sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Família de Amarildo diz acreditar que pedreiro já está morto

Família de Amarildo diz acreditar que pedreiro já está morto


MARCO ANTÔNIO MARTINS
FÁBIO BRISOLLA
DO RIO

Magro, pouco mais de 1,70 m de altura, o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, é conhecido na favela da Rocinha, zona sul do Rio, como o único a carregar dois sacos de cimento nas costas.
"Boi", como é chamado pelos amigos, não fica em casa. Está sempre construindo um muro, uma laje ou carregando uma geladeira. Para transportar 25 sacos de areia, ganha R$ 80.
Todo esse sacrifício para sustentar a mulher, Elizabeth, 48, e seis filhos, com idades entre 6 e 21 anos, moradores de uma casa com um cômodo apenas e banheiro em um dos becos da rua 2.
Na região, não fosse pela precariedade da infraestrutura, pode se dizer que há uma área comercial com boteco, casa de material de construção, bazar e o supermercado do Carlão.
Era lá, nesta área onde tem um recuo em que os moradores jogam lixo ou descarregam materiais como areia, cimento e tijolo, que Amarildo de Souza passava os seus dias à espera de um biscate.
"Essa aqui era a área dele. Era magro, mas era um monstro de tão forte", contou o comerciante Tiago Santos, 31, que conhecia o pedreiro desde criança.

O SUMIÇO

No domingo, dia 14 passado, às 19h20, quatro recrutas da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha o pegaram diante de casa e o levaram para a sede da unidade, no alto da favela.
Ele havia acabado de chegar de uma pescaria.
Os PMs pensavam que o pedreiro era o traficante Guinho, com mandado de prisão expedido pela Justiça. Na véspera, 48 pessoas foram presas sob suspeita de tráfico de drogas na Rocinha.
Sem camisa, de bermuda e chinelos. Assim, Amarildo de Souza entrou no carro 6014 da Polícia Militar. Desde então, não foi mais visto.
"É duro dizer, mas eu acho que meu irmão está morto. Ele sempre dizia que revidaria se fosse agredido por um policial. Dizia que trabalhador não pode levar tapa na cara e ficar quieto", disse Maria Eunice Dias, 52, uma das irmãs do pedreiro.
Moradores, que pedem anonimato, dizem que contra ele também pesou o fato de traficantes do Comando Vermelho estarem o tempo todo diante de sua casa.
No beco próximo há uma boca de fumo. Alguns chamam o local de "inferno" por causa dos criminosos.
Lá não há câmeras. Traficantes não são incomodados pelos policiais. Desde que o pedreiro desapareceu, os policiais foram proibidos de entrar nos becos. A polícia investiga a hipótese de ele ter sido levado para a sede da UPP para dar alguma informação sobre os traficantes.
"Ele não demorou cinco minutos aqui. Olhei para ele, para a foto e vi que não era o tal do Guinho e liberei. Vi que ele desceu as escadas, mas não acompanhei para onde foi", afirma o major Edson Santos, comandante da UPP.
A Rocinha tem 84 câmeras.

SEM CÂMERAS E GPS

Naquele domingo, as duas localizadas diante da sede da unidade estavam queimadas.
Ontem, os investigadores tomaram conhecimento de que o GPS do carro policial também não funcionava.
Agora, a polícia pretende fazer uma reconstituição para saber qual o destino seguido por Amarildo de Souza.
Nascido na Rocinha, ele é o sétimo de 12 irmãos. Quatro morreram por doenças.
"Criei ele até se tornar um homem. Agora assumi a família dele e a minha", diz a irmã, que é pedreira.
Começou a trabalhar aos 12 anos vendendo limão. Não sabe ler, apenas assinar o nome. Torcedor do Flamengo, não cansava de lembrar aos seis filhos onde morava e que eles tinham que estudar.
Em meio a manifestações, a família diz não parar de ouvir deboche dos policiais militares que patrulham a maior favela do país: "E aí, o Amarildo voltou?".
"Não durmo desde que ele sumiu. Não como direito. Estou tonta. Só quero uma resposta", diz Elizabeth Dias, 48, mulher de Amarildo.
Ontem, a polícia disse que vai fazer a reconstituição do trajeto de Amarildo na tentativa de achar novas pistas sobre o paradeiro do pedreiro.


Reprodução da Folha de São Paulo

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