quinta-feira, 18 de abril de 2013

Sobre a feiura de pajé


Republico este fragmento de texto em homenagem ao grande Anibal Damasceno Ferreira, que morreu na últma quinta-feira. Ele evitava polemizar, mas amava os polemistas.
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Escritor brasileiro atual tem feiúra de pajé. Mas isso não é exclusividade de autor de livros. Cineasta sofre, cada vez mais, do mesmo mal. Treinador de futebol também. Feiúra de pajé é mais uma das expressões de Aníbal Damasceno Ferreira, uma espécie de Otto Lara Resende dos pampas, um sujeito universal sem nunca ter saído da aldeia. A feiúra de pajé normalmente vem associada ao budum cultural e aos anéis de camelô.
Diagnóstico: a cultura e a política brasileiras vão mal porque o budum cultural ressalta os anéis de camelô de artistas e de políticos devastados pela feiúra de pajé.
     O sujeito com feiúra de pajé pode fazer chover, mas ninguém acredita. Se vai a uma festa, por mais que esteja vestido como os outros, alguém notará que está usando anéis de camelô. Lula, com seus ternos Armani, despertava o riso da turma dos camarotes, que enxergava defeitos onde se impinha a simplicidade. O budum cultural permite a Caetano Veloso gravar canções bregas de Peninha elevando-as à condição de obras de arte disseminadas pelas novelas da Globo. Mas Paulo Ricardo gravar Chico Buarque não surtiria o mesmo efeito.
Felipão tinha feiúra de pajé. O penta arrancou-lhe esse câncer. Assim como os três títulos em Roland Garros deixaram Guga “trilindo”. Caetano nunca sofre de feiúra de pajé, embora costume falar uma besteira maravilhosa atrás da outra. Escritores que não publicam pela Companhia das Letras, pela Objetiva e outras centrais do Brasil também padecem de feiúra de pajé.  FHC teria nascido, ao contrário de Lula, livre dessa doença hereditária da cultura brasileira.
A feiúra é classista.
Não deixa de ter um toque original essa tentativa de transformar o modelo das novelas da Globo em filmes para ganhar prêmio em Hollywood. Walter Salles mostrou, contudo, que funciona melhor como produtor. Cidade de Deus é uma obra-prima da cosmética publicitária (Ivana Bentes fala em cosmética da fome) quando comparada com quase todo o resto do cinema nacional das últimas duas décadas. Os estrangeiros adorarão essa confirmação politicamente corretamente do que pensam do Brasil. Bom publicitário, Meirelles montou um extraordinário clip sobre a miséria carioca: a fome em ritmo funk. A violência em estilo pós-moderno: ágil, fragmentada, louca, surreal, hiper-real, fantástica, convulsiva, sem profundidade psicológica, rasteira e eficaz.
Tudo bem. Sem estética publicitária nada dá certo na tropicália desvairada. Até Lula precisou se render aos truques de Duda Mendonça. Enquanto não parar de estigmatizar a feiúra de pajé, a cultura brasileira continuará a produzir a péssima literatura e o lamentável cinema de hoje, dobrando-se apenas aos resultados, esses anéis de camelô da modernidade tardia. Nas últimas décadas, os candidatos a escritor ou a cineasta surgidos na tropicália desvairada morreram asfixiados pelo budum cultural e pelo miasma ideológico. Foram enterrados com seus anéis de camelô e com suas carrancas de pajé.

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