Uma parede clara, talvez; uns quadrinhos de moldura colorida, provavelmente vagabundos, mas eram muitos; uns colegas que eu mal via; e uma professora que me parecia enorme. Talvez seja isso. Certamente, não era. Se eu perguntar à minha mãe como foi aquele meu primeiro dia de aula, ela dirá que tudo era uma outra coisa. E nada disso de que eu me lembro estará no cenário de que ela se lembra.
Mas essa já era uma segunda escolinha. A primeira já havia sido sumariamente reprovada pelo gosto infantil. A professora ainda me vem com jeito de bruxa: magra, esguia, de cabelos curtos e escuros, dentes muito pontudos e um sorriso aterrador. Não me lembro de nada da escola. Nada da sala, dos colegas, do trajeto. Diz minha mãe que descia o morro comigo nos braços, ainda dormindo. E eu chegava em casa chorando muito, pedindo para sair daquela escola, detestando aquela professora. Vem-me, então, a lembrança de uns beliscões. Será mesmo? Eu mesma duvido. Mas, naquele tempo, professor podia dar reguada na cabeça e até tapa na bunda. Hoje, mal pode ensinar.
A segunda escola foi mais sedutora. Os argumentos de minha mãe nem eram tão bons, mas havia ali, naquelas salas e naquele pequeno pátio, qualquer coisa de afetivo que me cativou. A promessa, talvez, de um tempo bom, na companhia de uma professora simpática e roliça e de uns colegas menos amedrontados. Fiquei.
Mas nunca tive ideia do que sentia minha mãe. Só sabia que era hora de eu enfrentar os primeiros anos da eterna escolarização a que me submeteria; e que minha mãe precisava sair para trabalhar. Essa função escola-creche ainda é um conflito para muitos pais. Não sei se, ao me deixar ali, minha mãe sofria. Em alguma medida, provavelmente, já que não conhecia, em detalhe, os procedimentos da escola e de todos.
Bem, a nova escolinha tinha, além da professora roliça, umas aulas de judô depois do horário regular. Eu me interessava pelo judô, não pelo balé da sala ao lado, mas não podia mais do que apenas ver os meninos aprendendo golpes, vestidos de quimonos brancos, atravessados por faixas coloridas. Minha meia-calça branca e meu colant rosa me pareciam bem mais ridículos, mas eu não atendia ao critério básico para mudar de esporte: ser menino.
A escolinha tinha também uma personagem que nos enchia de medo e curiosidade. A dona da instituição, que chamávamos de Naná, não tinha uma das mãos. Em seu lugar encontrávamos uma prótese dura, com cor de pele e textura de plástico, estática, que vinha nos abraçar quando entrávamos pelo portão. Um terror e um encanto. Tia Naná era um monstro com jeito de anjo. Aquela mão nos parecia um fenômeno inexplicável. Soava como um pirata ou um filme de terror.
Esses primeiros anos de escola, quando nos socializamos e alfabetizamos, também foram os anos de aprender o infindável caminho das letras, dos números, dos pontos, das provas, da indisciplina, dos recreios, das chamadas e dos "conselhos de classe", em que éramos julgados e condenados. Também foram os primeiros anos dos amigos, dos namoricos, das "panelas" e das aulas de Educação Física.
Nesses primeiros anos, os primeiros festivais de dança, teatro, leituras e festas de formatura. Presentinho de dia das mães, dos pais, aniversários coletivos e gincanas arrecadatórias. As cantineiras amigas, os lanches na "merendeira", a água de bebedouro.
Foi infinito estar ali. Quase nada ficou, embora eu saiba que minha alfabetização começou lá, com a tia Fátima. Acorda Dorminhoca era o nome do livro que nos ensinava a escrever e ler, nem me lembro se com grande esforço. Soa-me fácil aprender a ler e não tenho qualquer memória de dificuldade. É como se eu sempre tivesse sabido.
Não sei em que as escolinhas infantis mudaram. Quando deixei meu filho na escola, pela primeira vez, não pude perceber qualquer sinal de outros tempos. Estavam lá as professoras uniformizadas, as crianças brincando no balanço, os brinquedos do pequeno pátio, a diretora muito presente. Não era a mesma escola, nem a mesma diretora sem uma das mãos. Ao contrário, era uma moça jovem e bonita que vinha nos recepcionar.
Bem diferentemente de mim, a reação do meu filho à primeira incursão pela escola foi fácil, sem choro, sem manha. Ele entrou pelo portão como se fosse íntimo daquele espaço, mal se lembrou de me dar um tchau apressado. Eu é que fiquei atônita, do lado de fora, esperando que ele se arrependesse de ir. Não se arrependeu. Logo arranjou amigos, lápis e livrinhos. A professora magrinha, de cabelos pretos, parecia uma fada. Os coleguinhas vinham das ruas próximas, sem muito alarde, vestidos de branco e verde, para esperar recreios cheios de pés de moleque e suco de uva. Não havia beliscões ou reguadas. E eu fiquei do lado de fora, pensativa, esperando qualquer choro do meu pequeno iletrado.
Resoluto, muito resoluto, ele adentrou a escola e ficou. Deixei meu número de celular, meu endereço e alguma lágrima fujona. A diretora jovem me olhou sorrindo e disse, em tom de brincadeira: "É a mãe que está com dificuldade". Como deixar meu guri assim com estranhos? E se ele não gostar? E se a professora tiver jeito de bruxa? E se alguém lhe der um beliscão? E se mamãe não estiver por perto? Mas a segurança no andar dele não fazia crer em nada disso.
Aquele dia passou. Para mim e para ele. O alfabeto chegou, os números vieram, os textos, os livros, os amigos. Já houve uma nova mudança de escola e a certeza dele continuou a mesma: é enfrentar. E com isso o gosto vem.
Texto de Ana Elisa Ribeiro, no Digestivo Cultural.
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