Há cerca de três meses, de forma sigilosa, um grupo de intelectuais árabes e judeus se reuniu em Viena para discutir uma ideia que vem ganhando terreno nos últimos anos: o fim iminente da solução de dois Estados.
Partindo do princípio de que as condições políticas e geográficas enterraram as chances de um Estado palestino viável, os participantes propuseram o estabelecimento de um só Estado para judeus e árabes, com direitos iguais para todos.
"A ideia de que a solução de dois Estados é a única alternativa está em crise", disse àFolha o cientista político palestino Bashir Bashir, que organizou o encontro. "Precisamos ser corajosos e pensar de forma criativa."
Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Bashir reconhece que a partilha da Palestina histórica continua sendo a solução mais popular entre israelenses e palestinos e a preferida da comunidade internacional.
Mas ele afirma que "há uma adesão crescente de vozes influentes dispostas a romper o paradigma" e a considerar outras fórmulas, como um Estado binacional.
Acima de tudo, o debate sobre a morte dos dois Estados fornece um diagnóstico do ambiente de desalento criado pelo impasse entre palestinos e israelenses.
Muitos círculos palestinos consideram a luta contra a ocupação israelense uma causa perdida, que deve ser substituída pelo princípio de democracia cívica: "uma pessoa, um voto", nos moldes da campanha que derrubou o apartheid, sistema segregacionista sul-africano.
A solução de um só Estado ressurgiu no meio acadêmico internacional a partir de um artigo do historiador britânico judeu Tony Judt, publicado em 2003 na "New York Review of Books".
Numa era de sociedades multiculturais, argumentava Judt, "a ideia de um Estado judeu, em que judeus e a religião judaica têm privilégios exclusivos e não judeus são excluídos, tem raízes num outro tempo. Israel, resumindo, é um anacronismo".
Embora o modelo de um só Estado não faça parte da agenda de líderes palestinos e israelenses e tenha crescido muito mais no campo das ideias, a crise do paradigma citada por Bashir é evidente.
Vinte anos após o histórico aperto de mão entre Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, que deveria ter pavimentado a solução dos dois Estados, o processo de paz está totalmente paralisado.
Apesar da intensa condenação internacional, o governo de Israel mantém a expansão de colônias na Cisjordânia ocupada, onde 350 mil colonos judeus vivem em meio a 2,5 milhões de palestinos. Enquanto isso, extremistas se fortalecem dos dois lados.
"A ocupação de Israel nos empurra para uma realidade de um Estado", diz Ghassan Khatib, ex-porta-voz da Autoridade Nacional Palestina. "Não será solução --só uma nova fase da crise, porque esse Estado será regido por um sistema de apartheid."
Desde o primeiro dos Acordos de Oslo, assinados por Rabin e Arafat em 1993, os governos israelenses adotaram o princípio dos dois Estados, sobretudo para escapar de uma armadilha demográfica.
Como a taxa de natalidade dos árabes é mais alta, a tendência é que até 2020 haja mais palestinos que judeus entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, os limites da Palestina histórica que incluem Israel e territórios ocupados (veja quadro ao lado).
O demógrafo Sergio DellaPergolla, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e autor da projeção, alerta que isso poria em xeque o caráter democrático de Israel, pois a minoria judia controlaria uma maioria árabe sem direitos iguais.
Para ele, a única forma de evitar isso é insistir na solução de dois Estados. Dadas a hostilidade histórica e as diferenças culturais entre os lados, a proposta de um Estado binacional é irreal, diz.
"Um Estado binacional entre Brasil e Argentina daria certo? Claro que não", compara. "Essa proposta é uma forma elegante de defender a eliminação de Israel."
O cientista político Bashir pensa exatamente o oposto: após 45 anos de ocupação, israelenses e palestinos estão se tornando inseparáveis. Ele conta que o encontro em Viena não definiu o formato de um futuro Estado binacional, só princípios de convivência.
"O formato é questão de engenharia institucional. Há muitas opções", diz Bashir. "Se a segregação é moralmente inaceitável, a alternativa é pensar sob a ótica binacional, que insista em direitos individuais e coletivos para todos."
Reportagem de Marcelo Ninio, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário