Em seu discurso do Estado da União, o presidente Barack Obama registrou sua séria preocupação com a ciberespionagem realizada pelo que chamou de "nossos inimigos". Seus comentários de 12 de fevereiro ocorreram dois dias após vazamentos de uma avaliação da inteligência americana apontarem a China –de novo– como a ameaça mais séria no ciberdomínio.
Alguns conselheiros de Obama recomendaram uma ação dura para enviar um sinal claro à China para que mude seus modos. Mas mesmo se os americanos retaliarem, é improvável que a China responda como eles gostariam. A espionagem continuará e provavelmente se intensificará, independente do que os Estados Unidos façam.
Uma das duas principais queixas contra a espionagem da China é que organizações, tanto privadas quanto do governo, estão roubando segredos de empresas americanas em grande escala.
Esse roubo de direitos de propriedade intelectual (DPI) viola a lei doméstica da China e os tratados internacionais em vigor há mais de uma década. Os esforços recentes da China para honrar seus compromissos foram substanciais, considerando que o país não tinha leis semelhantes durante grande parte de sua história. Mas há uma piada na China de que as empresas americanas vão aos tribunais para perder casos de DPI.
A cooperação bilateral contra ciberespionagem entre si por parte dos Estados Unidos e da China mais ou menos se esgota nesse ponto bastante insatisfatório.
É a segunda principal queixa –muito diferente de roubo de DPI– que dá um quadro mais claro do que está em jogo para a China na escalada do confronto diplomático em torno de ciberameaças. É a acusação de que a China está ativamente penetrando na infraestrutura de informação crítica dos Estados Unidos com intenção estratégica hostil.
O governo Obama afirma que a China, usando cibersondas de vários tipos, está ocupando certas posições dentro das redes de informação de parte da infraestrutura crítica americana, para que possa interferir nela caso um confronto militar em torno de Taiwan se torne iminente.
Para os planejadores na China, essa atividade é vista como sendo não diferente do tipo de planejamento de contingência e das ciberoperações realizadas pelos Estados Unidos contra alvos militares e de infraestrutura chineses. Analistas e líderes militares chineses há muito estudam o uso pelos Estados Unidos de ciberataques contra infraestrutura crítica, desde relatos não confirmados de ataques americanos em 1999 contra o sistema elétrico e de telefonia da Sérvia.
A posição da China também é influenciada pela alta dependência da liderança chinesa, para fins de estabilidade política, dos serviços de inteligência e das forças armadas, que são os principais perpetradores da espionagem.
Mas há descrença na China de que os Estados Unidos esperariam uma rejeição da ciberespionagem militar por parte dela. Os chineses argumentariam que os Estados Unidos a praticam, de modo que a China também precisa. Há um compromisso na China com a ideia de que para uma preparação militar na Era da Informação, um país precisa ser capaz de usar ciberativos, caso possa, para desativar a infraestrutura adversária das quais uma campanha militar dependeria. Em novembro passado, a liderança chinesa anunciou que apressaria o desenvolvimento de tecnologia da informação para fins militares.
Conselheiros militares na China contam com um argumento fácil. Por que a China deveria abandonar suas operações de contingência, não letais, ligadas a possíveis ciberataques contra infraestrutura crítica, enquanto os Estados Unidos buscam vigorosamente ciberopções ofensivas?
Os Estados Unidos, eles dirão, são os principais arquitetos de um ataque de sabotagem direto e ilegal contra infraestrutura crítica do Irã em tempos de paz, por meio do Stuxnet. Avaliações internas na China pintam sua capacidade de ciberguerra (diferente de seu desvio de informação) em relação à dos Estados Unidos como básica contra avançada. Essa avaliação é compartilhada por alguns altos oficiais militares americanos.
Os planejadores militares chineses acreditam que só lançariam um ciberataque contra infraestrutura crítica americana no caso de um confronto militar iminente em grande escala com os Estados Unidos em torno de Taiwan. Apesar dos americanos não poderem exibir uma confiança igual, e a preocupação deles é legítima, é a percepção chinesa que molda as respostas da China.
O argumento americano é atrapalhado por sua mistura de duas queixas distintas: roubo de DPI e ameaças à segurança nacional. Essa confusão se deve a alguns nos Estados Unidos considerarem que a China tem uma política explícita de minar o poder econômico nacional americano por meio de ciberespionagem em grande escala. Isso é apresentado como uma forma de guerra econômica –um argumento que muitos analistas americanos contestam.
É verdade que a China tem uma política de usar quaisquer meios disponíveis –incluindo a coleção de inteligência secreta– para melhorar sua própria tecnologia e, por meio disso, seu poder econômico. Afinal, ela precisa contornar as proibições americanas de exportação de alta tecnologia em vigor contra a China. Mas as autoridades chinesas dizem –e a maioria dos economistas estrangeiros concorda– que a China tem um enorme interesse na estabilidade e vitalidade da economia americana.
Os Estados Unidos têm um bom motivo urgente para argumentar em prol de uma estabilidade estratégica no ciberespaço. Para trabalhar com a China como parceira nessa meta, os Estados Unidos precisarão apresentar argumentos sobre ciberespionagem que se encaixem mais sensivelmente do que no momento em uma visão de um mundo digital interconectado, interdependente.
Texto de Greg Austin, para o International Herald Tribune, reproduzido no UOL. Tradução de George El Khouri Andolfato.
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