A centenas de quilômetros do seu local de origem, no montanhoso noroeste do país, combatentes do Taleban paquistanês começaram a se infiltrar mais vigorosamente em partes da cidade de Karachi e estão abertamente ocupando espaços.
Guerrilheiros do Taleban vêm cometendo ataques a delegacias e já mataram vários policiais. Eles intensificaram as extorsões contra empresários ricos. Clérigos do Taleban medeiam disputas por meio de um Judiciário paralelo.
A tomada de poder em Karachi mostra que o Taleban ampliou seu alcance por todo o Paquistão, inclusive aqui na sua cidade mais populosa, com cerca de 20 milhões de habitantes.
O Taleban está virando de ponta-cabeça uma tradicional rede de grupos criminosos, étnicos e políticos -todos armados e concorrentes entre si- nessa inflamável cidade.
A diferença é que a pauta do Taleban é mais abrangente -ele busca derrubar o Estado paquistanês- e suas operações são comandadas a partir do cinturão tribal ao longo da fronteira com o Afeganistão.
Os militantes já reformularam o equilíbrio político da cidade ao expulsarem o Partido Nacional Awami, dominado pela etnia pashtun, do seu principal reduto.
Intimidando militantes e destruindo diretórios, o Taleban reduziu as chances do partido na eleição nacional de maio.
"Somos o primeiro inimigo do Taleban", disse Shahi Syed, dirigente provincial do partido. "Eles queimam meus diretórios, rasgam minhas bandeiras e matam nossa gente."
O avanço do Taleban sobre Karachi começou anos atrás.
Muitos militantes fugiram para cá após uma operação militar paquistanesa no vale do Swat, em 2009. O afluxo continuou, e os combatentes pashtuns conseguiram se misturar à população local dessa etnia, estimada em 5 milhões de pessoas.
Até recentemente, os militantes viam Karachi como uma espécie de retaguarda, usando a cidade para se esconder ou buscar tratamento médico, limitando suas atividades armadas à arrecadação de fundos por meios criminosos, como sequestros e assaltos.
As táticas do Taleban são mais evidentes em Manghopir, bairro pobre no extremo norte da cidade.
Nos últimos meses, militantes do Taleban atacaram três vezes a delegacia do bairro, matando oito agentes, segundo o parlamentar Mohammad Aadil Khan.
Um industrial de Manghopir disse que vários empresários pashtuns recebiam cobranças de até US$ 50 mil. Os valores eram negociáveis, disse ele, mas não o pagamento: a resistência podia resultar em um ataque à casa da vítima ou em uma bala na cabeça.
Khan disse que há meses não ousa visitar sua base eleitoral. "Há uma ameaça pessoal contra mim", disse ele.
Desde a década de 1980, apoiadores armados do Movimento Muttahida Qaumi (MMQ), dominado por "mohajirs" [paquistaneses de língua urdu], se envolvem em confrontos com o Partido Nacional Awami, dominado por pashtuns.
Agora, diante de um inimigo comum, personalidades de ambos os partidos disseram ter declarado uma desconfortável trégua extraoficial.
O Taleban paquistanês reivindicou a autoria de dois ataques contra o MMQ -primeiro, um atentado a bomba que matou quatro pessoas e, depois, o assassinato de um parlamentar.
Ehsanullah Ehsan, porta-voz do Taleban, disse que o grupo está se voltando contra ambos os partidos -e também contra o Partido do Povo do Paquistão, do presidente Asif Ali Zardari,- por causa das suas políticas "liberais".
As forças de segurança já iniciaram várias grandes operações contra o Taleban.
A última ocorreu em 23 de março, quando centenas de paramilitares ocuparam uma área residencial de Manghopir, confiscando mais de 50 armas e detendo até 200 pessoas, das quais 16 foram posteriormente identificadas como militantes.
"Não acho que o Taleban gostaria de tacar fogo em Karachi, porque eles temem a reação", disse Ikram Seghal, consultor de segurança em Karachi.
Numa cidade tão vasta e turbulenta como essa, o Taleban pode se tornar só mais uma quadrilha envolvida em disputas. Mas, sem uma resposta determinada das forças de segurança, dizem especialistas, ele também pode querer virar muito mais do que isso.
Declan Walsh e Zia Ur-Rehman, com a colaboração de Ihsanullah Tipu Mehsud, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.
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