambos da Universidade de Arizona, produziram uma nova versão para esse início.
Os resultados do estudo sugerem que múltiplos contatos sociais e culturais entre vários povos da região deram a partida na civilização maia.
De acordo com Inomata, essa visão difere das duas principais correntes na quais os arqueólogos se dividem quanto a essa questão.
Segundo ele, um grupo argumenta que a civilização maia se desenvolveu sob a influência da civilização olmeca, a partir do sítio arqueológico de La Venta.
"O outro grupo alega que a civilização maia se desenvolveu de forma independente", declarou ele em uma entrevista coletiva disponibilizada pela revista científica americana "Science", em cuja edição de hoje a pesquisa está descrita.

RITUAL

Nos centros urbanos da América Central pré-colombiana, o lugar mais importante é o chamado "complexo de ritual público".
A equipe demonstrou, por meio de análises do material encontrado e de datações físico-químicas, que Ceibal tinha um desses complexos duzentos anos antes de outros lugares, notadamente o sítio olmeca de La Venta.
O complexo incluía tradicionalmente praça pública, montes artificiais e plataformas eventualmente transformadas em pirâmides.
Ceibal já tinha algo assim em 1000 a.C., tornando o sítio o mais antigo na região maia na planície; em 800 a.C. já havia ali uma pirâmide.
"O local foi ocupado por cerca de 2.000 anos, e os edifícios mais antigos estão enterrados debaixo de 7 a 18 metros de construções posteriores. Tivemos que desenvolver estratégias de escavação que abordavam esses desafios", disse a pesquisadora Daniela Triadan.

COLAPSO

Os maias produziram a mais misteriosa e a mais importante das civilizações da América pré-colombiana.
O mistério se deve ao fato de o seu período áureo ter acontecido bem antes da chegada dos conquistadores espanhóis, terminando em colapso em torno do ano 900, e também de sua escrita só recentemente ter sido decifrada. Pior, a maior parte dos textos maias foi destruída.
Então como terminou a coisa? Um estudo publicado no ano passado na revista científica "PNAS" sobre o sítio da mais importante cidade maia, Tikal, dá pistas.
"O colapso envolveu diferentes fatores [climáticos, sociais e militares] que convergiram como uma tempestade perfeita'. Nenhum fator isolado poderia tê-los derrubado", disse Vernon Scarborough, da Universidade de Cincinnati, à Folha então.
"Os maias não estão mortos. A população agrícola que permitiu à civilização florescer ainda é viva na América Central. O que entrou em colapso foi o seu nível de complexidade social."

Reportagem de Ricardo Bonalume Neto, para a Folha de São Paulo.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Opinião: na América Central, desigualdade, impunidade, corrupção e narcotráfico


Opinião: na América Central, desigualdade, impunidade, corrupção e narcotráfico


M. Á. Bastenier

O centro da América é a parte mais perigosa da Terra; nessa estreita faixa de 2.800 quilômetros de comprimento, 520 mil quilômetros quadrados --pouco maior que a Espanha-- e 45 milhões de habitantes --a mesma população-- se encontram os três países que sofrem a maior violência civil do planeta. Honduras, com 82 homicídios para cada 100 mil habitantes por ano; El Salvador, 71; Guatemala, 52; e 44 para toda a América Central. Todos eles são números oficiais de 2010 e que, por isso mesmo, são muito otimistas.

Honduras tem a dramática distinção de que San Pedro Sula, com 159 homicídios, foi no ano passado a cidade com mais mortes violentas por habitante do mundo inteiro. Ciudad Juárez, no México, só pôde ficar em segundo.

Em novembro de 2011 realizaram-se eleições presidenciais na Guatemala e, há dois domingos, legislativas e locais em El Salvador, e em ambas ganhou claramente a direita de toda a vida, de uma esquerda de fantasia social-democrata, mas sem bases sociais em que se sustentar. Na Europa teria sido interpretada como uma virada conservadora, mas na América Central é mais diretamente a busca do milagreiro que remedie uma situação na qual a recuperação formal da democracia --extinto o fenômeno guerrilheiro nos anos 1990-- é só papel molhado, o mesmo que se deposita pontualmente nas urnas.

A metade dos guatemaltecos --os que votam-- elegeram um antigo general, Otto Pérez Molina, cujo programa é a inevitável mão-dura e a mais que evitável intervenção militar, de um corpo especial chamado kaibiles, que são os enviados nas missões da ONU. E em El Salvador, a Arena, partido do ditador Efraín Ríos Montt, finalmente submetido a julgamento como assassino em série --de massacres-- durante a guerra contra a dissidência, dobrou seu número de lugares para 35, contra 33 do partido da antiga guerrilha FMLN, do presidente Maurício Funes. E com os 11 de Gana, grupo saído da própria Arena, a direita teria maioria no Congresso.

Por que a morte em tempo de paz fala majoritariamente castelhano? A pobreza influi, mas não decisivamente. Desigualdade, impunidade, corrupção e narcotráfico pesam muito mais. A desigualdade data da colônia, mas as independências a agravaram ao eliminar a relativa proteção de que gozava o súdito do antigo regime, convertido de repente em cidadão, mas inerme diante de um mercado de poderosos vendedores.

A impunidade é consequência da inoperância e cumplicidade criminosa da polícia. O jurista espanhol Carlos Castresana, que dirigiu um organismo criado pela ONU para reformular a justiça guatemalteca, quis introduzir a prova científica irrefutável nos tribunais, porque os bandos compravam, intimidavam ou matavam as testemunhas. Mas demitiu-se em junho de 2010, sobrepujado pelo país. A Guatemala caiu do 91º lugar para o 120º, entre 182 países, no índice de corrupção compilado pela Transparência Internacional, e mesmo assim antecede a Nicarágua e Honduras.

O BID calcula que a renda centro-americana seria 25% maior se a criminalidade igualasse a média mundial, que é de 14 por 100 mil habitantes. E nessa parada de monstros aparece o narcotráfico, que corrompe e mata sem distinção de siglas. Diversos municípios de El Salvador formaram uma sociedade mista com a Venezuela para receber petróleo em condições muito vantajosas, mas isso não influiu na situação, nem econômica nem de segurança, e com a vitória da Arena a maioria dessas prefeituras abandonará o projeto.

A única indústria que floresce é a das companhias de segurança, que na América Central já são mais de 10 mil, o dobro de 2006. Em Honduras, finalmente, foram absolvidos em outubro de 2010 seis generais hoje aposentados, que no ano anterior expulsaram o presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya, que acusavam de chavista. Desigualdade, impunidade, corrupção e narcotráfico só ocorrem nessa proporção no mundo ibero-americano.

Tudo isso se resume em um corolário sucinto. O Estado não existe, e enquanto não se reorganizar a polícia, o exército, mal treinado para o combate e a investigação a domicílio, mais atrapalha que ajuda. Como se comprova no México, que luta com um problema parecido, a força pública precisa de meios --armas, treinamento, melhor salário; um extenso trabalho de inteligência e coordenação entre instituições, o que Castresana pretendia e Horatio Caine aborda na série CSI; estudar a possível descriminalização de algumas drogas; e, talvez o mais importante, um enfoque transnacional, porque é toda a América Central que tem, ou logo terá, um gravíssimo problema.


Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves




quinta-feira, 9 de junho de 2011

Redes criminosas podem transformar Guatemala em "narcoestado"

Redes criminosas podem transformar Guatemala em "narcoestado"


Pablo Ordaz
Enviado especial à Guatemala



A Guatemala é o primeiro narcoestado da América Latina? Segundo os promotores que lutam contra a impunidade na região, se ainda não é, está a ponto de se tornar. “A Guatemala é um país pequeno, com uma longa tradição de corrupção e uma economia muito frágil – a carga de impostos chega apenas a 10% do PIB – o que impede o desenvolvimento de políticas sociais”. Desta maneira, o espaço que o Estado abandonou foi passando para as mãos do crime organizado.

Até o próprio presidente, Álvaro Colom, reconheceu isso há alguns dias para este jornal: “Quando prendemos o chefão Lorenzana, as pessoas me diziam: 'soltem-no, ele nos dá dinheiro e trabalho...'. Posso garantir, sem medo de estar equivocado, que os governos anteriores planejaram a entrega do país ao narcotráfico”.

Segundo os promotores, a Guatemala é governada por duas redes criminosas locais, que tentam resistir à invasão do cartel mexicano dos Zetas, que já aconteceu – à base de extorsão e morte – na região norte do país. Há uma semana, e apenas alguns dias depois de decapitar 27 camponeses em Petén, os Zetas voltaram a matar. Desta vez o auxiliar de um fiscal de Cobán, na departamento de Alta Verapaz.

“Os dois crimes foram muito bem planejados”, explicou um importante fiscal à reportagem, “tratava-se de lançar duas mensagens, uma para os cidadãos e outra para as instituições. E posso afirmar que o medo já está começando a surtir efeito. Há fiscais renunciando e outros pedindo a transferência para áreas mais seguras. E, além disso, o governo disse que não pode proteger nem juízes nem funcionários públicos, o que revela a fragilidade do presidente”.

Numa tarde recente de domingo, o presidente Álvaro Colom recebeu em seu gabinete uma lista com 12 nomes. Doze juízes e fiscais envolvidos na luta contra o crime organizado e cujas cabeças a máfia pôs a prêmio. O presidente chamou seu ministro de governança, Carlos Menocal. Este avaliou o assunto e, alguns dias depois, declarou à imprensa: “O Estado não tem capacidade para oferecer um carro blindado para os juízes ameaçados”.

Segundo o promotor, o resultado foi nefasto: "O que o governo fez foi colocar um alvo nos funcionários. Talvez as pessoas não se deem conta de que na Guatemala, e em toda a América Central, o narcotráfico está avançando muito rapidamente. Vão matar mais promotores, vão matar mais cidadãos”. No dia seguinte, os jornais de Honduras abriram com a seguinte notícia: “Assassinos matam chefe dos promotores”.

Nem na Guatemala, nem em Honduras, nem no Panamá a justiça funciona. O que funciona, e muito bem, segundo a DEA, é o crime organizado. Segundo o chefe de operações da agência antidrogas norte-americana, Thomas Harrigan, está se detectando um aumento substancial do tráfico de produtos químicos indispensáveis para a elaboração de certas drogas para a América Central, assim como de heroína procedente da América do Sul. Tal como demonstram os gráficos da DEA que o presidente Colom mostrou a este jornal, o tráfico de aviões que partem da fronteira entre a Venezuela e a Colômbia e aterrizam nas pistas clandestinas da Guatemala, Honduras e Panamá só cresce. Assim como o tráfego marítimo. Segundo o chefe do DEA, “os navios da droga parte da América Central para abastecer o planeta inteiro”. Isso é possível, acrescentou, por causa da corrupção e da falta de treinamento das forças policiais.

Harrigan não falou, quanto compareceu ao Senado, sobre a responsabilidade dos EUA nas calamidades que afligem a América Central. Os EUA não são apenas o comprador de 84% da droga que parte em aviões ou no fundo dos milhares de contêineres que saem da América Central, mas também fazem parte do capítulo mais abominável: o tráfico de pessoas.

“O tráfico de crianças”, segundo os fiscais consultados, “é um negócio que deixa na Guatemala cerca de 200 milhões de dólares anuais”. A Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) conseguiu enviar para a prisão os principais envolvidos que arranjavam as adoções. É a única boa notícia. Eles o faziam com a cumplicidade de funcionários que utilizavam documentos falsos para encobrir o roubo de crianças e com tanta impunidade nem se preocuparam em ocultar as provas. Seguir seu rastro foi fácil. O difícil é encontrar juízes valentes para arriscar a vida enviando-os à prisão.


Tradução: Eloise De Vylder



terça-feira, 31 de maio de 2011

O esquecimento que destrói tudo

O esquecimento que destrói tudo

Sergio Ramírez
Cartagena das Índias (Colômbia)

Não há nada pior do que o esquecimento, diz o escritor Lyonel Trouillot enquanto admiramos o anoitecer que avança como uma leve névoa sobre Porto Príncipe, sentados no terraço do Ibo Lele, um hotel cujo glamour perdido é testemunhado por fotos das estrelas de Hollywood penduradas nas paredes do bar, rostos que não dizem mais nada nem ao cinéfilo mais fiel. O poeta Jorge Castera nos acompanha à mesa, e os dois sofrem, com humor, as feridas abertas do seu país. Rir das feridas abertas é uma forma de não esquecer.
O esquecimento. Entre os jovens, ninguém mais lembra quem foi Francoise "Papa Doc" Duvalier, o médico rural que se proclamou presidente vitalício do Haiti e passou o trono ao seu filho, um adolescente de 136 kg de peso, "Baby Doc" Duvalier, ambos frios assassinos que mataram milhares de pessoas em nome do seu santo poder, mantido graças aos seus capangas, os Tonton Macutes (Bicho Papão), que também caíram no esquecimento.
Eu comento com eles que na Nicarágua, os jovens também não sabem que existiu a dinastia Somoza e que durou meio século, mas, além disso, as pesquisas mostram que uma porcentagem alta dos maiores de 40 anos sente saudades do último Somoza e pensa que ele foi um grande presidente, enquanto muitos jovens nem imaginam que para derrubar a Somoza foi necessário uma revolução.
A risada de Trouillot brilha como o fio de uma alegre faca. O próprio Papa Doc escreveu um "Catecismo da Revolução" com orações que deveriam ser feitas a ele e a sua esposa Simone. Para a sua esposa, uma Saudação Angelical, como se ela fosse a Virgem Maria. Para ele, um Pai Nosso, e o declama: "Doutor nosso que está para sempre no Palácio Nacional, abençoado seja o seu nome pelas presentes e futuras gerações. Seja feita a sua vontade, tanto em Porto Príncipe como nas outras províncias. Dê-nos um novo Haiti, e não perdoe nunca a ofensas antipatrióticas que a cada dia proferem contra a nossa pátria. Deixe-os cair em tentação sob o peso das suas babas venenosas, e não os libere de mal nenhum, amém".
O que me chama a atenção, digo, é que Duvalier acreditasse estar promovendo uma revolução. Uma revolução negra, diz Castera, a sustentação filosófica dele sempre foi a raça. A supremacia negra, como ao longo da história do Haiti, desde a independência. A filosofia transformada em crime, e as crenças religiosas manipuladas à sua vontade.
Papa Doc acreditava, ou queria que acreditassem, que ele era a encarnação do espírito do Baron Samedi, o deus da morte no vodu, invisível e onipresente, que percorre os cemitérios à noite sempre vestido de rigoroso preto, como o próprio Papa Doc se vestia, para celebrar rituais noturnos com os cadáveres dos seus inimigos.
Um militar que tinha sido seu aliado rebelou-se contra ele. Quando foi preso, teve a sua cabeça decepada e enviada ao Palácio Nacional conservada em gelo. Papa Doc a colocou sobre a sua mesa de trabalho e fazia perguntas ao além sobre o destino do seu governo. Para neutralizar as suas relações com os espíritos, os inimigos do governo desenterraram o cadáver do seu pai e o cobriram de excrementos.
Eu conto aos meus companheiros sobre a cabeça de Pedrón Altamirano, um assessor de Sandino, assassinado por ordem do velho Somoza. A sua cabeça foi levada a Manágua dentro de um saco de cal viva para ser exposta no quartel do Campo de Marte por vários dias, quando já cheirava mal. Eu relatei esse fato no meu romance ¿Te dio miedo la sangre? (Sentiu medo do sangue?)
Jean Bertrand Aristide, o sacerdote salesiano duas vezes presidente e duas vezes derrubado, não caiu no esquecimento e, exilado na África do Sul, surge nas conversas como um fantasma inquieto. Pergunto sobre Aristide. A noite chegou e se enche com o canto dos coquís, pequenos sapinhos que cantam na escuridão.
"O autoritarismo, a concentração do poder em um único homem que acaba por acreditar que está predestinado foi um mal constante no Haiti desde a independência", diz Trouillot. "Há frases retiradas dos discursos de Duvalier e de Aristide que são idênticas. Ambos têm a mesma origem, vieram da pobreza, do desamparo, mas as suas respostas foram messiânicas e erradas". A única coisa que eu posso responder é que se colocamos um espelho na frente do rosto do Haiti, o reflexo me devolve a imagem da Nicarágua.
Atrás de cada líder que surge na história estão os espíritos para erguê-lo ou derrotá-lo. No dia 11 de setembro de 1988, o padre Aristide rezava uma missa na humilde igreja de San Juan Bosco quando os Tonton Macutes entraram à sua procura e mataram dezenas de fiéis, mas ele conseguiu fugir. A mão divina já estava sobre a sua cabeça protegendo-o, e depois o perdeu.
O branco edifício do Palácio Nacional, coroado por três cúpulas e que parece iluminado por um brilho sobrenatural, exerce um encantamento imperioso sobre aqueles que passam pelas suas portas como presidentes. Eles se sentem indefesos, e tecem mecanismos de poder que os leva ao fracasso; assim, o padre Aristide inventou as milícias, chamadas de As Quimeras, para que o defendessem. Mas esses grupos de jovens armados acabaram matando pelas ruas os inimigos da sua revolução.
Os espíritos dos cemitérios vodu são os únicos que têm boa memória e não se esquecem de repetir a história com a sua mão implacável.

Texto publicado no Terra Magazine.

Eu já o havia copiado no Ainda a Mosca Azul.