Legalizar a produção, o comércio e o consumo das drogas no país. Esse é o objetivo da filial brasileira da Leap ("Agentes da Lei Contra a Proibição", em português), que reúne juízes, policiais civis, militares, entre outros profissionais de segurança pública. Na visão do grupo, a atual política de combate às drogas "viola a liberdade individual", segundo a presidente da Leap Brasil, Maria Lúcia Karam, e se mostra incapaz de proporcionar "a regulação e o controle" da venda e uso de entorpecentes.
Karam, juíza que atuou na área criminal durante oito anos, afirma ter sido sempre favorável à "inconstitucionalidade das leis que criminalizam a posse de drogas para uso pessoal", pois elas se referem, na versão de Karam, a uma "conduta privada que não atinge concretamente os direitos de terceiros". Na tentativa de promover o debate, juntou-se a homens como o delegado da Polícia Civil do Rio Orlando Zaccone e o ex-chefe do Estado Maior da PM coronel Jorge da Silva.
"A minha experiência na Justiça criminal ajudou a compreender os danos provocados pela política de guerra às drogas. São inúmeras violações aos direitos fundamentais que estão presentes nas convenções internacionais e nas legislações nacionais, como a legislação brasileira, a começar da violação a liberdade individual ao se pretender criminalizar a posse de drogas para uso pessoal", disse.
"Em toda a minha carreira, eu sempre declarei a inconstitucionalidade das leis que criminalizam a posse de drogas para uso pessoal (...) o Estado não pode intervir nessas condutas. Mas compreendi também que não basta declarar a inconstitucionalidade, que não basta afirmar o direito de cada um colocar em seu corpo o que bem entender. É preciso avançar para repudiar essa política de proibição, produção e comércio dessas substâncias proibidas, pois é exatamente na proibição da produção e do comércio onde os maiores danos dessa política estão presentes", completou.
Criada nos Estados Unidos, a Leap tem atualmente cerca de 15 mil membros espalhados por mais de 70 países. A luta pela legalização irrestrita das drogas, segundo a juíza, diz respeito a um objetivo maior: criar uma metodologia "racional e respeitosa" de controle e regulação da produção, comércio e consumo de entorpecentes.
"Quando se joga determinadas atividades econômicas no mercado clandestino, é impossível qualquer controle. Essa é uma das grandes falácias da proibição", diz. "O controle só é possível com a legalização. A legalização virá possibilitar a regulação dessas atividades de produção, comércio e consumo dessas substâncias que não são diferentes de outras substâncias igualmente psicoativas como álcool e tabaco", afirma.
A juíza também aborda a questão da superlotação dos presídios brasileiros e dos homicídios praticados por policiais nas favelas da capital fluminense. Segundo ela, em 1995, o Brasil tinha uma média de cerca de 100 pessoas encarceradas por cem mil habitantes; quase 17 anos depois, esse índice teria sido elevado para 300 pessoas por cem mil habitantes.
"Uma das grandes causas é a criminalização da produção e do comércio dessas substâncias ilícitas", disse.
"No Rio de Janeiro, 20% dos homicídios são praticados por policiais nas favelas do Rio de Janeiro, atacando supostos traficantes ou pessoas que se assemelham a eles. (...) São praticamente meninos que vivem nesses guetos, que não têm oportunidades. (...) Usam metralhadoras e rifles como os brinquedos que nunca tiveram. A eles é reservado esse papel do inimigo. Quando eventualmente sobrevivem, estão superlotando as prisões", completou.
Letalidade
De acordo com o delegado Orlando Zaccone, titular do distrito policial da Praça da Bandeira (18ª DP), na zona norte do Rio, a atual política de combate às drogas é "resultado de uma guerra que tem potencial letal muito mais potencializada do que uma guerra entre Estados", citando como exemplo a guerra das Malvinas, entre Argentina e Inglaterra.
Em sua apresentação na 5ª Conferência Internacional de Direitos Humanos, em Vitória (ES), realizada em agosto de 2012, Zaccone afirmou que, enquanto o confronto entre argentinos e ingleses deixou cerca de 600 mortos, a violência no Rio de Janeiro provocou, em média, pelo menos 8.000 óbitos no período entre 2005 e 2010. Com o início da política de pacificação, por outro lado, esse índice vem caindo nos últimos anos.
"Se não tivéssemos a mudança de política, em algum momento teríamos a polícia matando mais do que prendendo. Estamos diante da exceção que virou regra. E se a exceção vira regra, nós temos um problema. Esses são os resultados reais do que se chama de combate às drogas. Uma letalidade imensa desse sistema penal", disse.
Do UOL Notícias.
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