Uma riqueza a ser protegida
A tecnologia para exploração do gás de xisto é invasiva. Os impactos ambientais, embora ainda sejam desconhecidos, podem ser irreversíveis
Em meio à escassez de água em quase todo o planeta, o Brasil tem o privilégio de contar com uma das maiores reservas de água doce do mundo, o aquífero Guarani. Em vez de tratar esse recurso como riqueza a ser protegida, o governo pretende começar uma empreitada que pode, ao contrário, comprometê-lo.
A exploração do gás de xisto atingirá profundamente o aquífero Guarani, sob o qual jaz, a centenas de metros, a rocha a ser fraturada --o folhelho Irati.
Localizado sob o solo do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai, o aquífero tem 1,1 milhão de quilômetros quadrados e profundidade de 1.500 metros. Tem a capacidade de abastecer milhões de habitantes anualmente com trilhões de metros cúbicos de água doce.
Como observa o geólogo Luiz Fernando Scheibe, há grande pressão para que o Brasil, assim como os Estados Unidos, explore o gás de xisto. Existem companhias interessadas na extração e outras, na despoluição da água e das áreas afetadas.
O governo brasileiro manifestou intenção de incluir o gás de xisto na matriz energética do país e agendou o primeiro leilão de áreas a serem exploradas para o final de 2013.
Pesquisadores propuseram uma moratória de cinco anos, tempo para realizarem estudos sobre a viabilidade, a sustentabilidade e as consequências ambientais dessa forma de extrair combustíveis fósseis.
Mas, afinal, por que a ameaça do gás de xisto é tão assustadora?
Sua exploração contamina a água. O xisto se encontra aprisionado em pequenas bolhas de formações rochosas altamente impermeáveis. Diferentemente do gás natural já utilizado e do petróleo, que ocorrem em nichos próprios, o xisto está impregnado na formação geológica.
Sua extração tornou-se eficiente devido a avanços tecnológicos. Um deles é conhecido como "fracking". Consiste na fratura da rocha e injeção sob alta pressão de grande quantidade de água, explosivos e substâncias químicas, que podem causar vazamentos.
Essa tecnologia baseia-se em processos invasivos da camada geológica, causando impactos ambientais que, embora ainda sejam desconhecidos, podem ser irreversíveis.
A exploração do xisto vem sendo apontada como sucesso tecnológico e econômico nos Estados Unidos. Bilhões de dólares devem ser movimentados, o que pode soar bom para a economia, mas insano para a sustentabilidade ambiental.
A atividade, porém, não é unânime. França, Bulgária e alguns Estados norte-americanos proibiram a extração. O Canadá passa por avaliação criteriosa de sua viabilidade.
Existem pactos de cooperação entre os países que compartilham o aquífero Guarani, mas o Brasil não parece se lembrar dos compromissos assumidos. Pretende abrir concessões para a extração do gás de xisto sem nem mesmo consultar a comunidade científica de forma adequada. Prudente seria aprofundar a discussão com os estudiosos do tema para embasar futuras decisões.
Texto de Suzana Pádua, publicado na Folha de São Paulo.
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