terça-feira, 30 de abril de 2013

Maioria das mulheres é presa por tráfico


Maioria das mulheres é presa por tráfico

Elas esperam na fila por visitas, mas são esquecidas por companheiros


Antes de amanhecer, a calçada da avenida Roccio, no bairro Partenon, onde fica o Presídio Central, em Porto Alegre, já está lotada terças, quartas, sábados e domingos - dias de visita. Com sacolas de comida, roupas e materiais de higiene, mães, esposas, namoradas, filhas, avós e irmãs esperam os portões abrirem, às 7h30min, para dar um conforto aos encarcerados na penitenciária, considerada a pior do País.

Por semana, Elaine, 31 anos, gasta cerca de R$ 100 com dez itens - máximo permitido - para o marido de 46, preso há três meses por formação de quadrilha. "Quem come a comida da cadeia é porque não recebe visita", explica. Ela costuma ir ao local às quartas e aos domingos. Em um dos dias é possível levar R$ 50 e no outro, R$ 70. "Nem sempre trago todo esse dinheiro", revela. Os recursos vêm de um ferro-velho, de sua propriedade, em São Leopoldo, que também servem para sustentar os quatro filhos. O nome dela e o das outras mulheres foi trocado por fictícios para preservar suas identidades.

Aurora, 23 anos, frequenta o Presídio Central há seis meses, desde que o companheiro de 32 foi preso por furto. 'Agradável não é, mas, pelo amor, a gente vem', relata. Os dois se conheceram no trabalho, em um centro comercial, em Porto Alegre. 'Ele nunca me escondeu nada. Eu sabia do risco que estava correndo', comenta. As mulheres, normalmente, apoiam os maridos e os filhos presos. Algumas até se arriscam e levam drogas para dentro dos presídios.

Marlene, 43 anos, está há três na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Ela preferiu se entregar e ser presa a continuar carregando drogas para o Presídio Central. Na hora da revista, revelou que carregava entorpecentes nas partes íntimas. 'Fui forçada pelo meu marido a levar drogas', lembra. A mulher já havia sido detida pelo mesmo motivo alguns anos antes.

A irmã não a perdoou. Ninguém da família, além da filha de 9 anos, vai vê-la na cadeia. "Minha irmã cria a minha filha e, no dia da visita, leva a menina até o portão", diz. Em 2014, Marlene deve ser libertada e promete não se submeter outra vez às pressões masculinas.

"Há 15 anos convivo com o sistema penitenciário. No Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, 80% das mulheres estão presas por associação ao tráfico", relata o criminólogo do Centro de Estudos do Comportamento Criminal, Christian Costa. Segundo ele, em alguns casos, a pessoa que é temida mexe com o imaginário da mulher. "Existem criminosos com fãs clubes. O Maníaco do Parque, por exemplo, recebe diversas cartas", exemplifica o criminólogo Costa.

Para o psiquiatra forense Paulo Oscar Teitelbaum, as mulheres que se envolvem no crime forçadas por homens, geralmente têm características de personalidade muito submissas e dependentes. Ele adverte que cada caso é um caso, mas a tendência é de que mesmo depois de o homem ser preso, a mulher continue mantendo a ligação.
Amanhã, dentro da série de reportagens que relatam o drama de mulheres no crime, o Correio do Povo apresenta a questão da reincidência feminina e de que forma o trabalho na prisão ajuda na recuperação das detentas.

Anos de abandono 
Nos três anos e oito meses que Luane, 33 anos, está presa por tráfico na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, somente conseguiu ver os filhos uma vez. Com 18, 9 e 4 anos, eles estão com o pai dela, em Montenegro. Separada, ela não recebe visita de ninguém. "Meu companheiro tinha deixado dinheiro e cocaína em casa", relata. Em 2015, Luane deve ser libertada e apenas então poderá encontrar os filhos.

Outro exemplo de abandono é o da presidiária conhecida como Vó, 60 anos. Ela está na Penitenciária Madre Pelletier há um ano e sete meses também por tráfico, sem receber visitas. Os dois filhos que estão em liberdade são doentes e o terceiro está preso. "Sempre ajudei todo mundo, mas pior do que está não fica", brinca. Segundo ela, o tempo de regime fechado já teria sido cumprido, em razão da progressão de pena, por conta do trabalho que desenvolve na cadeia. "Já pedi ajuda para a direção. Espero que me tirem daqui", afirma Vó.


Comércio no cárcere

Devido ao grande número de pessoas que se acumula na frente do Presídio Central, vários estabelecimentos fixaram-se na área. Um deles é o guarda-volumes de Madalena Weber, 48 anos. Ela cobra R$ 1 para cada item deixado. "Morava na frente e minha irmã teve essa ideia", conta. Com o dinheiro que recebe, sustenta praticamente toda a família.

Como convive com as mulheres dos presos, criou amizade com algumas delas e chega a aconselhar. "Tem umas que saem chorando, por eles não darem valor. Existem presos que se comportam como filhos únicos das mulheres e das mães. Querem o dinheiro da pensão somente para eles, a melhor roupa e a melhor comida", relata. Além do guarda-volumes, há padarias e bares nas imediações do Central.

No entanto, o mesmo não ocorre nos presídios femininos. Quando presas, as mulheres costumam ser abandonadas. Um ditado que se repete pelos corredores das penitenciárias é de que quando o homem é preso, a mulher contrata um advogado para tirá-lo do sistema, mas nos casos em que as esposas são enclausuradas, o marido contrata um advogado para se divorciar. "Ele costuma se separar e arruma outra mulher", descreve a coordenadora da Penitenciária da Mulher, Maria José Diniz.


Reportagem do Correio do Povo.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Metrô de Buenos Aires desativa trens centenários


Quando Concepción Martínez parou na última estação de metrô, a multidão na plataforma, incluindo algumas pessoas com trajes do começo do século 20, se pôs a aplaudir.
Os flashes iluminavam os túneis enquanto os passageiros faziam suas últimas viagens nos vagões -com seus bancos de madeira, luminárias de vidro fosco e portas de latão- da primeira linha de metrô da América do sul.
"Esta é uma espécie de despedida", disse Martínez.
Os vagões belgas, um símbolo da riqueza portenha no começo do século 20, foram tirados de operação neste ano, e sua aposentadoria é um exemplo pungente da dificuldade da cidade em preservar sua história enquanto parte dos seus ícones e da sua infraestrutura desmoronam. O metrô de Buenos Aires foi o primeiro da América Latina e é mais velho que o de Madri, Tóquio e Moscou. Uma auditoria feita no ano passado alertou para a perigosa deterioração do "Subte" e recomendou a desativação da sua linha mais antiga.
A reação contra a aposentadoria dos trens La Brugeoise, carinhosamente conhecidos como Las Brujas (as bruxas), alimentou o debate.
"Querem modernizar e ampliar, mas não levaram em conta como os trens tocam as pessoas emocionalmente", disse Gerardo Gómez Coronado, encarregado da proteção arquitetônica no departamento municipal de planejamento.
Muitos edifícios históricos foram demolidos após o colapso econômico argentino de 2001. Preservacionistas dizem que as demolições ilegais, a carência crônica de investimentos e a arquitetura sem imaginação que substitui os prédios históricos ameaçam apagar a herança da cidade que foi meca de imigrantes europeus, que chegavam àquele que era um dos países mais ricos do mundo.
"A Argentina prometia ser um país importantíssimo", disse a artista Teresa Anchorena, integrante da Comissão Nacional de Museus, Monumentos e Lugares Históricos. "A promessa descumprida da Argentina se reflete em seus edifícios."
O mau estado de incontáveis casas portenhas outrora imponentes é um testemunho dos anos de instabilidade política e econômica, segundo Anchorena. "O que aconteceu com esses edifícios é um pouco o que aconteceu com a Argentina", afirmou.
Os vagões de metrô agora jazem em um terreno baldio. Alguns foram vandalizados, com pedaços sendo arrancados e vendidos pela internet. Mas Alberto Rosenblatt, que há anos toca violino na mais antiga estação de metrô de Buenos Aires, disse não sentir saudades dos velhos trens.
"Eles já têm cem anos", disse. "Essa é uma abertura para outros cem anos, mas de progresso, não de regressão. Não vamos ficar para sempre olhando para trás."


Reportagem de Emily Schmall, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.

Capital afegã da prostituição traz à tona contradições sociais


A cidade verdejante de Mazar-i-Sharif abriga alguns dos maiores tesouros do Afeganistão. Ela é a cidade natal do renomado poeta Rumi, possui uma das mesquitas mais famosas do país e foi a primeira cidade afegã a ter ligação ferroviária com outro país. No entanto, também é a capital extraoficial da prostituição no Afeganistão.
O fenômeno deve-se em parte à cultura da cidade, muito mais tolerante com vícios que o resto do país. Apesar de ser ilegal, o álcool pode ser encontrado sem muita dificuldade. Mulheres, normalmente confinadas em casa, podem ser vistas na companhia de homens nos parques de Mazar, algo que mesmo em Cabul é uma raridade.
Mas, segundo as autoridades, o boom dos negócios também alimenta a prostituição em Mazar.
A economia da cidade vem crescendo nos últimos anos. A proximidade com a Ásia Central e sua relativa paz e estabilidade a converteram num núcleo comercial.
"Mazar é uma cidade grande. Em comparação com as outras províncias, muitas prostitutas trabalham aqui", comentou Nilofar Sayar, diretora de um grupo de direitos das mulheres que oferece treinamento profissional a operárias do sexo.
O aumento da prostituição na cidade traz à tona as contradições da sociedade patriarcal afegã, onde a simples insinuação de imoralidade pode significar a morte para as mulheres. A prostituição existe, sob uma forma ou outra, há décadas, mesmo sob o Taleban. Mas as autoridades de Mazar dizem que a expansão acelerada da tecnologia celular tornou a atividade mais fácil de administrar e mais difícil de detectar.
Outro fator que propicia esse crescimento é a corrupção. Uma das entrevistas feitas com uma prostituta para esta reportagem foi organizada por um policial que é cliente da mulher em questão.
Anos atrás, os bordéis operavam abertamente na cidade. Mas, há alguns anos, Atta Mohammed Noor, governador da Província de Balkh, ordenou a repressão da atividade.
O ponto de contato da prostituta geralmente é um homem que organiza os programas com a ajuda do celular.
Mulheres que atuam na prostituição, sem saber como deixar a atividade, geralmente são pobres, divorciadas ou viúvas e passam por dificuldades. Às vezes, as próprias famílias as obrigam a se prostituir para ajudar a pagar as contas ou a financiar o vício em drogas do marido. A maioria sabe que, ao vender seu corpo, corre o risco de morrer se for descoberta.
Aziza Jan se casou aos 13 anos e recorreu à prostituição depois de seu marido pedir o divórcio, alguns anos atrás, deixando-a com seis filhos. Ela tem 35 anos e vive numa rua tranquila. Recebe seus clientes na sala de sua casa, forrada de tapetes e almofadas.
Com vergonha de falar sobre o que faz, ela insistiu que ganha a maior parte de seu dinheiro como costureira. Seu filho mais velho está chegando à maioridade, e Aziza espera que, quando terminar os estudos, ele ajude a aliviar as dificuldades da família.
"Passando por cima de todo o sofrimento e a dor, me esforço para ficar feliz", comentou, com uma risadinha. "Olho para meus filhos. Eles são minha alegria."
Algumas poucas continuam casadas, mas trabalham sem o conhecimento de seus maridos.
Fereshta tem 25 anos e três filhos. Contou que sua vida começou a desabar quando seu marido perdeu o emprego na construção civil, mais de cinco anos atrás.
Eles foram despejados da casa onde moravam. Hoje, vivem numa construção abandonada, sem janelas ou portas, e têm dificuldade em se alimentar. Como raramente é permitido que mulheres trabalhem, Fereshta decidiu que prostituir-se seria a melhor maneira de sobreviver.
Ela soube da atividade por amigas que cobram entre US$ 30 e US$ 60 por seus serviços. "Sou forçada a fazer isso", contou. "Se meu marido descobrir, ele me mata. Mas que escolha tenho?"


Reportagem de Azam Ahmed, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.

Dinamarca enxuga o bem-estar social


Começou como uma prova dos nove, para evidenciar que a pobreza e as dificuldades ainda existiam na Dinamarca.
Um deputado liberal desafiou um adversário político cético a visitar uma mãe solteira com dois filhos que vivia de benefícios sociais, para ver com seus próprios olhos como era penosa a vida dela.
Mas o que se constatou foi que viver de benefícios não é tão duro assim. A mãe solteira de 36 anos, tratada pela mídia pelo pseudônimo de Carina, tinha mais dinheiro para gastar que muitos que trabalham em tempo integral na Dinamarca. Ela recebia US$ 2.700 por mês e vivia de benefícios sociais desde os 16 anos.
A história de Carina acabou assinalando uma virada na discussão entre dinamarqueses sobre se seu Estado de bem-estar social, possivelmente o mais generoso da Europa, terá se tornado rico demais. Agora, a Dinamarca está revendo os benefícios sociais e procurando incentivar sua população a trabalhar mais, por mais tempo ou as duas coisas.
Enquanto boa parte da Europa meridional vem sofrendo sob a austeridade econômica, a Dinamarca ainda goza da cobiçada classificação de crédito AAA. Mas suas perspectivas de longo prazo são preocupantes. A população está envelhecendo e, em muitas regiões do país, hoje há mais pessoas que não trabalham que pessoas empregadas.
Parte disso se deve à economia fragilizada. Mas especialistas enxergam algo mais fundamental: a parcela de cidadãos que simplesmente não participam da força de trabalho.
"Antes da crise, a impressão que se tinha é que sempre haveria mais e mais", explicou Bjarke Moller, editor-chefe de publicações do grupo de pesquisas Mandag Morgen. "Mas a situação mudou. Hoje há muitas pressões sobre nós. Para sobreviver, precisamos ser uma sociedade ágil."
O modelo dinamarquês de governo é quase uma religião aqui, tendo gerado uma população que se considera uma das mais felizes do mundo.
A Dinamarca possui uma das mais altas alíquotas de imposto de renda do mundo; a alíquota máxima, 56,5%, é aplicada às rendas anuais superiores a US$ 80 mil. Em troca, porém, sua população conta com uma rede de segurança que se estende do berço até o túmulo e inclui saúde gratuita, universidade gratuita e benefícios pagos até aos mais ricos dos cidadãos.
Os pais de todas as faixas de renda, por exemplo, recebem cheques trimestrais do governo para ajudar com os custos de creche ou berçário. Os idosos têm direito a serviço de empregada gratuito, mesmo os ricos.
Mas poucos especialistas creem que o país vá conseguir continuar a pagar por tudo isso por muito tempo. Por isso a Dinamarca está promovendo reformas, mudando as alíquotas de imposto sobre empresas, analisando novos investimentos no setor público e procurando "desmamar" mais pessoas da assistência governamental.
"No passado, as pessoas só pediam ajuda quando precisavam dela", comentou Karen Haekkerup, ministra de Questões Sociais e Integração.
"Mas hoje a mentalidade é outra. As pessoas enxergam os benefícios como direito delas. Agora precisamos voltar a pensar nos direitos e deveres."
Em 2012, pouco mais de 2,6 milhões de pessoas de 15 a 64 anos trabalhavam na Dinamarca -47% da população total e 73% das pessoas na faixa dos 15 aos 64 anos.
Mas muitos dinamarqueses trabalham poucas horas por dia, e todos desfrutam de benefícios como férias longas e licença-maternidade paga e prolongada.
Joachim B. Olsen, o político cético do partido Aliança Liberal que visitou Carina 16 meses atrás, está alarmado.
Ele diz que a Suécia, vista como país generoso, tem muito menos cidadãos vivendo de benefícios pagos pelo governo. Se a Dinamarca seguisse o exemplo da Suécia, ele afirmou, teria 250 mil pessoas a menos vivendo de benefícios.
"O Estado de bem-estar social saiu de controle aqui", opinou.
O governo já reduziu os planos de aposentadoria precoce. Antes os desempregados podiam receber auxílio-desemprego por até quatro anos. Agora, só podem receber por dois anos.
Também estão sendo propostos cortes dos benefícios pagos a pessoas de até 30 anos.
Carina não foi a única que vive de benefícios a fazer manchetes. Quando Robert Nielsen, 45, foi entrevistado na TV em setembro do ano passado, admitiu que vive praticamente apenas de benefícios desde 2001.
Apelidado pela mídia de Robert Preguiça, Nielsen disse que não tem nenhum problema de saúde mas que não pretende aceitar algum trabalho degradante, como trabalhar num restaurante de fast food. Falou que consegue se virar muito bem com os benefícios sociais e que é dono de seu próprio apartamento num conjunto habitacional.
"Nasci e vivo na Dinamarca, onde o governo se dispõe a financiar minha vida", comentou.


Reportagem de Suzanne Daley, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.

Museu do café society


O Brasil é o único país da América que teve um rei, dois imperadores, toda uma nobreza e uma cidade que, fato único na história, passou de sede de colônia à do Império --o Rio. Aqui, entre 1808 e 1831, deram-se os fatos que levaram à independência do país, à manutenção da unidade territorial, à sua primeira Constituição e à continuidade do poder quando o primeiro imperador abdicou por seu filho.
Os EUA não têm essa história, mas guardam um respeito quase religioso pela que lhes é equivalente. Cultuam seus pais da pátria --George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln--, conservam sua memorabilia, constroem-lhes monumentos e dedicam-lhes centros de estudos. Em Springfield, Illinois, não só a casa em que Lincoln morou de 1844 a 1861 é preservada, como os quatro quarteirões inteiros ao redor. Vá alguém se atrever a transformar o complexo num museu da música country para abrigar as camisas franjadas de Roy Rogers.
No Rio, temos em São Cristovão o Museu do Primeiro Reinado, num palacete que o imperador d. Pedro 1° construiu em 1826 para sua amante, Domitila de Castro --ou Casa da Marquesa de Santos, como é chamada, pelo título que ele lhe concedeu. Lê-se agora nas folhas que ali teremos o Museu da Moda, com destaque para os vestidos da grã-fina Carmen Mayrink Veiga e uma pesquisa sobre sandálias Havaianas.
Quem me alertou para esse disparate foi o historiador Nireu Cavalcanti, uma autoridade em Rio. Por que comprometer um museu tão específico e seu importante acervo se o Estado tem imóveis vazios na praça Tiradentes (esta, sim, o berço da moda no país, com os primeiros grandes magazines, no século 19), na Lapa ou mesmo em São Cristóvão?
E por que esmaecer ainda mais a memória do Primeiro Reinado, de d. Pedro 1°, a quem o Brasil, de certa forma, tudo deve?


Texto de Ruy Castro, publicado na Folha de São Paulo.

Morre Saulo Ramos, jurista e ministro do governo Sarney


O jurista, escritor e ex-ministro Saulo Ramos morreu hoje, aos 83 anos, em Ribeirão Preto (interior de SP). Ramos morreu em casa, por volta das 18h30. Ele tinha problemas cardíacos e fazia hemodiálise regularmente. O jurista passou a semana internado em um hospital de Ribeirão Preto, mas havia tido alta ontem.
O enterro será amanhã, às 14h, em Brodowski (338 km de São Paulo), terra natal de Ramos e do pintor Cândido Portinari, de quem foi amigo.
Quando ocupou o Ministério da Justiça no governo Sarney (1985-1990), o advogado deu formato jurídico às inovações de vários economistas para os planos Cruzado 1 e Cruzado 2.
Foi crítico contumaz de dispositivos da Constituição de 1988 e defensor de reformas na Lei de Imprensa.
Em 1992, foi advogado do Senado no processo que garantiu a cassação dos direitos políticos de Fernando Collor de Mello, atuando contra o ex-presidente.
Em 2007, publicou o livro "Código da Vida" (Planeta), no qual narrou episódios da vida política brasileira dos quais foi personagem ou testemunha nos últimos 40 anos, como a renúncia de Jânio Quadros, de quem foi oficial de gabinete, em 1961.
Na ditadura militar (1964-1985), Ramos defendeu políticos e intelectuais de esquerda processados pelo regime. Contou que, certa vez, chegou a furtar um processo da Justiça criminal para livrar um prefeito de Santos e seu chefe de gabinete.
"Há momentos em que o valor ético não está na dança de minuetos ou na observação de etiquetas, mas na salvação de vidas, de honras e das liberdades individuais", disse sobre o caso, em entrevista à Folha, em 2007.
O jurista, que se orgulhava de ter criado a Advocacia-Geral da União, relatou em suas memórias que recusou ser ministro e defensor de Collor após as denúncias de corrupção contra o então presidente.
Em nota divulgada na noite deste domingo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) lembrou que o ex-ministro teve participação "fundamental no processo de restauração da democracia".


Trecho de notícia da Folha de São Paulo.

Autor de "Ronda", Paulo Vanzolini morre aos 89 anos


Autor de "Ronda", Paulo Vanzolini morre aos 89 anos
Um dos ícones do samba paulista, ele estava internado com pneumonia; velório e enterro ocorrem hoje em SPPaulistano também era um zoólogo renomado e ajudou a desenvolver uma teoria sobre evolução de espécies

O compositor e zoólogo Paulo Vanzolini morreu ontem aos 89 anos, vítima de complicações decorrentes de uma pneumonia. Ele estava internado desde a noite de quinta --dia 25, seu aniversário--, na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo.
O velório, para a família, será hoje no Einstein. O enterro, no mesmo dia, será no Cemitério da Consolação.
Deixa mulher, a cantora Ana Bernardo, e cinco filhos do primeiro casamento.
Ícone do samba paulistano, criou clássicos como "Ronda", "Volta por Cima" e "Praça Clóvis", interpretados por Chico Buarque, Maria Bethânia, Paulinho da Viola e outros nomes da MPB.


Trecho da notícia de falecimento de Paulo Vanzolini, na Folha de São Paulo.

Entrevistas marcantes: Eco e a leitura


erudito na era da informática
Umberto Eco realmente dispensa apresentação. Em todo caso, vale dizer que ele, osábio italiano nascido no Piemonte, em 5 de janeiro de 1932, professor de Semiologia na Universidade de Bolohna, autor do clássico Tratado de Semiótica Geral e dos best-sellers O Nome da Rosa e O Pêndulo de Foucault, foi escolhido para brilhar no Colégio da França, a prestigiosa instituição parisiense criada em 1530 e que não organiza exames e nem emite diplomas. Em resumo, existe para estimular a pesquisa pura, o ensino no grau máximo da sofisticação e coroar a carreira dos eruditos. Na aula inaugural, no dia 2 de outubro de 1992, compareceram ao tradicional rito acadêmico o poderoso ministro da Educação e Cultura da França, Jack Lang, e ilustres jornalistas culturais como Bernard Pivot. Chamado a falar durante quatro meses sobre A Procura de uma Língua Perfeita na Cultura Européia, o mestre viajou da cabala ao esperanto passando pelas reflexões de Dante, Descartes, Wilkins, Raymond Lulle, Porfírio e mais uma infinidade de filosofias, teologias, seitas e códigos secretos. Um voo absoluto no reino da fascinação intelectual. Um mergulho soberano na erudição. Um jogo de livre-associação que só poderia ser superado por um computador programado para estabelecer relações lógicas (e certamente inúteis) a partir do patrimônio cultural da humanidade. Abençoado pelo frio do outono, Eco concedeu esta entrevista. Vertiginoso, aceitou colocar tudo no devido lugar e precisou, outra vez, o papel dos meios de comunicação de massa, a função do erudito, o valor da literatura e, acima de tudo, as características da civilização da informática (segui o seu curso do primeiro ao último dia)
JMS – O senhor mescla erudição e meios de comunicação de massa com perfeição. Trata-se da mistura da cultura considerada legítima com o brilho da mídia ainda menosprezada pelos intelectuais. Como analisar o papel das imagens no mundo atual? Crise da modernidade e ameaça de uma nova barbárie ou expansão comunicacional democratizante ?
Umberto Eco. Uma pesquisa recente, publicada na Inglaterra, demonstra que hoje os jovens leem mais do que os seus pais. Conclusão: a geração da televisão e do computador é ainda encorajada a ler, mais do que em relação às gerações precedentes. Com todos os seus defeitos, é evidente que a civilização dos meios de comunicação de massa faz circular a informação, mesmo superficial, e a informação estimula a necessidade de conhecimento. Portanto, a superficialidade da mídia empurra a juventude a buscar experiências mais profundas e satisfatórias. Na década de sessenta, McLuhan podia anunciar o fim da civilização alfabética e o nascimento do poder da aldeia global. Hoje, entretanto, as telas de computador não mostram imagens, mas textos. Estamos prestes a entrar em uma nova galáxia Gutenberg. A leitura das informações informatizadas esbarra na ausência de aprofundamento, claro. Em todo caso, estou seguro, depois de três horas na frente de um computador, explode a vontade de ler um bom livro. A escrita não perdeu a guerra para a audiovisual. Ao contrário, ela está face à vitória absoluta.
JMS – Erudito e apaixonado pela informática, o senhor associa o sábio do passado, que armazenava informações extraordinárias na memória, e o intelectual da era pós-industrial, ligado aos bancos de dados internacionais. Não o assusta, em uma espécie de ficção científica com forte tendência à realidade, a possibilidade de ser secundarizado pelo cérebro artificial? Dito de outra forma: qual é a função do intelectual ao final do século XX?
Eco – O computador é um instrumento como o eram as fichas dos intelectuais de antigamente. O erudito antigo passava incontáveis dias a pesquisar informações bibliográficas que hoje podem ser manipuladas em segundos a partir de arquivos eletrônicos. Neste sentido, o computador faz simplesmente uma parte do trabalho mecânico que os eruditos do passado eram obrigados a realizar. A fotocópia, no mesmo sentido, permite ganhar o tempo outrora dedicado à cópia dos textos. Na verdade, eu me irrito um pouco com o excesso de informação erudita produzida pelos arquivos eletrônicos. Temo que a abundância possa matar a informação relevante. Se eu vou levantar dados em uma biblioteca, trabalho um dia e adquiro o conhecimento de cerca de trinta livros, dos quais me lembrarei. Mas se aperto um botão e surgem, sobre o mesmo assunto, dez mil títulos, ficarei, em razão da quantidade, impossibilitado de reter as obras verdadeiramente importantes. Do ponto de vista da escrita, pretende-se que o computador é hemingwayniano, frases curtas e secas. Erro: ele é proustiano e favorece a repercussão de todas as contradições. Logo, em face dos novos meios, incontornáveis, os eruditos devem aprender uma nova disciplina de pesquisa.
JMS – Em um texto de 1967, o senhor falava da guerrilha da mídia e questionava-se sobre o verdadeiro sujeito criador das ideologias ou dos costumes, modas e valores. Ainda é pertinente dissertar sobre a potência absoluta dos meios de comunicação de massa, sobretudo da televisão, ou os intelectuais de esquerda, no Brasil, por exemplo, agarram-se a uma análise esclerosada quando denunciam o poder da Rede Globo de fazer e desfazer a realidade ?
Eco – Devemos considerar, mais uma vez, os efeitos da abundância: uma só rede de televisão pode influir sobre as ideias dos telespectadores. Mas quando o mesmo telespectador é submetido a dez redes e viaja entre elas, o que ele absorve é o ruído. Neste caso, a influência da mídia anula-se em vez de crescer e a independência é favorecida. Em um plebiscito recente, na Itália, os grandes partidos e os meios de comunicação que os representavam ou contrariavam resolveram silenciar de modo a estimular a abstenção. A maioria dos italianos, contudo, compareceu às urnas e votou pelo sim. A população tinha aceitado o chamado dos meios menores e rejeitado o comando das grandes cadeias. Existem, de fato, os espaços de escolha e as margens de manobra. Eu condeno a idéia maniqueísta dos falsos intelectuais que consideram a escrita representativa do bem e a imagem como o mal.
JMS – Poder-se-ia imaginar que os meios de comunicação de massa são detentores de poderes absolutos no Terceiro Mundo e domesticados nos países desenvolvidos?
Eco – Para o Terceiro Mundo talvez a situação seja diferente, justamente porque não há possibilidade de escolha entre diferentes mensagens de mídia. Mas é preciso não esquecer que muitos países trabalharam para aumentar o índice de alfabetização, fator positivo, e elevaram a barreira contra a homogeneização midíatica. Precisamos, o que é mais importante, parar de pensar em universos compostos apenas pelos meios de comunicação de massa. As sociedades são plurais. Nos Estados Unidos, Ross Perot comprou enormes espaços na mídia. Clinton optou pelas equipes de jovens voluntários que estabeleceram contatos corpo a corpo. Qual foi o resultado? Se os meios de comunicação de massa fossem mesmo possuidores de todo o poder, Perot teria vencido. O tecido social, felizmente, é articulado de modo plural.
JMS – Houve o tempo do estruturalismo, da linguística, da semiótica, da semiologia e dos mestres da área, entre os quais Umberto Eco. Eram modas? Passado o período de febre, qual o balanço possível?
Eco – Sempre acontece de certas disciplinas ou correntes artísticas gerarem sua própria moda. Depois, passado o apogeu, vencida a moda, resta a pesquisa. Necessitamos julgar as investigações, não as aparências. Ultrapassamos a época em que um movimento destruía o anterior, de acordo com uma visão hegeliana da história. O que caracteriza a nossa civilização é o entrelaçamento da televisão com o cinema, a imprensa, os Beatles, Stockhausen e a literatura. Inventaram o termo pós-modernidade para o que eu prefiro chamar de poliglotismo generalizado da cultura. Em síntese, prevalece a convivência.
JMS – O senhor escreveu romances que se transformaram em best-sellers. O Pêndulo de Foucault, paradoxalmente, é ilegível pelo menos até a página 27.Houve um projeto deliberado de construção literária hermética? O senhor buscou um estilo inacessível ?
Eco - Eu digo com frequência que o meu leitor ideal deve ganhar o prazer da leitura com esforço, como se ganha o prazer da paisagem escalando a montanha. O fato de que os meus romances, escritos a partir da violação de todas as regras dobest-seller, transformem-se em fenômenos de vendagem prova que os leitores são mais exigentes do que acreditam os meios de comunicação de massa.
JMS – O Pêndulo de Foucault é uma critica das utopias clássicas, do poder, da razão absoluta e do marxismo Existe uma passagem em que uma brasileira, ex-estudante de sociologia em Paris, marxista, participa de uma sessão de candomblé. Trata-se da caricatura dá queda do materialismo diante do misticismo exótico ?
Eco – O episódio brasileiro do Pêndulo é uma parábola do que se passará com os meus personagens na Europa. Sim, eu pensei na crise do imaginário de maio de 68 e nisto que se chama de retorno do sagrado da parte de uma geração em crise de identidade. Mas este retorno não foi, na maioria dos casos, uma volta a teologias ou a filosofias. Retornou-se ao sagrado massificado, produto com o selo dos mercadores do absoluto. A literatura, em todo caso, resiste. Eu passei minha vida a colecionar livros antigos e a escrever livros novos. Sinto-me mal dentro deste tempo e só posso experimentar compreendê-Io , escrevendo, para fugir ao mal-estar.
JMS – Em vez de conflito entre cultura visual e cultura da leitura, o senhor prefere, de toda maneira, pensar em termos de integração?
Eco – O senhor falou no sucesso dos meus romances. No século XIX, certamente, eu teria conseguido um número menor de leitores, mesmo em proporção à população mundial da época. E então? Vê-se muito a televisão, constata-se a força da civilização da visão e esquece-se que há uma civilização da leitura em marcha. Ela não desapareceu. Ao contrário, expressa-se na sede de narrativas e na procura de jornais, de novelas de televisão, do cinema e dos livros. Reina o desejo da narrativa.
JMS – Mergulhado em viagens, conferências e cursos no exterior a rotina de um erudito célebre, o senhor encontra ainda tempo para a leitura?
Eco – Eu tenho cada vez menos tempo para ler livros. O problema mais grave para um sábio na atualidade é a enorme produção de preprints, os textos, inventários de pesquisa, que chegam antes da publicação. A relação de trocas científica passa-se, agora, através desses textos, verdadeira indústria anterior às edições. Quando uma pesquisa é publicada como livro, em geral, ela já está caduca.
Novembro de 1992 (republicado em O pensamento do fim do século (L&PM)

Morre a roteirista do primeiro filme argentino a ganhar um Oscar


Morre a roteirista do primeiro filme argentino a ganhar um Oscar

"A História Oficial" foi o melhor filme estrangeiro de 1985


Aída Bortnik, roteirista de "A História Oficial", o primeiro filme argentino a ganhar um Oscar em 1985, morreu aos 75 anos em Buenos Aires, informou a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas da Argentina. Bortnik alcançou sua fama em Hollywood e em Cannes com "A História Oficial", dirigido por Luis Puenzo, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro e o Prêmio de Melhor Atriz para Norma Aleandro no Festival de Cannes.

Escritora e jornalista, nasceu na capital argentina em 7 de janeiro de 1938 e desde 1972 escrevia roteiros para TV, cinema e teatro. Trabalhou como jornalista na revista Primera Plana e no jornal La Opinión, entre 1967 e 1976, quando precisou se exilar na Espanha.

Comprometida com a realidade social e política de seu país, nos anos 70 militou no teatro e, depois do exílio, foi uma das criadoras do movimento Teatro Aberto, uma reação contra a asfixia cultura do regime militar (1976/83).
Mas seu maior sucesso foi no cinema, onde roteirizou "La tregua" (1974, indicada ao Oscar), "Crecer de golpe", "Volver", "Pobre mariposa", "Tango feroz", "Caballos salvajes" e "Cenizas del paraíso".

Também escreveu "Gringo viejo", filme americano de 1989 dirigido por Puenzo e baseado em romance homônimo de Carlos Fuentes. Em 1986 se converteu na primeira escritora latino-americana a ser designada membro permanente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.


Notícia da AFP, no Correio do Povo.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Rumo ao século 15


O "Rei" continua odiando seus súditos. A nova violência de Roberto Carlos contra a liberdade de expressão tem como alvo o livro "Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude", de Maíra Zimmermann, pela Estação das Letras e Cores. Seus advogados entraram com uma notificação --por enquanto, extrajudicial-- exigindo a interrupção da venda da obra. Oba! Vou correndo às livrarias para garantir meu exemplar, antes que a lei o proíba e mande recolhê-lo.
Segundo li, o livro nasceu como uma tese de mestrado. Deve ter sido escrito em pós-estruturalês profundo, com fartas citações de Foucault, Derrida e Deleuze, e, como tal, de interesse restrito aos círculos acadêmicos. Não há grande possibilidade de que, como alegam os advogados, o texto contenha revelações sobre a "trajetória de vida e intimidade" de Roberto Carlos --a não ser que, um dia, o cantor de "O Calhambeque" tenha se envolvido semiótica e gnoseologicamente com a filósofa búlgara Julia Kristeva.
Roberto Carlos não gosta de livros a seu respeito. Está sempre processando escritores e jornalistas e, ao fazer isto, joga seu peso sobre a lei e ganha todas. A imprensa parece não se importar. Mas, se Roberto Carlos detesta se ver entre capas de livros, também não deveria gostar de se ver nos jornais --para os quais, aliás, não dá entrevistas. Far-lhe-íamos um favor se passássemos a ignorá-lo.
E, como eu temia, a recente euforia pela livre produção de biografias não autorizadas era prematura. Um deputado evangélico de Roraima conseguiu com que o projeto do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, tenha de ir primeiro ao plenário --e não direto ao Senado, como se esperava. Começa tudo de novo e, naquele, as perspectivas não são boas.
Ninguém segura o Brasil em sua disparada rumo ao século 15.


Texto de Ruy Castro, para a Folha de São Paulo.

Crise faz Espanha chegar à marca de 6 milhões de desempregados


Crise faz Espanha chegar à marca de 6 milhões de desempregados
No centro de Madri, manifestantes protestaram contra o governo

O número de desempregados na Espanha ultrapassou pela primeira vez a marca de 6 milhões de pessoas e chegou a 27,16% da população economicamente ativa.
Entre dezembro e março, mais 237 mil mil espanhóis ficaram sem trabalho, 6,2 milhões no total.
Na faixa até 25 anos de idade, o índice chegou a 57,2% no primeiro trimestre, com 960 mil desempregados.
Em junho de 2007, antes da crise, o desemprego na Espanha era de 7,95%, com menos de 2 milhões sem trabalho.
Ontem, centenas de manifestantes protestaram em Madri contra o governo.
A divulgação dos indicadores coincidiu com a de uma pesquisa sobre a rejeição popular à União Europeia nos maiores países do bloco --Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha e Polônia.
Realizado pelo Conselho Europeu de Relações Internacionais, o estudo mostra que os europeus estão cada vez mais descrentes com o bloco.
O pessimismo aumentou em todos os países pesquisados, mas os dados mais expressivos vêm justamente da Espanha. Lá, 23% das pessoas não confiavam na UE como instituição em 2007. No fim do ano passado, o número saltou para 72%.
Os espanhóis culpam a UE pelas medidas de ajuste adotadas pelo país, que não consegue sair da recessão.
Em Portugal, onde o cenário é semelhante, veteranos da Revolução dos Cravos se recusaram ontem a participar das comemorações do 25 de Abril, data do fim da ditadura salazarista, em 1974.
Numa rara boa notícia no bloco, o Reino Unido anunciou ontem um crescimento do PIB de 0,3% no primeiro trimestre.

Reportagem de Bernardo Mello Franco, para a Folha de São Paulo.

Escavação sugere início multicultural da civilização maia


Escavação sugere início multicultural da civilização maia
Sítio arqueológico na Guatemala mostra origens do estilo de construção que se tornou a marca dessa sociedade
Cidade tinha pirâmide em 800 a.C.; maias sofreram influência mudança cultural na região, indica achado

Assim como toda redação escolar tem começo, meio, e fim", as civilizações também costumam se adaptar à regra.
No caso dos maias da América Central, o começo e o fim são ainda misteriosos.
Sete anos de escavações em Ceibal, na Guatemala, coordenadas pelo casal de pesquisadores Takeshi Inomata e Daniela Triadan, ambos da Universidade de Arizona, produziram uma nova versão para esse início.
Os resultados do estudo sugerem que múltiplos contatos sociais e culturais entre vários povos da região deram a partida na civilização maia.
De acordo com Inomata, essa visão difere das duas principais correntes na quais os arqueólogos se dividem quanto a essa questão.
Segundo ele, um grupo argumenta que a civilização maia se desenvolveu sob a influência da civilização olmeca, a partir do sítio arqueológico de La Venta.
"O outro grupo alega que a civilização maia se desenvolveu de forma independente", declarou ele em uma entrevista coletiva disponibilizada pela revista científica americana "Science", em cuja edição de hoje a pesquisa está descrita.

RITUAL

Nos centros urbanos da América Central pré-colombiana, o lugar mais importante é o chamado "complexo de ritual público".
A equipe demonstrou, por meio de análises do material encontrado e de datações físico-químicas, que Ceibal tinha um desses complexos duzentos anos antes de outros lugares, notadamente o sítio olmeca de La Venta.
O complexo incluía tradicionalmente praça pública, montes artificiais e plataformas eventualmente transformadas em pirâmides.
Ceibal já tinha algo assim em 1000 a.C., tornando o sítio o mais antigo na região maia na planície; em 800 a.C. já havia ali uma pirâmide.
"O local foi ocupado por cerca de 2.000 anos, e os edifícios mais antigos estão enterrados debaixo de 7 a 18 metros de construções posteriores. Tivemos que desenvolver estratégias de escavação que abordavam esses desafios", disse a pesquisadora Daniela Triadan.

COLAPSO

Os maias produziram a mais misteriosa e a mais importante das civilizações da América pré-colombiana.
O mistério se deve ao fato de o seu período áureo ter acontecido bem antes da chegada dos conquistadores espanhóis, terminando em colapso em torno do ano 900, e também de sua escrita só recentemente ter sido decifrada. Pior, a maior parte dos textos maias foi destruída.
Então como terminou a coisa? Um estudo publicado no ano passado na revista científica "PNAS" sobre o sítio da mais importante cidade maia, Tikal, dá pistas.
"O colapso envolveu diferentes fatores [climáticos, sociais e militares] que convergiram como uma tempestade perfeita'. Nenhum fator isolado poderia tê-los derrubado", disse Vernon Scarborough, da Universidade de Cincinnati, à Folha então.
"Os maias não estão mortos. A população agrícola que permitiu à civilização florescer ainda é viva na América Central. O que entrou em colapso foi o seu nível de complexidade social."

Reportagem de Ricardo Bonalume Neto, para a Folha de São Paulo.

Por que artistas se calam quando Roberto Carlos censura?


Roberto Carlos é o maior popstar da história do Brasil. Roberto Carlos é um pioneiro que ajudou a inaugurar o conceito de “música jovem” por aqui. Roberto Carlos é o “Rei”.
Mas alguém precisa avisar a Roberto Carlos que o “Rei” dele vem entre aspas. Ele não é rei de verdade, é só um jeito carinhoso de ressaltar sua importância e influência. E cada vez que Roberto Carlos tenta censurar outro livro, sua “realeza” morre um pouco.
A vítima agora é “Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude”, livro de Maíra Zimmermann lançado pela Estação Letras e Cores (leia mais sobre o livro aqui).
Todos lembramos o caso de “Roberto Carlos em Detalhes”, livro de Paulo Cesar de Araújo que os advogados de Roberto conseguiram tirar de circulação.
Eu li o livro de Araújo. É uma pesquisa jornalística séria e bem feita, sem nada que possa ferir o orgulho de ninguém.
Não li o livro de Zimmermann ainda, mas vou comprar meu exemplar hoje mesmo. Não gosto que Roberto Carlos me diga o que posso ou não ler.
Os advogados de Roberto Carlos têm seus argumentos para censurar o livro. Reclamam de uma “caricatura” do cantor na capa: “Fazer aquela caricatura de forma desautorizada viola os direitos de imagem do Roberto”, disse o advogado Marco Antônio Campos. “Não estamos tentando proibir a circulação do livro, não temos nenhuma objeção, nenhuma intenção censória quanto ao conteúdo do livro.” Ah, não?
O empresário de Roberto Carlos, Dody Sirena, diz: “Fazemos isso em situações que não configuram uma homenagem ao Roberto, mas em casos que usam a imagem dele para ganhar dinheiro.” O livro de Zimmermann saiu com uma tiragem de mil exemplares, o que não me parece um grande esquema para “ganhar dinheiro”.
Roberto Carlos precisa disso? Precisa mover céu e terra para intimidar qualquer um que tente escrever sobre ele?
Claro que um artista tem todo o direito de não ter sua imagem explorada comercialmente de forma indevida. Mas desde quando um livro com tiragem de mil exemplares, feito a partir de uma tese de dissertação de mestrado, configura um esquema comercial tão poderoso e maquiavélico?
Roberto Carlos e sua tropa de advogados e empresários usam atalhos jurídicos para praticar censura. Simples assim.
Espanta também o silêncio da classe artística, sempre pronta a fazer abaixo-assinado contra a censura e opressão em outros países, mas que se cala quando um dos seus faz o mesmo.
A verdade é que ainda vivemos na Monarquia. Nosso castelo é o de “Caras”, e os monarcas são Roberto Carlos, Xuxa, Juliana Paes e alguns outros iluminados, seres intocáveis e controladores que ainda não se conformaram com as lições de 1889.
Torço para que o projeto de lei do deputado Newton Lima (PT-SP), que libera a publicação de livros e filmes biográficos sem necessidade de aprovação do contemplado ou de sua família, seja aprovado em breve, para que a nossa realeza suma pela segunda vez.


Reprodução do Blog de André Barcinski, na Folha de São Paulo.

Documentário mostra 'vida normal' de gêmeas coligadas dos EUA


Abby e Brittany Hensel são gêmeas siamesas determinadas a viver uma vida normal. Como a maioria das garotas de 23 anos, as irmãs gostam de passar tempo com amigos, viajar nas férias, dirigir, praticar esportes e viver a vida ao máximo.
As gêmeas de Minnesota, nos Estados Unidos, se formaram na Universidade Bethel e estão começando uma carreira como professoras primárias.
"Logicamente entendemos que no início vamos ganhar apenas um salário, porque vamos fazer o trabalho de uma pessoa", diz Abby. "Com a experiência, talvez possamos negociar um pouco, considerando que temos dois diplomas e porque somos capazes de dar duas perspectivas diferentes ou ensinar de duas maneiras diferentes", observa.
"Enquanto uma está ensinando, outra pode fazer monitoramento ou responder perguntas", comenta Brittany.
A amiga Cari Jo Hohncke sempre admirou o trabalho de equipe das irmãs. "Elas são duas garotas diferentes, mas ainda assim elas são capazes de trabalhar juntas para fazer as funções básicas que fazemos todos os dias sem pensar", diz.
As irmãs são objeto do documentário Abby and Brittany: Joined for Life (Abby e Brittany: Juntas para a vida toda), que vai ao ar nesta quinta-feira na Grã-Bretanha pelo canal 3 da BBC.
Elas disseram ter decidido participar do documentário para mostrar ao mundo que vivem uma vida normal.

Intimidade

As gêmeas têm tanta intimidade que muitas vezes falam simultaneamente ou uma termina a frase da outra.
Com dois pares de pulmões, dois corações, dois estômagos, um intestino e um sistema reprodutivo, elas aprenderam desde cedo a coordenar o corpo. Abby controla o lado direito e Brittany controla o lado esquerdo.
Com 1,57 metro, Abby é dez centímetros mais alta que a irmã, que precisa andar quase na ponta do pé para que elas mantenham o equilíbrio.
Apesar de terem personalidades distintas, elas precisaram aprender também a chegar a um acordo para tudo o que fazem, desde a alimentação até a vida social ou as roupas que vestem.
"Temos estilos muito diferentes", afirma Abby. "A Brittany gosta muito mais de cores neutras, pérolas e coisas assim, enquanto eu prefiro algo mais vivo e colorido", conta.

Diferenças

Enquanto Abby é vista como a irmã "expansiva" e sempre vence as discussões sobre o que elas vão vestir, Brittany diz que sua irmã gêmea é também muito mais "caseira", enquanto ela gosta de sair.
Há outras diferenças também. Brittany tem medo de altura, mas Abby não tem. Abby tem interesse em matemática e ciência, enquanto Brittany prefere a arte.
Elas também têm uma resposta diferente ao café. Após poucas xícaras, o batimento cardíaco de Brittany se acelera, mas Abby não é afetada. E elas têm temperaturas corporais diferentes.
"Eu posso ter uma temperatura do corpo totalmente diferente da de Brittany", diz Abby. "E muitas vezes nossas mãos têm temperaturas diferentes. Eu fico super quente muito mais rápido."

Vida privada

Apesar de ter uma vida familiar e social normal, estudando e trabalhando como qualquer outra jovem, elas enfrentam problemas adicionais. Por exemplo, elas precisam lidar com as especulações sobre a vida privada - algo que preferem não discutir. As gêmeas negam os boatos de que Brittany teria ficado noiva, descrevendo a história como "uma piada tola".
Viajar para o exterior nas férias também tem suas particularidades. Elas têm dois passaportes diferentes, mas podem comprar apenas uma passagem, porque ocupam apenas um assento no avião.
Elas também precisam ficar atentas ao visitar locais com muita gente, porque muitas vezes chamam a atenção e são alvo de curiosidade e das lentes de câmeras do público.
Uma das amigas mais próximas das gêmeas, Erin Junkans, diz que elas sempre precisam ficar em alerta, porque não sabem como as pessoas vão reagir ou o que vão dizer. "Eu sempre procuro garantir que elas fiquem seguras e que não fiquem completamente expostas", diz Junkans. "Às vezes elas ficam um pouco sufocadas com essa atenção, mas elas me surpreendem com sua habilidade para deixar isso de lado e continuar indo aonde querem", afirma.

Acontecimento raro

O nascimento de gêmeos coligados é algo extremamente raro - apenas um em cada 200 mil nascimentos -, e em até 60% desses casos, os bebês são natimortos. As gêmeas do sexo feminino tendem a ter uma taxa de sobrevivência mais alta do que a dos meninos.
As operações para separar gêmeos siameses são processos altamente complexos e perigosos. E esse era um risco que os pais de Abby e Brittany não queriam correr, por medo de que uma delas pudesse não sobreviver à cirurgia ou ter a mesma qualidade de vida de que desfrutam hoje.
Com apenas 12 pares de coligados adultos conhecidos em todo o mundo hoje, Abby e Brittany Hensel estão desafiando as probabilidades.
A mãe delas, Patty Hensel, diz que suas expectativas e esperanças para as filhas são as mesmas de qualquer mãe. "Como qualquer mãe, espero que elas sejam bem sucedidas, felizes e saudáveis", diz.
Com o início conjunto da vida profissional, as gêmeas se tornaram modelos para seus alunos, tanto no lado acadêmico quanto em relação à sua atitude sobre a vida.
"Eu não acho que haja qualquer coisa que elas não tentariam ou algo que elas não fossem capazes de fazer se realmente quisessem", diz Paul Good, diretor da escola onde Abby e Brittany trabalham. "Para trazer isso para as crianças, especialmente para alunos que podem ter alguma dificuldade, é algo muito especial. Eles aprendem com um exemplo de vida", afirma.

Mostra fotográfica resgata história da ditadura na América Latina


Mostra fotográfica resgata história da ditadura na América Latina

Exposição gratuita vai até 5 de maio na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre

Para resgatar a história da resistência ao terrorismo na América Latina será inaugurada nesta quinta-feira a exposição “Movimento de Justiça e Direitos Humanos: onde a esperança se refugiou”, às 18h, na Usina do Gasômetro (João Goulart, 551), em Porto Alegre. A exposição fotográfica fica aberta para visitação até 5 de maio com entrada franca.

A mostra tem por objetivo apresentar o papel do MJDH no processo de resistência às ditaduras da América Latina e é dividida em cinco eixos: Contexto Político Americano e Brasileiro; A Ditadura Militar no Brasil; O Movimento de Justiça e Direitos Humanos; O Processo de Transição Política no Cone Sul e Políticas de Memória. São apresentadas duas mil fotos do período, incluindo 366 rostos das vítimas da ditadura no Brasil. O material foi garimpado em arquivos documentais do MJDH. 

Notícia do Correio do Povo.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

África do Sul precisa se preparar para a morte de Mandela


As notícias que temos recebido sobre Nelson Mandela indicam que seus problemas de pulmão voltaram. Não fui visitá-lo --eu não acredito que a família gostaria de ser incomodada neste momento--, mas enviei uma mensagem de texto para a mulher de Mandela, Graça.
Minha preocupação é que não estamos nos preparando, como país, para o momento em que o inevitável acontecerá. Mandela tem 94 anos, e Deus tem sido muito bom em tê-lo poupado todos esses anos. Mas o trauma de sua morte vai ser muito intensificado se nós não começarmos a nos preparar para o fato que naturalmente vai acontecer em algum momento.
Atualmente, as pessoas que talvez desejem criticar o atual sistema político podem se sentir inibidas em fazê-lo. As pessoas que poderiam considerar votar em partidos diferentes se sentem constrangidas pela sensação de que isso seria um tapa na cara de Mandela. Essas questões vão intensificar o que já seria, de qualquer modo, uma experiência muito traumática.
Nós tivemos uma experiência semelhante antes, quando Chris Hani, líder do Partido Comunista Sul-Africano, foi assassinado, em 1993. Na época, nosso país quase pegou fogo. Felizmente, isso não aconteceu -- em parte, porque o governo do Apartheid foi sensível o suficiente para perceber que teria que pedir a Mandela, que ainda não era presidente, para que falasse com os cidadãos e fizesse um apelo para que todos ficassem calmos. Desta vez é muito difícil saber a quem o povo poderia recorrer e quem teria a mesma autoridade para acalmar os cidadãos.
Nós deveríamos estar nos preparando ao construirmos um memorial para Mandela --mas não um memorial físico. O melhor memorial para Mandela seria uma democracia plenamente instalada e funcionando, uma democracia na qual cada pessoa da África do Sul teria a certeza de que poderia fazer a diferença.
A África do Sul tem potencial para ser um dos países mais vibrantes do mundo. É muito doloroso para as pessoas mais velhas, como eu, ver o nosso país se deteriorando e perdendo lentamente o que imaginávamos que nos pertencia --a superioridade moral.
Ninguém em seu juízo perfeito teria imaginado que iríamos produzir um paraíso do dia para a noite --mas nós imaginamos que já teríamos feito progressos muito consideráveis para reduzir a lacuna entre os pobres e os ricos. Mas hoje a África do Sul é a sociedade mais desigual do mundo.
Durante a nossa luta, acredito eu, éramos muito especiais. Não havia praticamente ninguém dizendo que estava engajado na luta para obter algum tipo de autoenaltecimento. Nós imaginávamos que esse idealismo e esse altruísmo seriam transferidos automaticamente para o período pós-Apartheid.
Sabemos agora que o pecado original não tem absolutamente nenhuma relação com a discriminação racial. Estamos todos contaminados por esse pecado original, e muitas pessoas que alguns anos atrás se mostravam prontas para sacrificar suas vidas, agora estão perguntando: "O que vou ganhar com isso?" Podemos mencionar vários casos de corrupção, de impunidade. Mas fizemos muitas coisas das quais devemos nos orgulhar. Nós fizemos um trabalho maravilhoso ao sediarmos a Copa do Mundo. Esse evento mostrou ao nosso país o que temos em nós e o que podemos nos tornar.
Eu não sou membro de carteirinha de nenhum partido político. Eu tenho, ao longo dos anos, votado no CNA (Congresso Nacional Africano), mas infelizmente não poderei votar mais neles depois do que tem ocorrido. Nós realmente precisamos de uma mudança. O CNA foi uma liderança muito boa durante nossos dias de luta. O partido constituía uma boa unidade de luta pela liberdade. Mas agora não me parece que uma unidade de luta pela liberdade possa facilmente fazer a transição e se transformar em um partido político.
E, infelizmente, nós temos um ponto fraco em nossa constituição. Foi importante para a nossa transição contarmos com uma representação proporcional, na qual as pessoas votavam não em um candidato específico, mas em um partido. E esse sistema ainda está em vigor aqui na África do Sul. O partido que vence decide quem serão seus representantes e, por isso, todo mundo quer entrar na lista do partido. Ninguém quer colocar em risco suas chances de ser o que deveria ser como membro do parlamento --alguém que garanta que o executivo prestará contas ao legislativo. A primeira coisa que o próximo parlamento deve fazer é mudar o nosso sistema eleitoral para que as pessoas elejam seus representantes com base em um distrito eleitoral, onde cada um votará em um indivíduo que será responsável perante o eleitorado.
A China tem trazido uma série de benefícios para a África, com os investimentos que realizou e a construção de uma infraestrutura no continente --mas esses benefícios tiveram um preço. Na África do Sul, muitas pessoas que trabalham na indústria têxtil perderam seus empregos devido ao fato de o país ter sido inundado por produtos chineses baratos. Mas, para mim, o que é ainda mais angustiante é como o nosso país parece estar se curvando a Pequim.
O exemplo mais gritante dessa reverência é o que eles fizeram com o Dalai Lama quando o governo sul-africano ficou enrolando para conceder seu visto de modo que ele não pudesse vir à minha festa de aniversário. (Em 2011, o Dalai Lama não conseguiu participar da festa do 80º aniversário de Desmond Tutu, pois o governo sul-africano demorou muito para processar seu pedido de visto. O CNA disse que o Dalai Lama não foi impedido de entrar na África do Sul, mas acredita-se que o partido foi pressionado por Pequim).
Decisões deliberadas por parte de políticos têm causado a terrível situação vigente em nosso vizinho, o Zimbábue. Apenas alguns anos atrás, o Zimbábue era um país próspero e dono de uma democracia vibrante. Obviamente, desejamos desesperadamente que o Zimbábue possa recuperar a glória daqueles dias. Parece uma loucura tão absoluta as coisas que eles fizeram por lá --ao destruírem um setor agrícola muito rentável, por exemplo, ao entregarem as fazendas a pessoas que realmente não eram capacitadas para administrá-las e ao deixarem os equipamentos agrícolas se estragarem. Mas as pessoas são muito resistentes e eu espero sinceramente que, um dia, esse país possa se recuperar para desempenhar o papel significativo que estava desempenhando como um próspero país exportador de alimentos.
A África do Sul tem muitas pessoas talentosas --e essas pessoas poderiam liderar o nosso país. Mas, no momento, uma grande dose da lealdade política se baseia no fato de que essas são as pessoas que lutaram pela liberdade de que hoje desfrutamos. Emocionalmente, precisamos de uma virada real para fazermos essas pessoas entenderem que, quando votamos em um partido político estamos votando em suas políticas e indicando que essas são as coisas que queremos que aconteçam. Não podemos votar nos baseando nas ligações emocionais que tivemos com as pessoas que se esforçaram pela nossa liberdade.

Texto de Desmond Tutu, para a Prospect, reproduzido no UOL. Tradução de Cláudia Gonçalves.