Com cabeça a prêmio, militante não se esconde
Por DECLAN WALSH
LAHORE, Pakistan - Ao que parece, US$ 10 milhões não compram muita coisa nesta cidade paquistanesa. Essa é a quantia que os EUA oferecem a quem ajudar na condenação de Hafiz Muhammad Said, talvez o mais conhecido líder jihadista do país. Mas Said vive sem se esconder e aparentemente sem medo num bairro de classe média de Lahore.
Said, 64, é o fundador e supostamente ainda o verdadeiro líder do grupo militante Lashkar-e-Taiba, responsável pela morte de mais de 160 pessoas num ataque de 2008 em Mumbai, na Índia. A ONU o colocou numa lista de terroristas procurados e impôs sanções ao seu grupo. Mas poucos acreditam que ele seja julgado tão cedo em um país que mantém uma perigosa ambiguidade com relação à militância jihadista.
"Eu transito como uma pessoa comum -esse é o meu estilo", disse Said. "Meu destino está nas mãos de Deus, não dos EUA."
Essa vida tão pública parece ser mais do que um gesto de desafio zombeteiro ao governo Obama e à sua recompensa, segundo analistas. Num momento em que os soldados americanos se preparam para deixar o vizinho Afeganistão, o Lashkar está numa encruzilhada. O próximo passo dos seus combatentes -voltar sua luta contra o Ocidente, desarmar-se e aderir ao processo político ou regressar à batalha na Caxemira- dependerá em grande parte de Said.
Na sua casa em Lahore, Said fica blindado por seus apoiadores, homens armados de fuzis Kalashnikov, e pelo Estado. Recentemente, policiais revistavam visitantes perto da casa dele, e outros agentes patrulhavam os arredores.
Said tem discursado em grandes eventos públicos e aparecido na televisão. Agora, está dando entrevistas a meios de comunicação ocidentais.
Falando recentemente ao " New York Times" em sua casa, ele insistiu no fato de já ter sido inocentado por tribunais paquistaneses. "Por que os EUA não respeitam nosso Judiciário?", disse.
No entanto, ele diz não ter nada contra os americanos e descreve calorosamente uma viagem que fez em 1994 aos EUA.
Na época, seu grupo estava dedicado a atacar soldados indianos na disputada Caxemira -uma luta que levou o serviço paquistanês de inteligência militar a contribuir para a criação do Lashkar-e-Taiba, em 1989. Mas essa batalha se abrandou, e o Lashkar começou a se projetar por meio do seu braço beneficente, o Jamaat-ud-Dawa, que mantém hospitais e escolas em todo o Paquistão.
Os ataques de Mumbai deram notoriedade ao Lashkar. Mas, desde então, as provocações de Said à Índia são em grande parte apenas verbais. "A luta militante ajudou a chamar a atenção do mundo", afirmou. "Mas agora o movimento político está mais forte. Ele deve estar na linha de frente da luta."
Analistas paquistaneses advertem que a abertura de Said ao mundo não é casual. "Isso não acontece do nada", disse Shamila Chaudhary, ex-integrante do governo Obama e consultor.
A questão é o que irá acontecer com o Lashkar quando os soldados americanos forem embora do Afeganistão, onde o grupo atuou nos últimos anos. Os combatentes do Lashkar têm atacado militares ocidentais e instalações diplomáticas indianas no Afeganistão, segundo fontes de inteligência. Uma possibilidade é um retorno ao tradicional campo de batalha do Lashkar, a Caxemira, podendo desencadear um novo conflito entre Paquistão e Índia. Mas uma possibilidade mais positiva é que ele leve seu grupo a entrar mais a fundo na política.
Said precisa andar na corda bamba dentro das fileiras jihadistas. O apoio estatal dado a ele o contrapõe ao Taleban paquistanês, deixando-o vulnerável a pressões de combatentes simpáticos a esse grupo.
No fim das contas, muito vai depender do Exército paquistanês, segundo o acadêmico americano Stephen Tankel, autor de um livro sobre o Lashkar. "O Exército não pode desmantelar esses grupos todos de uma vez só, por causa do perigo de uma reação", afirmou. "Então, por enquanto, eles o estão deixando na geladeira. É cedo demais para dizer para qual lado eles irão afinal."
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