Pedidos de desculpas não trazem de volta os mortos, mas, como atos de contrição nacional, podem ter uma poderosa força redentora e abrir novas vias diplomáticas. O pedido de desculpas de Israel à Turquia por "quaisquer erros que possam ter causado a perda de vidas" no ataque de 2010 a uma flotilha de ajuda a Gaza foi a coisa certa a fazer.
Não havia necessidade de que nove ativistas, incluindo um cidadão americano, fossem mortos em águas internacionais a bordo do navio turco Mavi Marmara. Esse foi um caso de uma força totalmente desproporcional a qualquer ameaça possível.
A supremacia militar de Israel pode com frequência dar a impressão de ser a única solução, quando na verdade amplia o problema. O pedido de desculpas foi adequado em termos éticos e sábio em termos estratégicos.
Mas desculpas também são o que se faz delas. Se forem guardadas no bolso e usadas como uma boa ocasião para ser arrogante, elas perdem seu potencial redentor. Por outro lado, se forem recebidas com uma solenidade que reflita a compreensão do que levou a elas, permitem que se vire uma página. Cartazes que apareceram em Ancara mostrando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu humilhado e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, sorridente, com o Mavi Marmara entre eles, sugerem uma arrogância inútil.
Erdogan tem motivos para contenção ao aceitar o gesto de Netanyahu. Sua caracterização do sionismo como um "crime contra a humanidade" no início deste ano merecia um pedido de desculpas. A decisão do presidente Barack Obama de depositar uma coroa de flores, durante sua visita a Israel no mês passado, no túmulo de Theodor Herzl, o fundador do sionismo moderno, foi uma resposta apropriada.
Herzl, como jornalista que cobriu o caso Dreyfus em Paris nos anos 1890, concluiu que nenhum esforço dos judeus para se assimilar às sociedades europeias superaria o antissemitismo. Portanto, eles precisavam de uma pátria. Depois de Auschwitz, ele só poderia ser considerado previdente -o que foi confirmado pela votação na ONU a favor do estabelecimento do Estado de Israel em 1947.
É claro que a ONU também votou por um Estado da Palestina ao lado de Israel, e é na incapacidade de cumprir esse objetivo que a humanidade falhou. Eu digo "humanidade" porque os erros de todos os lados do conflito desde 1948 ofereceram motivos para mil pedidos de desculpas.
Em vez disso, ocorreu o cultivo das feridas, em ambos os lados, como justificativa para mais violência. O vitimismo foi um dos grandes vitoriosos no conflito na Terra Santa.
O sionismo se destinava a pôr fim ao vitimismo e a normalizar a condição judaica, conduzindo os judeus à nacionalidade. Destinava-se a pôr fim à docilidade judaica, a frear a passividade do exílio e a garantir que nunca mais os judeus fossem como cordeiros em direção ao matadouro.
Um Estado judaico foi -e continua sendo- necessário. O Estado moderno de Israel teve a ver com uma mudança de mentalidade radical da fraqueza "shtetl" para a força nacional. O perigo sempre foi de supercompensação: ver a força e a certeza como respostas para tudo, porque agora você as tem.
Nesse sentido, o pedido de desculpas incomum de Israel foi importante -e motivo de esperança modesta- porque trouxe consigo o reconhecimento dessa condição humana universal: a falibilidade.
Toda a experiência judaica foi alvo de dúvidas. Deus, nas palavras do escritor Amos Oz e sua filha Fania Oz-Salzberger, no livro "Judeus e Palavras", "não existia para ser obedecido, mas para ser o adversário em uma luta". A sobrevivência dos judeus na longa diáspora dependia de uma história transmitida pelos textos incansavelmente interpretados e investigados -o que eles chamam de "verificação intergeracional que garante a transmissão da tocha". Deus -como o próprio Deus reconheceu- também podia se enganar.
Nós todos podemos em algumas ocasiões. A equação de Deus com a verdade imutável é muitas vezes um disfarce para o fanatismo, especialmente no Oriente Médio. Israel faria bem em casar sua força recém-encontrada com os méritos da dúvida e do questionamento construídos durante os séculos de exílio judaico. Os palestinos fariam bem em ir além da denúncia fácil do sionismo para uma avaliação autocrítica dos motivos de seu fracasso.
O pedido de desculpas de Israel à Turquia sugeriu um possível novo equilíbrio.
Ele precisa ser encontrado dos dois lados para que a promessa do futuro seja a superação das cicatrizes do passado.
Texto de Roger Cohen, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.
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