Um padre jesuíta italiano que passou décadas promovendo o diálogo religioso na Síria e liderou a revolta contra o presidente Bashar Assad embarcou recentemente em uma nova missão: convencer um grupo islâmico extremista a libertar seus prisioneiros e suspender os combates que espalharam a violência por todo nordeste do país.
Isso foi há algumas semanas. Ele não foi visto desde então, e relatos não confirmados de que ele teria sido morto têm se tornado cada vez mais comuns.
O desaparecimento do padre, o reverendo Paolo Dall'Oglio, preocupou líderes católicos de todas as hierarquias da Igreja, chegando até os ouvidos do papa Francisco, que pediu sua libertação e fez orações por seu bem-estar. O desaparecimento do religioso também chocou muitos na oposição síria, que viram o ocorrido como um símbolo sombrio da postura dos rebeldes contrários a Assad, além de mostrar até que ponto alguns dos principais atores do levante se desviaram dos objetivos iniciais do movimento.
"Ele ficava dizendo para os defensores da revolução que não podíamos perder nosso objetivo de construir uma sociedade livre e democrática na Síria", disse Fawaz Tello, ativista da oposição síria lotado na Alemanha e que conhece Dall'Oglio. Mas, segundo Tello, o padre tinha ido longe demais, pois tentou promover um cessar-fogo entre as milícias curdas e do Estado Islâmico do Iraque e da Síria, grupo ligado à Al-Qaeda.
"Eles não estão do lado da revolução", disse Tello. "Ele estava tentando desempenhar um papel de mediador entre esses dois lados, e isso era muito perigoso".
Dall'Oglio é o último clérigo cristão a desaparecer em meio à guerra civil da Síria, travada entre os rebeldes, que são sunitas muçulmanos em sua maioria, e as forças do governo, que dependem fortemente de seita alauíta de Assad, uma ramificação do islamismo xiita.
A guerra deixou a minoria cristã da Síria – cerca de 8% dos 23 milhões de habitantes do país – em uma situação difícil. Enquanto muitos se opõem aos esforços de Assad para esmagar a oposição, os cristãos têm encontrado pouco consolo na oposição, que é formada, em grande parte, por muçulmanos. Sem mencionar os grupos militantes ligados à Al-Qaeda, que emergiram como os combatentes mais formidáveis em vários campos de batalha.
Embora a maioria dos líderes cristãos tenha tentado se manter neutra durante o conflito, muitos se transformaram em alvo. Não se sabe o que aconteceu com um arcebispo siríaco, Yohanna Ibrahim, nem com um arcebispo ortodoxo grego, Paulo Yazigi, desde que eles foram sequestrados em abril passado, na província de Aleppo, ao norte da Síria, por homens armados que mataram seu motorista. Outros padres também foram sequestrados e não há nenhuma informação sobre seus paradeiros.
Dall'Oglio, um padre barbudo e gregário de 50 e tantos anos, destacava-se entre seus pares por apoiar a revolta contra Assad, que teve início em março de 2011.
Ele era bem conhecido na Síria. Ele vivia no país há três décadas, falava árabe fluentemente com sotaque sírio e administrou o antigo mosteiro de Mar Musa, que fica no deserto, onde organizou programas para promover o entendimento inter-religioso.
"Ele construiu relações muito boas com todas as seitas, e não apenas com os cristãos", disse Tello. "Muitos dos xeques muçulmanos o conheciam e gostavam dele".
O governo de Assad, no entanto, perdeu a paciência com Dall'Oglio devido a sua simpatia pelos rebeldes e o expulsou do país em junho de 2012.
No mês passado, ele viajou para Raqqa, no nordeste da Síria, a única capital provincial que é completamente controlada pelos rebeldes, e onde ativistas comemoraram sua chegada durante um grande protesto noturno.
"Se Deus quiser, Raqqa será a primeira capital da Síria livre", disse ele à multidão, de acordo com um vídeo do evento postado na internet.
Em entrevista concedida em Raqqa a uma agência de notícias da oposição pouco antes do seu desaparecimento, Dall'Oglio disse que estava em jejum em solidariedade com os muçulmanos da Síria.
"Estamos aqui em uma jihad democrática para derrubar o regime", disse ele.
Insinuando que estava preocupado com o fato de a revolta estar tomando a direção errada, ele disse que estava trabalhando para poder dizer aos sírios: "por favor, façam alguma coisa para nos levar a alcançar a liberdade que todos nós almejamos".
Na época, o grupo militante mais radical da Síria, o Estado Islâmico do Iraque e da Síria, ligado à Al Qaeda, estava lutando contra as milícias curdas em uma ampla área do norte do país e prendeu ativistas que se opunham a sua agenda.
Dall'Oglio decidiu tentar atrair a atenção desse grupo para poder pedir que eles libertassem os prisioneiros e negociassem um cessar-fogo com os curdos, disse Friedrich Bokern, presidente da Relief and Reconciliation for Syria (Assistência e Reconciliação para a Síria), organização com sede em Bruxelas. Bokern falou com o padre pouco antes de seu desaparecimento.
"Ele estava totalmente sereno sobre o risco que corria", disse Bokern. "Ele dedicou sua vida ao diálogo com o Islã e a Síria. Esta é a hora mais sombria da Síria e esse grupo é visto por muitos como o lado sombrio do Islã. Ele tinha que ir até lá".
Em 29 de julho, Dall'Oglio entrou na sede do Estado Islâmico do Iraque e da Síria em Raqqa e não foi visto desde então, disse Bokern, acrescentando que não confirmou as informações sobre o que aconteceu ao padre.
Na quarta-feira passada, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, que monitora o conflito a partir da Grã-Bretanha por meio de contatos na Síria, repassou informações de ativistas segundo as quais Dall'Oglio teria sido morto.
O líder do Observatório Sírio para os Direitos Humanos, Rami Abdul-Rahman, disse que os ativistas em Raqqa tinham "recebido informações" do grupo extremista sobre o assassinato, mas disseram não saber quando ou como ele teria sido morto.
Poucos dias depois do desaparecimento de Dall'Oglio, o papa Francisco mencionou o nome do padre durante uma oração com os colegas jesuítas em Roma.
Reportagem de Ben Hubbard, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Cláudia Gonçalves
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