Em mais de 30 anos entrevistei dúzias de candidatos a emprego em jornalismo. Entre as perguntas que sempre faço, uma delas é esta: por que jornais são publicados? Até hoje, ninguém com formação numa faculdade de Jornalismo soube dar a resposta – que, naturalmente, é dar lucro ao publisher.
No ano passado, participei de um bate-papo com estudantes de Jornalismo da universidade local. Fiz a minha pergunta e recebi as mesmas respostas de sempre (“Para... hmmm... dar uma voz à comunidade?”) Quando disse a resposta aos estudantes, o instrutor discordou e repetiu a mesma besteira que os estudantes já haviam proporcionado. Minha resposta era uma observação de senso comum, dita com delicadeza. Como recentemente me escreveu um amigo, “se você quiser ver cabeças explodirem, tente explicar às pessoas que elas não são o cliente e o jornal não é o produto... Os anunciantes são o cliente e a atenção do leitor é o produto”. Se você fizesse essa experiência com uma faculdade de Jornalismo típica, as detonações cranianas que se seguiriam seriam registradas no sismômetro do departamento de Geologia.
E no entanto, é a verdade pura e simples, 100%.
Nós, na Redação, não deveríamos alimentar ilusões. Nosso objetivo total é preencher o “buraco das notícias”, que é o espaço que sobra depois que os anúncios tiverem sido colocados na página. Esse é o fato por trás da observação cômica do seriado de televisão Seinfeld: “É fantástico como a quantidade de notícias que acontece no mundo diariamente sempre se encaixa à perfeição no jornal.” É tudo decidido pela publicidade.
Preparando jovens para ‘salvar o mundo’
Se os jornais servem o público, isso é um feliz efeito colateral do principal objetivo de ganhar dinheiro. E, na verdade, servir o público depende completamente da condição de fazer dinheiro. Como estes simples fatos escapam à atenção dos estudantes de Jornalismo e professores de Jornalismo, é óbvio. Eles vivem numa Terra do Nunca onde os fatos da vida vêm em segundo lugar, depois do engajamento ideológico.
Ocupados, os professores preparam-se para enfrentar oralmente as injustiças do mundo, tais como definidas pelos professores do mundo. O resultado é aquilo que o colunista Jeff Jacoby, do Boston Globe, recentemente descreveu como uma “falta de diversidade ideológica” que se encontra na maioria das redações americanas. Jacoby listou os atributos mais comuns, incluindo “o apoio reflexivo aos democratas, a antipatia pela religião e pelos militares, o apoio ruidoso a entusiasmos liberais como controle de armas e casamento homossexual...”
Por que são necessários quatro anos para preparar jovens jornalistas para salvar o mundo – isto é, refazê-lo em sua imagem filosófica – é algo que não entendo. Nunca fiz um curso de Jornalismo, o que considero uma bênção para minha carreira e, em especial, para minha atividade de repórter. Eventualmente, um superior me diz: “Não é assim que se faz.” Quando pergunto por que, invariavelmente a resposta é: “Porque eu aprendi que não é assim que se faz.”
Regulação e legislação
Empresários podem recuar diante dessa frase. Espero que o façam. Afinal, nos negócios nenhuma frase é tão perigosa quanto “não é assim que fazemos aqui”.
Em parte, o resultado é um modelo estilístico que se recusa a envolver-se por completo com o leitor. Você sabe por que esta frase seria cortada por um copidesque? Porque usei a palavra “você”. O copidesque preferiria “os leitores poderiam se surpreender se soubessem que esta frase seria cortada pelo copidesque”.
Na atual era midiática, quando o exibicionismo por categoria é comemorado, nós, do ramo dos jornais, continuamos muito melindrosos para usar o enorme poder de envolvimento da segunda pessoa. É claro que todo mundo sobrevaloriza o treinamento acadêmico que recebeu. Torna o débito uma inconveniência e o tempo gasto, válido, ou menos fútil, pelo menos. E imagine a emoção de usar o “lede”, que é a nova forma de escrever lead[guiar, conduzir], como em frase de abertura de uma matéria. Seu uso proporciona a agradável sensação de possuir conhecimento especializado, um conhecimento bem para lá dos conhecidos do mediano zé ninguém.
Isso é particularmente agradável para aqueles que sabem tão pouco sobre todo o resto. Por exemplo, sempre pergunto aos candidatos a emprego uma segunda questão: “Qual é a diferença entre regulação e legislação?” Um único estudante graduado sabia a resposta. Timidamente, ele admitiu que sabia porque no verão anterior havia trabalhado como assessor legislativo.
Incompetência e corrupção
Diga-me, por favor. Como é que se prepara um estudante para uma carreira como “cão de guarda do governo” e não se dá a mais elementar instrução sobre como funciona um governo? Como convém à sua orgulhosa reputação e seu orgulhoso objetivo, os jornalistas trabalham sob o vínculo de uma orgulhosa construção ética. Infelizmente, ela é tão imperfeita e juvenil quanto sua proposta jornalística. De vez em quando, os imperativos éticos são simplesmente incompatíveis. Por exemplo: 1) salvar o mundo; e 2) objetividade jornalística. Isso ilustra à perfeição um fato importante: não foi filosófica ou acidentalmente que se chegou à ética jornalística.
Como é o caso com muitos códigos de ética, a ética na indústria do jornalismo tem como um de seus principais objetivos a manutenção do status quo, principalmente do status quo econômico.
Os leitores mais velhos se lembrarão que antigamente os advogados americanos evitavam a publicidade. Funcionava às mil maravilhas como forma de diminuir a concorrência, tanto em termos de preço quanto de atrair novos clientes. Para um equivalente em jornalismo, imaginemos que a maioria das redações dos jornais americanos funciona isolada dos aspectos “comerciais” da empresa. O suposto objetivo é o de garantir que os repórteres não sejam influenciados pela sujeira da troca de dinheiro que ocorre em algum outro lugar daquele prédio. Eles devem trabalhar como se os bancos locais não estivessem, de fato, comprando anúncios de página inteira e, com isso, ficam livres para fazer perguntas sobre a incompetência ou a corrupção dos bancos com a mesma frequência que o fazem àqueles que não anunciam.
Notícias insípidas
Na prática, a coisa não funciona tão bem.
Entretanto, bate na tecla – tão presente entre os moradores das redações – de que a maioria dos negócios é uma atividade corrupta, ou pelo menos questionável. Todos os donos de negócios são vistos como “gananciosos”. Os repórteres acham a ideia de maximizar os lucros um pouco perigosa. Lembre-se que os repórteres não estão trabalhando por recompensas semelhantes àquelas dos negócios. Eles querem salvar o mundo.
Há séculos que os donos de jornais usam essa propensão para pagar uma mixaria aos repórteres. Na realidade, a profissão dos repórteres é uma das que recebem pior pagamento entre as que exigem diploma universitário. Na maioria dos lugares, ganham de 40 a 50% menos que o bibliotecário local. Os donos dos jornais aproveitam-se, e muito, da ingenuidade do pessoal que está em suas redações. Eles não dizem uma palavra.
Depois temos a ideia de “objetividade”, outro conceito completamente ridículo e que também é altamente útil para gerar lucros. Objetividade jornalística é uma coisa que não existe. (Para uma explicação detalhada, veja “Why the News Makes You Angry”.)
Um pouco antes do final do século 19, toda a cidadezinha americana tinha um ou mais jornais e cada um atendia a leitores de determinada tendência religiosa, social ou política. Foi então que se introduziu a “objetividade”. O resultado não eram notícias objetivas, mas notícias que não sofriam objeções por parte de nenhum grupo. Notícias insípidas e comentários mostraram ser um ótimo modelo de negócios porque eram vendidos ao público como estritamente factuais, sem a suspeita de preconceito.
Magia negra
Os consumidores confiaram. E engoliram essas notícias.
As notícias objetivas foram e continuam sendo uma piada, mas os americanos continuam a acreditar que existem. As pessoas que assistem ao canal CNBC dirão que é objetivo. Os espectadores que assistem à Fox acreditam que escutam a verdade nua e crua. Como iriam essas mesmas pessoas penetrar o noticiário tendencioso, mas muito mais sofisticado, do New York Times?
A maioria dos consumidores de informação acredita que as notícias que recebe são “objetivas” simplesmente porque lhes disseram que são. É um fenômeno psicológico bastante conhecido, normalmente citado como uma “grande mentira”. A Sociedade dos Jornalistas Profissionais fornece uma interessante recapitulação de toda essa história de ética jornalística em seu website. Você verá que é exigido dos “jornalistas profissionais” – o que quer que isso signifique – que “descrevam na matéria a diversidade e magnitude da experiência humana com ousadia, mesmo quando não seja popular fazê-lo” – o que quer que isso signifique. E, finalmente, exige-se dos jornalistas que “exponham a conduta aética por parte de jornalistas e da mídia de informação”. Certo. Se porventura alguma vez existiu um argumento a favor do valor de jornalistas de pijama online, isto deveria acabar com ele.
Durante décadas, a grande mídia trabalhou numa bolha, completamente livre do controle de outros. Todos vimos os resultados disso. Diminuíram nossas vidas diárias. E foi tudo consequência de um acordo de cavalheiros: nós não iremos olhar para vocês se vocês não olharem para nós. E nunca deveremos, jamais, olhar criticamente para nossas próprias operações.
Agora, felizmente, aquele modelo foi destroçado – não por jornalistas profissionais, mas por amadores. Diletantes é como os chamariam meus condescendentes colegas – se seu vocabulário fosse suficiente. Pessoalmente, adoro essa gente. Eles estão finalmente conseguindo forçar a responsabilidade numa indústria singularmente poderosa que, por um tempo demasiado longo, às vezes praticou sua magia negra com o olhar do público.
Texto de Theodore Dawes, no Observatório da Imprensa. Tradução de Jô Amado.
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