Volto ao tema. O filósofo Roberto Romano escreveu artigo (Estadão de 10/02/2013) cujo mote foi uma fala da presidenta, na qual ela empregava a palavra “vilipêndio”. Não vem ao caso discutir o artigo. Apenas me interessa uma de suas passagens: “vilipêndio vem do baixo latim, vilipendere, uma corrupção do termo clássico vili…”. Por que é corrupção? Por que não dizer simplesmente que houve uma mudança no sentido da palavra? Úm velho discurso, desmentido por todas as teorias que levam em conta seja as estruturas internas das línguas e dialetos, especialmente se combinados com uma pitada, por mínima que seja, de história.
Um dos tópicos mais comuns no tratamento mítico das línguas é supor que, em algum momento, houve uma língua perfeita. O que veio depois teria sido corrupção / corruptela. Observe-se que o mesmo discurso se aplica às sociedades: nelas, a decadência seria constante. Mas é mesmo?
Os argumentos são ruins: num caso, porque ninguém sabe qual teria sido a tal língua perfeita e quais suas características; segundo, e mais importante, as formas que se conhecem e das quais dizemos que foram corrompidas não são as originais (segundo esse raciocínio, já podem / devem ter sido corrompidas). Por que a palavra “vili”, em determinado período, teria um “sentido verdadeiro”? Só porque não conhecemos sua história anterior?
(É comum que o argumento seja invocado em discussões de costumes políticos. O que se diz sempre é que “república” não é apenas uma forma de governo; que a palavra vem de res publica, ‘coisa pública’, o que implica que deve haver moralidade, que não pode haver mistura de interesses públicos e privados etc. Ora, a república romana não foi assim; nem os impérios foram necessariamente mais sujos que elas).
Na semana passada, disse que não há bons argumentos para a defesa de formas mais antigas da língua; o único é o “respeito” à tradição. Não discuti se a tradição deve ser defendida. Apenas indiquei que, em muitos campos, ela não vale nada, é desprezada. Às vezes, é defendida no campo moral e familiar, mas quantos queremos uma família patriarcal com as mulheres nos papeis que conhecemos bem?
A questão é estética, disse uma leitora, que se horroriza com formas como “amá”. Pode ser, mas aposto que ela mesma diz amá, benzê, dançá, saí, í pro cinema etc. O que acontece é que a escrita registra dessa pronúncia do final dos infinitivos parece estranha. Faladas, ninguém as percebe como erros.
Sem contar que esquecemos a história: os infinitivos um dia tiveram um –e final:amare, scribere, ponere. Alguém sente falta dele? Ora, como sentiríamos falta, se nem sabíamos que existiu?
Questão estética: isso dá um bom debate. Quer dizer que a arte clássica é arte? Ticiano sim, Picasso não? E a literatura de João Antônio e de Rubem Fonseca? E a de Mark Twain, fundadora da americana, segundo Hemingway?
No caso da língua e também nos outros, trata-se da tradição. E, às vezes, de pouca informação.
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