Da janela de seu escritório, Henrik Kristensen, principal executivo da empresa que administra o principal porto do Peru, ainda consegue ver as fileiras de automóveis brilhantes da marca Kia, recém-chegados da Coréia do Sul, e os contêineres empilhados, quatro a quatro, cheios de produtos importados, como televisores e roupas de marca destinados para a crescente quantidade de shoppings que atendem à florescente classe média peruana.
"Este é o Peru", disse Kristensen. "Quando você vai aos shoppings, eles estão cheios de gente, estão todos lotados. Esse é um bom indicador de que as pessoas estão realmente gastando dinheiro."
A economia do Peru cresceu, em média, 6,4% ao ano entre 2002 e 2012, corrigidos pela inflação, de acordo com dados do governo, um período notável de expansão sustentada que transformou o país numa das estrelas entre as economias mundiais.
Mas, de repente, o crescimento do país desacelerou e, pouco além da vista da janela de Kristensen, sob o céu de inverno perpetuamente cinza de Lima, a razão dessa desaceleração fica clara.
No Dock 5B, os navios são carregados com as riquezas minerais do Peru, incluindo o minério de cobre, o chumbo e o zinco --as matérias-primas que alimentaram o boom peruano com seus crescentes preços nos últimos anos. Mas, nos primeiros seis meses deste ano, os embarques de minerais realizados pelo porto caíram 12% em termos de peso, de acordo com a APM Terminals, empresa de Kristensen, que opera as instalações para o governo peruano.
Essa diminuição foi resultado de uma queda na demanda devido às dificuldades por que passa a economia mundial e à desaceleração da China, um dos principais parceiros comerciais do Peru. Esses fatores também fizeram com que os preços dos minerais despencassem, sugando o vento das velas da economia peruana.
Esse golpe em meio ao boom deu vazão à ansiedade nacional, transformando a preocupação exagerada em relação à economia num dos principais assuntos das primeiras páginas dos jornais e dos noticiários de televisão. As manchetes locais lamentam a disparada dos saldos comerciais negativos, enquanto o valor dos minérios e de outros produtos de exportação, incluindo itens de vestuário e produtos agrícolas, despenca ao mesmo tempo em que as importações estão aumentando.
Miguel Castilla, ministro da Economia e da Fazenda do Peru, disse prever que a economia do país cresça entre 5,5% e 6% este ano. Apesar de esses percentuais serem inferiores às previsões anteriores, eles manteriam o status do Peru como uma das economias de crescimento mais acelerado da América Latina. Mesmo alguns dos economistas mais céticos preveem que a economia peruana crescerá quase 5% este ano, taxa que seria celebrada como um sucesso formidável em muitos países.
Mas, no Peru, essas previsões estão sendo tratadas como algo próximo de um desastre.
"Crescer 6% durante uma década --nós nos acostumamos com isso", disse Gustavo Yamada, decano da economia da Universidade do Pacífico, em Lima. Yamada prevê que o crescimento do Peru estacionará na faixa entre 4% e 5% nos próximos anos.
Segundo ele, "isso cria um cenário de 'ei, espere um minuto, nós íamos nos transformar no próximo tigre inca; que decepção'".
Pesquisas mostram que a confiança do consumidor peruano caiu este ano, e um levantamento realizado pelo Banco Central Peru em junho passado mostrou que, naquele mês, a confiança dos investidores estava em seu ponto mais baixo do último período de quase dois anos.
"Nós nos acostumamos a um período sustentado de crescimento, e nós nos esquecemos dos ciclos", disse Castilla, o ministro da Economia.
Assim como fatores externos, como o aumento dos preços dos metais, alimentaram o boom do Peru, fatores semelhantes, como a lenta recuperação dos Estados Unidos, os problemas econômicos da Europa e a desaceleração da China, agora estão fazendo com que o crescimento do país esfrie, afirmou Castilla.
"Estamos em uma encruzilhada", disse Castilla. "Nós temos tudo de que precisamos para lidar com essa condição mundial menos favorável, mas há uma necessidade urgente de implementarmos as reformas que foram aprovadas recentemente e de abordarmos outras questões".
Entre essas mudanças estão as medidas para eliminar os obstáculos econômicos – como tornar o governo mais eficiente, fazer com que os mercados de capitais funcionem melhor e melhorar a infraestrutura peruana.
O ministério de Castilla também selecionou uma lista de 31 projetos no valor de US$ 22 bilhões – que incluem iniciativas nas áreas de mineração e infraestrutura --que pretende acelerar por meio da remoção dos obstáculos burocráticos.
A economia do Peru é uma mistura de pontos fortes e fracos. O país tem reservas internacionais robustas --um grande fundo de reserva que poderá ser usado como estímulo econômico durante épocas de crise--, além de uma baixa dívida pública.
A pobreza no Peru diminuiu mais de 50% nos últimos anos, passando de 59% da população em 2004 para 26% no ano passado, segundo dados do governo. Milhões de pessoas saltaram para a classe média, que, segundo as estimativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dobrou de tamanho entre 2007 e 2012 e agora inclui cerca de metade de todas as famílias peruanas.
Mas a nova prosperidade peruana é desigualmente distribuída, pois está concentrada nas cidades e ao longo da costa. Mais da metade das pessoas que moram nas áreas rurais ainda vivem na pobreza, especialmente nos Andes e na bacia do rio Amazonas. Lima também continua a abrigar grandes favelas.
O sistema de ensino é sofrível, milhões de pessoas ainda não têm acesso a redes de esgoto e água tratada e há uma miríade de gargalos de infraestrutura.
O porto, instalado em uma área conhecida como Callao, ilustra alguns destes desafios. Ele está passando por uma modernização no valor de US$ 750 milhões, pagos pela APM Terminals, que assumiu a gestão da instalação das mãos do governo há dois anos.
Mas a estrada que leva ao porto está sempre congestionada de caminhões que aguardam sua vez de passar pelo único acesso que leva às instalações de embarque e desembarque de cargas. Mais para o interior, as estradas necessárias para fazer com que os bens entrem e saiam do porto são, muitas vezes, traiçoeiras.
A economia do Peru é fortemente dependente da mineração. O país é o terceiro maior produtor mundial de cobre e prata e o sexto maior produtor de ouro, de acordo com a United States Geological Survey (Pesquisa Geológica dos Estados Unidos). E, apesar das discussões sobre a diversificação, o presidente Ollanta Humala está depositando suas esperanças na manutenção do crescimento sustentado da mineração.
Várias novas minas de cobre estão programadas para começar a produzir durante os próximos anos, o que poderá dobrar a produção do país. Mas a mineração de ouro, que é responsável por uma grande parcela do valor das exportações de minérios do país, recuou após as minas terem sido exauridas --e os protestos paralisaram um grande e novo projeto de mineração de ouro, conhecido como Conga, localizado na região de Cajamarca.
O volume total de exportações de minérios do Peru no primeiro semestre deste ano foi mais ou menos igual ao do mesmo período de 2012, mas devido aos preços mais baixos, seu valor caiu mais de 15%, de acordo com a Associação dos Exportadores do país, grupo comercial do Peru.
Tudo isso está ocorrendo em um momento difícil para Humala, cujo índice de aprovação caiu de mais de 50% no início deste ano, passando a 33% em uma pesquisa recente. Humala, que agora está na metade de seu mandato de quatro anos, é visto por muitos como um presidente fraco, que tem dificuldade para inspirar as pessoas e que, aparentemente, cambaleia de crise em crise.
Ele foi criticado por sua atuação sisuda em 28 de julho, quando leu seu discurso anual do Dia da Independência, o equivalente do Peru ao discurso sobre o estado da nação dos EUA. Vários comentaristas disseram que ele perdeu uma oportunidade de unir o país e de promover uma visão otimista sobre a economia local.
Esta semana, Humala disse ao país que "o mundo está passando por uma crise econômica tremenda", segundo relatos da mídia peruana. "A crise chegou ao Peru".
Humala, que é um ex-militar, começou sua carreira política como esquerdista e, em determinado momento, chegou a se espelhar em Hugo Chávez, o impetuoso ex-presidente da Venezuela. Mas, para ganhar a eleição de 2011, ele migrou para o centro e se comprometeu a manter a economia do país no caminho certo.
Ele também prometeu levar os benefícios do crescimento econômico do Peru para os milhões de pessoas que ficaram de fora da festa. E, apesar de Humala ter criado ou reforçado alguns programas sociais, muitos de seus apoiadores esquerdistas de outrora se sentiram traídos por ele. A nova lei do Serviço Público, que inclui avaliações dos funcionários públicos, provocou protestos irritados por parte dos sindicatos no mês passado.
E, apesar de muitos na comunidade empresarial peruana estarem aliviados por Humala não ter realizado grandes mudanças na política econômica, a confiança deles parece estar diminuindo. Quando o governo de Humala disse, em abril passado, que estava pensando em comprar uma participação nas operações peruanas da empresa petrolífera espanhola Repsol, a decisão foi recebida com uma tempestade de protestos e ele rapidamente voltou atrás.
Carlos González, economista da Associação dos Exportadores, disse que a desaceleração econômica do Peru está sendo demasiadamente dramatizada. Mas ele acrescentou que o Peru terá que trabalhar mais para manter o crescimento e para atrair investidores após as condições externas terem mudado.
"Nós éramos a garota mais bonita do bairro, que poderia ter conseguido o melhor namorado", disse ele. "Mas parece que esse momento já passou para nós".
Reportagem de William Neuman, para o The New York Times, reproduzido no UOL.
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