Há quanto tempo vocês estão aqui no Brasil? Desde quando começou a perceber que há algo novo no nosso perfil?
Tyler Fainstat – A MSF está no Brasil há mais de 20 anos, mas de uns cinco anos para cá deixamos de fazer prioritariamente projetos e passamos a fazer campanha de captação de recursos também. O Brasil passou de um país que só recebia assistência internacional para um país que dá e manda assistência para outros países. Acho interessante porque acompanha a tendência da imagem do Brasil no exterior e dos próprios brasileiros, de olharem também para fora do país e cada vez mais buscarem conhecer outros lugares. Nossos resultados estão comprovando isso.
A maioria é de pequenos doadores?
Tyler Fainstat – Tem uma mistura, mas a maioria dos nossos doadores são pessoas físicas que doam espontaneamente ou mensalmente, mesmo que não seja um valor muito grande. Mas esse dinheiro que vem todo mês é absolutamente essencial para nossas operações. Estamos começando a desenvolver também captação junto a empresas, mas a maioria delas está focada aqui no Brasil e, quando captamos recursos, é para qualquer país do mundo.
Em que outros países vocês estão?
Tyler Fainstat – Estamos em mais de 60 países, a maioria na África, mas também na Ásia, na Europa, na América Latina. Também temos 20 escritórios como esse aqui no Brasil que fazem captação tanto de recursos financeiros como de recursos humanos. Aqui no Brasil temos uma fonte de competência, de conhecimento médico, que para nós é muito importante. Tem institutos como a Fiocruz que são incríveis, de alto nível médico.
Como vocês atuam aqui no Brasil?
Tyler Fainstat – Nós não temos projetos de longo prazo aqui, fazemos intervenções curtas em resposta a emergências, como foi em janeiro de 2011 na Região Serrana [do Rio] e em Alagoas. Mas, veja bem: é importante frisar que nosso papel não é o de substituir o estado na hora do desastre.
Qualquer pessoa pode acionar os Médicos Sem Fronteira?
Tyler Fainstat – Há vezes em que somos acionados pela população, sim, mas na verdade, na maioria das vezes, já estamos presentes normalmente em desastres, conflitos, epidemias, porque somos a maior organização médico humanitária do mundo. Temos mais de 34 mil funcionários em nível mundial e a grande maioria não são médicos, tem o pessoal do apoio, de logística, de transporte, de fornecimento, de enfermeiras. Quando houve o terremoto no Haiti, por exemplo, já havia equipes do MSF lá e começamos a agir imediatamente.
Na Região Serrana do Rio como foi? Vocês foram chamados ou já estavam lá?
Tyler Fainstat – Já estávamos lá. Vou lhe contar como acontece o processo: temos equipes de emergência que são de resposta rápida, prontas para agir em qualquer canto do mundo, sempre com a mala na mão e prontas para embarcarem. Eles fazem a primeira avaliação, sobre quais são as necessidades mais urgentes e nós podemos mandar em 48 horas os nossos kits. Nós temos grandes armazéns na Europa, no Panamá onde há tudo o que é preciso, organizado em kits. O kit é um conjunto de material necessário para qualquer tipo de intervenção, por exemplo, temos o kit terremoto, o kit enchentes, o kit ebola, o kit cirurgia.
Vocês têm acesso livre a qualquer aeroporto? Como conseguem rapidez?
Tyler Fainstat – Temos acordos com empresas de aviação, aeronaves especiais. É verdade que cada contexto precisa de um determinado tipo de negociação.
Todos os governos aceitam vocês sem problemas? E quando há guerra?
Tyler Fainstat – Nosso acesso é baseado nos princípios de neutralidade, imparcialidade, independência. Nosso maior argumento é que nosso dinheiro não vem de governos, é um dinheiro independente (por isso é importante ter essa base grande de doadores). Seria impossível acessar Afeganistão com dinheiro dos Estados Unidos, por exemplo. É esta a primeira pergunta que grupos em guerra nos fazem. Além do mais, não temos mandato político para apoiar um lado ou outro lado, estamos ali para prestar atendimento médico.
Qual a diferença entre vocês e a Cruz Vermelha?
Tyler Fainstat - Existe a Cruz Vermelha nacional, que trabalha mais em resposta a emergências. E tem a Convenção Cruz Vermelha Internacional, cujo mandato legal vem de Genebra, além da Comissão Cruz Vermelha Internacional Direito Humanitária que tem o mandato de monitorar se as leis internacionais estão sendo respeitadas.
O MSF tem uma imagem muito romântica. Quando aparece em filmes ou minisséries, são sempre pessoas que vão para o outro lado do mundo como heróis para salvar vidas. É esse o perfil dos médicos?
Tyler Fainstat – Não! Foi muito bom você me perguntar sobre isso porque estamos mesmo tomando cuidado com as pessoas que têm essa percepção romântica. Muitas vezes nós fazemos um processo de seleção que é bastante rigoroso e queremos passar qual a realidade do trabalho. Porque, na verdade, sim, conseguimos salvar vidas, reduzir as taxas de mortalidade, reduzir o sofrimento, mas tudo isso é feito em condições muito difíceis, não só de alojamento como também de segurança. Muitas vezes temos muitas dificuldades de acessar as populações que precisam de nossa ajuda. É um trabalho que pode ser frustrante também, desgastante. Não queremos assustar as pessoas, mas também não queremos que alguém chegue em campo com uma visão completamente diferente do que é.
Vocês contratam? Ou são voluntários?
Tyler Fainstat – O MSF não é um conjunto de voluntários, queremos ter o espírito de voluntariado mas as pessoas são pagas, têm todos os benefícios trabalhistas. Não queremos que essa ajuda de custo seja o atrativo para a pessoa trabalhar conosco, mas também não queremos que alguém não possa trabalhar para a organização por questões financeiras.
Como a ONG começou?
Tyler Fainstat – O MSF foi criado na França, por um grupo de jovens médicos e jornalistas franceses que estavam trabalhando para a Cruz Vermelha. Eles romperam para criar essa organização com missão dupla: prestar atendimento médico e tornar pública a realidade que testemunhamos em nosso trabalho. Porque nós acreditamos que o trabalho humanitário também gera uma obrigação de sensibilizar o mundo sobre a realidade que está a nossa volta. Na época, em 1971, eles estavam trabalhando em Biafra e achavam que a Cruz Vermelha, por ter uma mobilização muito política, não lhes permitia falar abertamente sobre aquilo que viam.
O site da ONG é o msf.org.br
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