quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pausas


Pausas no trabalho podem ajudar a criar laços sociais

Por PHYLLIS KORKKI

Qual é uma das decisões mais importantes que uma empresa pode tomar? É onde colocar o café.
Áreas de bebidas bem projetadas são um fator surpreendentemente importante para a produtividade, segundo Ben Waber, presidente e principal executivo da Sociometric Solutions, uma empresa de consultoria sobre locais de trabalho.
"Em geral, verificamos que o que torna as pessoas felizes e eficazes no trabalho é poder passar um tempo com um grupo íntimo de pessoas", disse o doutor Waber.
Fazer pausas frequentes permite que os trabalhadores reabasteçam sua energia interna. Pausas individuais -uma caminhada ao redor do quarteirão ou um tempo sozinho em silêncio em uma sala de reuniões- permitem que o trabalhador volte revigorado para tarefas difíceis.
Mas as pausas sociais também são importantes para o bem-estar de um trabalhador -e de uma empresa. Elas reforçam os laços, melhoram a moral e aumentam as possibilidades de colaboração.
O que nos leva de volta às bebidas. A Sociometric trabalhou com uma empresa farmacêutica que tinha muitos espaços diferentes para alimentação e bebidas, sem lugares para sentar. E os funcionários pediram desculpas ao doutor Waber pelo péssimo café.
Isto representava "uma grande oportunidade perdida", disse ele. A Sociometric recomendou que a empresa eliminasse muitos dos pequenos espaços e criasse uma grande área de reunião central, com muitos assentos -e um bom café sendo servido.
Em consequência, as pessoas começaram a se relacionar com um leque maior de colegas e os níveis de colaboração e desempenho melhoraram, diz o doutor Waber.
As pausas também servem para desabafar. Veja a experiência da Sociometric com os call centers de um grande banco. O banco pensou que seria mais eficiente alternar as pausas dos funcionários.
A Sociometric aconselhou o banco a agendar as pausas para uma equipe toda, junto com uma equipe alternativa. O resultado foi uma melhora de 25% no número de ligações respondidas e uma redução do estresse dos funcionários, disse Waber.
Ninguém foi obrigado a se sociabilizar durante as pausas, mas o novo programa criou uma maneira natural de os empregados buscarem ajuda entre si.
As empresas de tecnologia por muito tempo adotaram o conceito de pausas em grupo voluntárias como um caminho para a criatividade e a colaboração. Na verdade, a ideia do Gmail foi concebida por um pequeno grupo em um dos cafés do Google, disse Katelin Todhunter-Gerberg, uma sócia sênior da equipe de comunicações da empresa.
As pausas também são boas simplesmente porque fazem as pessoas levantarem de suas cadeiras. Há uma evidência inegável de que ficar sentado por muito tempo põe em risco a saúde dos trabalhadores.
Estudos da professora de serviços de saúde Toni Yancey, da Universidade da Califórnia mostraram que pausas para exercícios em grupo podem reduzir as licenças de saúde e os pedidos de indenização dos trabalhadores.
A doutora Yancey desenvolveu uma série de exercícios para pessoas que são "típicos adultos sedentários acima do peso", usando quase qualquer tipo de roupa. Idealmente, os exercícios devem ser realizados em duas sessões de dez minutos durante o período de trabalho. As pessoas podem dançar samba, por exemplo, ou imitar os movimentos de um jogo de beisebol em um programa temático.

Notícia do New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo, 30/07/12.

Proust, indústria e engenheiros


Proust, indústria e engenheiros

Queixas habituais de indústria e governo escondem incapacidade de melhorar tecnologia

A PRODUÇÃO da indústria está mais ou menos no mesmo nível de 2007 (na média deste ano em relação à média de 2007). Quase cinco anos. Capacidade ociosa não chama investimento. Não crescemos, entre outros motivos de curto prazo, porque não investimos.
A queixa habitual é um ímã para outros clichês: a indústria desanda devido a câmbio, imposto excessivo, energia cara. Clichês nem sempre mentem, mas são antolhos mentais. "O hábito é a coleira que prende o cão ao seu vômito", escreveu Samuel Beckett, sim, o escritor de Godot e coisas melhores. Tratava de Marcel Proust, mas passemos. Uma boa palavra vale por mil imagens.
É possível tirar os bodes do câmbio, do imposto etc. da sala? Não, pois não se trata de bodes que empesteiam apenas de passagem.
Mexe-se um pouco no câmbio, mas não podemos fazer muita coisa mais (sem provocar efeitos colaterais pesados).
Dá para reduzir um pouco de imposto aqui, outro ali, mas não muito mais enquanto gasto & dívida do governo continuarem o que são.
O governo talvez reduza um pouco da conta de luz das empresas. Mas, de novo, dessa pescaria vai sair mais lambari do que pacu.
O que é a nossa indústria, afora esses lastros indesejáveis? É capaz de inventar produtos, processos? Fala-se demais sobre a parte de fora da fábrica, pouco sobre o que se passa lá dentro. Ou de quem pode mudar o ambiente interno da indústria: centros de pesquisa aplicada.
Mesa de almoço, conversa informal, um colega coreano aqui nos EUA, engenheiro, pergunta o que queremos com a Foxconn (a gigante sino-taiwanesa que fabrica produtos da Apple no Brasil). O governo quer importar a Foxconn para fazer monitores mais avançados etc.
O colega coreano relembra que a Coreia não fez sua indústria com investimento estrangeiro ("eles não transferem tecnologia"). Copiou ("engenharia reversa") e criou institutos de pesquisa fora e dentro das empresas (como a Hyundai e a Samsung), importou engenheiros. O primeiro carro coreano foi projetado por britânicos importados.
A USP levaria uma década para formar os engenheiros que a Hyundai, coreana, ou a Huawei (chinesa de tecnologia de informação) empregam nos centros de pesquisa.
Colegas chineses riem simpáticos e irônicos quando a gente pergunta das queixas mundiais contra suas intervenções nos mercados. Num tom amigável, mas de quem explica enorme obviedade, contam que não fazem mais do que copiar métodos americanos históricos.
Concordam com os coreanos: não dá para confiar que multinacionais espalhem tecnologia no país em que aportam. Por isso as exigências draconianas dos chineses sobre transferência de tecnologia. Por isso o programa maciço de formação de engenheiros, uma das grandes metas do país para o futuro próximo.
A conversa do almoço não é novidade mesmo. É literatura acadêmica faz década e meia, pelo menos. Mas alguém ouve falar de importar ou produzir engenheiros e ciência por aí? Não custa lembrar: até nós já fizemos isso: Embrapa, Petrobras, Embraer.



Mostrar o elefante


Mostrar o elefante

Há várias maneiras de esconder um elefante. Uma delas é apresentando suas partes em separado. Em um dia, aparece a pata. No dia seguinte, você mostra a tromba. Passa um tempo e vem a cauda. No fim, não se mostra o elefante, mas uma sequência de partes desconectadas.
Desde o início, o mensalão foi apresentado pela grande maioria dos veículos da imprensa nacional dessa maneira. Vários se deleitaram em mostrá-lo como um caso de corrupção que deixaria evidente a maneira com que o PT, até então paladino da ética, havia assegurado maioria parlamentar na base da compra de votos e da corrupção. No entanto o mensalão era muito mais do que isso.
Na verdade, ele mostrava como a democracia brasileira só funcionava com uma grande parte de seus processos ocultados pelas sombras. O jogo ilícito de financiamento de campanha e de uso das benesses do Estado deixava evidente como nossa democracia caminhava para ser uma plutocracia, independentemente dos partidos no poder.
Como a Folha mostrou em uma entrevista antológica, o então presidente do maior partido da oposição, o senador Eduardo Azeredo, havia sido um dos idealizadores desse esquema, que, como ele mesmo afirmou, não foi usado apenas para sua campanha estadual, mas para arrecadar fundos para a campanha presidencial de seu partido.
Não por acaso, o operador chave do esquema, o publicitário Marcos Valério, já tinha várias contas de publicidade no governo FHC. Ninguém acredita que foi graças à sua competência profissional.
Ou seja, a partir do mensalão, ficou claro como o Brasil era um país no qual a característica fundamental dos escândalos de corrupção é envolver todos os grandes partidos.
Mas, em vez de essa situação nos mobilizar para exigir mudanças estruturais na política brasileira (como financiamento público de campanha, reformas que permitissem ao partido vencedor constituir mais facilmente maiorias no Congresso, proibição de contratos do Estado com agências de publicidade etc.), ela serve atualmente apenas para simpatizantes de um partido jogar nas costas do outro a conta do "maior caso de corrupção do pais".
No entanto essa conta deve ser paga por mais gente do que os réus arrolados no caso do mensalão. O STF teria feito um serviço ao Brasil se colocasse os acusados do PT e do PSDB na mesma barra do tribunal. Que fossem todos juntos!
Desta forma, o povo brasileiro poderia ver o elefante inteiro. Com o elefante, o verdadeiro problema apareceria e a indignação com a corrupção, enfim, teria alguma utilidade concreta.



Lavouras de tabaco voltam a prosperar


Lavouras de tabaco voltam a prosperar

Por LYDIA POLGREEN

HARARE, Zimbábue - Na década de 1990, os recintos de leilão de tabaco nesta cidade eram locais tranquilos. Alguns fazendeiros brancos, cada um vendendo centenas de fardos, chegavam em utilitários esportivos e se hospedavam nos melhores hotéis enquanto esperavam para pegar seus vultosos cheques.
Neste ano, uma cena diferente foi vista na casa de leilões Bock Tobacco Auction Floor. A cada dia, centenas de agricultores chegavam em micro-ônibus e nas caçambas de picapes, muitos com esposas e filhos a tiracolo e inundavam o barulhento espaço do pregão para vender sua safra. O lugar ficava animado e lotado; duas mulheres pariram em pleno pregão. A diferença mais óbvia, porém, estava na cor dos seus rostos: todos eles eram negros.
"Você só costumava ver rostos brancos por aqui", disse Rudo Boka, que dirige o estabelecimento. "Agora é para todos. É uma visão bonita."
Antes de o governo do Zimbábue desapropriar as terras dos brancos, em 2000, menos de 2.000 agricultores produziam tabaco, o cultivo mais lucrativo do país, e os brancos eram maioria entre eles. Hoje, existem 6.000 fumicultores, a vasta maioria deles negros e muitos trabalhando em pequenas glebas que lhes foram entregues em meio às turbulências fundiárias.
O confisco das fazendas dos brancos foi um desastre para o Zimbábue sob muitos aspectos. A economia, uma das mais robustas da África, deixou de crescer, a inflação disparou, e a fome e o desemprego aumentaram. Pessoas próximas do presidente Robert Mugabe ganharam enormes extensões de terras, embora muitos as tenham deixado ociosas. Uma crise política sobreveio e violentas represálias das forças de segurança causaram centenas de mortes.
Mas dezenas de milhares de pessoas receberam pequenas glebas na reforma agrária e nos últimos anos muitos desses novos agricultores superaram as dificuldades iniciais e estão se saindo bastante bem. Sua produção não se compara à dos fazendeiros brancos, antigos proprietários das terras, mas não é o desastre que muitos previam.
O resultado é uma ampla -embora dolorosa- transferência de riqueza dos latifundiários brancos para pequenos produtores negros. Juntos, estes venderam no ano passado US$ 400 milhões em tabaco, faturando uma média de US$ 6.000 cada, quantia expressiva para a maioria dos zimbabuanos.
"O dinheiro que era partilhado entre 1.500 grandes produtores agora é partilhado entre 58 mil produtores, a maioria deles de pequena escala", disse Andrew Matibiri, diretor do Conselho da Indústria e Comércio do Tabaco do Zimbábue.
Stuart Mhavei, 40, recebeu há vários anos uma pequena lavoura a 130 km de Harare. Ele tem melhorado consistentemente a qualidade, o volume e a renda da sua produção. Na atual safra, já faturou mais de US$ 10 mil.
"Por que um branco deveria ter tudo isto?", perguntou ele, apontando o campo verde e ondulado. "Isto aqui é o Zimbábue. Os negros devem vir em primeiro."
Charles Taffs, presidente da União dos Agricultores Comerciais, disse que o setor teria meios para incluir mais agricultores negros de forma menos destrutiva.
"A tragédia com o tabaco é que essa expansão, se houvesse políticas corretas, poderia ter sido feita na década de 1990 em conjunto com o setor comercial", disse Taffs. Em vez disso, centenas de milhares de trabalhadores perderam seus empregos e o país sofreu enormes prejuízos econômicos.
O custo pessoal para os fazendeiros brancos foi imenso. Um fumicultor branco do norte do Zimbábue, cuja família havia adquirido suas terras após a independência, descreveu a lenta e dolorosa erosão dos meios de subsistência da sua família.
"Agora que estamos reduzidos a menos de 200 hectares não há renda suficiente para sustentar todos", disse o fazendeiro, que pediu para não ser identificado por temer uma desapropriação ainda maior. "Empregamos pessoas, cuidamos dos nossos trabalhadores. É realmente doloroso ver isso acontecer no nosso país."
A produção de tabaco -de 150 mil toneladas neste ano- está bem abaixo do recorde de 236 mil toneladas em 2000.
Mas Tendai Murisa, pesquisador da fumicultura, disse que julgar a reforma agrária pelas cifras da produção é deixar de lado um ponto crucial.
"Ninguém jamais argumentou que esta é uma forma de cultivo mais produtiva", disse Murisa. "Mas ela distribui a riqueza de forma mais equitativa? Ela dá uma sensação de dignidade e propriedade às pessoas? Essas coisas também têm valor."



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A mitologia original de Prometheus

Charlie Parker definiu com precisão seu processo criativo quando disse que primeiro é necessário dominar a técnica do saxofone para depois esquecê-la e seguir o ritmo do jazz com a banda no palco. Este mesmo processo de desenvolvimento da criação musical serve também para representar a evolução de artistas de outras áreas, sem menores reparos. Enquanto na música e na literatura a relação entre a identidade do artista e o domínio da técnica determina o valor da obra, no cinema - talvez a manifestação artística mais coletiva, entre todas- o valor mais importante para estabelecer a qualidade do trabalho define-se pela capacidade do diretor de criar um universo próprio, através de uma unidade estética ou temática, onde as peças se encaixam de forma a representar uma identidade exclusiva, sua impressão digital. Ridley Scott é destes poucos diretores que ainda são capazes de manter um universo artístico coeso, gravitado por outras obras de estilos diversos. Seu último filme, Prometheus, é o resultado da colisão entre os dois principais objetos de análise de sua carreira, depois do aprimoramento de sua técnica durante décadas produzindo em alto nível: a resistência do indivíduo em face a instituições opressoras e a estética da barbárie.

Ridley Scott analisou estes dois temas, de forma mais eficiente, dentro do gênero da ficção cientifica, definido pelo próprio diretor a partir de Alien (1979), seguido por Blade Runner (1982).Os dois filmes retratam distopias em que o futuro da humanidade é apresentado de forma decadente, onde os avanços tecnológicos estão a serviço de corporações gigantescas, restando à parcela da sociedade excluída viver clandestinamente ou condicionada aos desmandos do novo poder que, aos poucos, assume as funções do Estado. 

Prometheus, criado depois de um hiato de trinta anos do diretor na ficção científica, é uma continuação da exploração desse universo na mesma palheta sem brilho e dark dos filmes anteriores, desta vez com tons diferentes, mas não menos assustadores e opressores. Blade Runner nasceu baseado no romance quase homônimo de Philip K. Dick e assemelha-se apenas na reprodução da cidade de Los Angeles coberta por uma fina camada de pó e castigada pela chuva. A arte em Alien também foi construída quase toda na escuridão, exceto pelas luzes de emergência da espaçonave, que aumentam o suspense iluminando de forma intermitente os traços biomecânicos criados pelo suíço H.R Giger. A principal diferença da arte de Prometheus em relação a estes filmes é de escala. Enquanto Alien e Blade Runner se desenrolam em ambientes fechados e limitados pela falta de luz, em Prometheus a ação é apresentada na escala natural, com paisagens observadas de uma perspectiva diferente, vistas do céu e exibidas até a linha do horizonte. Os efeitos especiais também são bastante cuidadosos, bastante diferentes da artificialidade borrada de Transformers. O auge desta técnica é alcançado na reprodução dos sonhos de um dos personagens através do pontilhismo e no contato das máquinas com pessoas e a paisagem natural. Apesar da aparência de cenário artesanal, as cenas de embarque e desembarque lunar foram criadas através de CGI (imagem gerada por computador), a partir de gravações na Islândia, incorporadas ao material produzido em estúdio. A naturalidade da fotografia, a produção do contato dos astronautas com o terreno extraterrestre, garante que o espectador esqueça por alguns momentos a premissa quase mística da visita de alienígenas à Terra em tempos remotos. 

A maior parte do prazer em assistir filmes de ficção científica vem da capacidade da produção conseguir convencer o espectador, durante todo o filme, de que o universo apresentado corresponde à realidade ou, tratando-se de um futuro remoto, que esteja ancorado em princípios e regras reconhecidos pelo universo da física, química e outras ciências naturais. Trata-se de uma linha tênue e invisível separando o gênero da fantasia. Entretanto, se a ideia da produção for analisar questões metafísicas, distantes da simples transformações do cotidiano, o espaço criativo da produção (principalmente do roteiro) torna-se maior, já que a física e a química ainda não são capazes -talvez nunca serão- de identificar as origens da vida ou do universo de forma cabal. A arte, neste ponto, trabalha com a mesma ferramenta destas ciências, desenvolvendo uma tese que possui a vantagem de ser provada certa ou errada de acordo com o gosto do espectador. Prometheus apresenta no centro de seu roteiro uma tese estapafúrdia, que um dia já foi defendida por grandes nomes da química e, hoje, é estudada sobre outro ponto de vista, bastante distante da possibilidade de seres extraterrestres terem iniciado voluntariamente a vida em nosso planeta, contida no roteiro do filme. Trata-se da hipótese da panspermia dirigida. 

A hipótese da panspermia dirigida foi defendida inicialmente em 1973 por um dos descobridores da estrutura do DNA, o biofísico inglês, vencedor do prêmio Nobel, Francis Crick. De acordo com sua tese, considerando a dificuldade do processo de duplicação do material genético nos seres vivos, que envolve vários processos extremamente complexos de reprodução de proteínas, os quais sempre estiveram presentes desde as fases mais primitivas da Árvore da Vida, o início da vida na Terra teria ocorrido através do envio ao nosso planeta, por seres alienígenas, de material genético pronto para se autorreproduzir. Crick abandonou esta tese, mais tarde, argumentando que havia sido muito pessimista sobre a possibilidade real do surgimento espontâneo da vida (abiogênese). Atualmente, a tese da panspermia ainda é considerada cientificamente, mas sem a poesia da mitologia alienígena. Em relação ao nosso planeta, estuda-se a possibilidade de que asteroides ou mesmo material expelido de Marte, devido a uma colisão com algum outro objeto, tenha enviado até aqui os blocos formadores da vida, o conjunto de aminoácidos presentes em nosso DNA. Marte é considerado um grande candidato, pois passou por um período de resfriamento anterior ao de nosso planeta e já possuiu água líquida em sua superfície. 

Outro ponto caro ao filme é a mistura de elementos mitológicos com ciência e religião. Não fosse a maneira como a história foi apresentada, a cada momento sob o ponto de vista de um personagem diferente, pouco faria sentido misturar tudo isso numa espécie de Thunderdomeespacial, sem possibilidade de vencedores. Mas o roteiro, apesar de deixar muitas perguntas sem respostas, acaba sendo bem dirigido porque costura todas as ambiguidades dentro de um contexto que envolve outras fontes, apenas encontradas depois de um pouco de pesquisa e paciência, na medida do interesse do espectador. Não é satisfatório para a plateia que espera um desenvolvimento linear da história. Prometheus é um filme que recompensa se assistido mais de uma vez pela vasta quantidade de detalhes. A maioria deles escapa à vista dos espectadores que não estão integrados no universo da série Alien, até mesmo Blade Runner, além dos não leitores de ficção científica, desacostumados com a ausência de linearidade no desenvolvimento das tramas. 

Prometheus é um título interessante e que ilude na primeira análise porque não se refere ao fato da raça dos Engenheiros ter criado o homem, mas à tentação do homem em roubar a tecnologia de seu criador. Nossa espécie é seu objeto de estudo. Para compreender a essência do roteiro, antes, é necessária a apresentação deste titã, criado pela mitologia grega. 

Prometeu, em sua origem na mitologia grega (século VIII a.C.), é apresentado como filho dos titãs Jápeto e Clímene, e um dos membros da segunda geração de titãs. É reconhecido como protetor dos homens, pois teria roubado o fogo dos deuses para entregá-lo aos mortais. Na tradição do poeta Hesíodo, Prometeu teria enganado Zeus durante uma refeição para o acerto de contas, celebração da paz, entre imortais e os mortais. Antes da refeição, Prometeu preparou duas refeições: um estômago de boi recheado com muita carne e ossos de boi cobertos por uma grande quantidade de gordura. Zeus escolheu os ossos, em vez do estômago de boi com seu exterior repugnante. A partir deste dia, os humanos, em vez de oferecerem a carne para o sacrifício aos deuses, passaram a oferecer os ossos cobertos pela gordura, em chamas. Zeus, então, retirou o fogo dos homens, mas Prometeu o roubou dos imortais para devolvê-lo. Como punição, Prometeu foi acorrentado a uma rocha no Cáucaso, onde uma águia comia seu fígado dia após dia, depois do órgão se regenerar durante a noite. 

Prometheus, uma teoria baseada nas fontes

Prometheus, o filme, questiona certos valores que prevalecem dentro do desenvolvimento da humanidade. É correto que uma descoberta tão importante como a vida em outros planetas seja realizada por uma empresa privada, para seu próprio benefício? Até que ponto o desenvolvimento da tecnologia, cada vez mais próxima da singularidade (a criação de uma inteligência artificial) pode ser benéfico? Religião, ciência e desenvolvimento podem conviver no mesmo espaço? Até mesmo o androide David, interpretado por Michael Fassbender no filme, sabe que uma tese permanece apenas como uma mera hipótese enquanto não for provada. A verdade contida no filme permanecerá com seus criadores, o diretor Ridley Scott e o roteirista Damon Lindelof, ou será revelada numa sequência. Sem lançamento da continuação, a maior parte de Prometheus pode ser compreendida dentro de seu próprio universo e através das fontes que forneceram elementos para sua criação. 

Um ser de pele azul e forma humana surge no horizonte do que parece ser o nosso planeta e se sacrifica através da ingestão de um líquido que desmonta a estrutura de seu DNA, o suficiente para começar o processo de desenvolvimento da vida no planeta, demonstrada pelas células se multiplicando dentro da água onde seu corpo foi dissolvido. Ele parece praticar um ato de reconhecido valor espiritual dentro de sua raça, pois a cerimônia é acompanhada por uma nave, do céu, que apenas deixa o local depois da conclusão do processo. 

A cena é cortada para um grupo de arqueólogos. A dupla Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) estão explorando ruínas das Highlands, na Escócia, e acabam de descobrir pinturas rupestres dentro de uma caverna, assemelhadas a outras já encontradas em diversos continentes. Todas as figuras representam a mesma formação de objetos celestes, que parece corresponder a um mapa contendo o local de origem de uma figura humana gigante, cultuada por diversos povos da antiguidade. São os gigantes azuis, os Engenheiros. 

Quem são os Engenheiros? Por que eles estiveram na Terra em vários momentos diferentes de nossa história? O filme não apresenta muitos detalhes sobre estes seres. Entretanto, se o papel deles for analisado de acordo com as expectativas dos personagens, as semelhanças com as criaturas da novela de H.P. Lovecraft, Nas Montanhas da Loucura, fica evidente. Alguns personagens do livro, um diário de uma expedição à Antártida realizada por dois pesquisadores que se deparam com ruínas escondidas de uma civilização extinta há milhões de anos, assemelham-se muito aos exploradores do filme. O caráter descritivo da novela é exatamente o inverso da estrutura do filme. No livro, a raça extinta, também responsável pela criação dos seres humanos, é denominada de Grandes Antigos. As semelhanças com os Engenheiros são muitas: a raça é definida por um sexo único, com características semibiológicas que tornam desnecessária a ocorrência da fase de desenvolvimento dos mamíferos, além da existência de famílias; a maioria das instalações que habitam é estruturada pela centralização dos objetos no ambiente e suas paredes são utilizadas apenas para fins artísticos; suas camas e cadeiras têm forma cilíndrica. No filme, os Engenheiros também são de um único sexo, tem características semibiológicas (o traje de space jockey, vestido quando utilizam o aparelho navegador), possuem senso artístico (os afrescos no teto da tumba descoberta por David) e decoram seus espaços centralizando os objetos, com alguns móveis cilíndricos. Os Grandes Antigos, quando comparados aos Engenheiros, embora suas aparências físicas sejam bastante distintas (os Grandes Antigos são monstruosos, não se parecem com humanos), têm a mesma essência espiritual. 

E ambos foram responsáveis pela criação da raça humana. No livro, os seres humanos são apenas mais uma espécie entre tantas outras criadas pelos Grandes Antigos. Em Prometheus, os seres humanos são resultado da criação dos Engenheiros à sua imagem e semelhança. 

Uma nave cruza o espaço, ocupada por um solitário androide que gasta o tempo jogando basquete, treinando línguas extintas e bisbilhotando os sonhos dos outros passageiros enquanto estão em hibernação. David (Michael Fassbender) é a mistura de Hal 9001, do filme 2001: Uma Odisseia No Espaço, de Kubrick, com o protagonista do filme de David Lean , Lawrence da Arabia. David é programado apenas para interagir e obedecer os humanos, embora muitas vezes seu comportamento irônico e traiçoeiro, um bug programado pelos interesses de seu criador, seja mais assustador do que a carnificina do filme (méritos da ótima atuação de Fassbender). Na chegada à Lua denominada LV223, os demais tripulantes são acordados da hibernação. Mau sinal. LV é abreviação do terceiro livro do Antigo Testamento da Bíblia, o Levítico, que contém as regras religiosas e morais destinadas ao povo de Israel. Diz o capítulo 22, versículo 3, numa previsão catastrófica que está prestes a ocorrer na chegada da nave em LV223: 

Dize-lhes: Todo homem dentre os vossos descendentes pelas vossas gerações que, tendo sobre si a sua imundície, se chegar às coisas sagradas que os filhos de Israel santificam ao Senhor, aquela alma será extirpada da minha presença. Eu sou o Senhor. 

A simbologia do nome da nave, Prometheus, também é importante para estabelecer o caráter da expedição espacial. Quem está tentando roubar o fogo dos deuses? Os Engenheiros que criaram a vida na Terra ou os homens que partiram para uma jornada no espaço em busca de seus criadores? A última hipótese revela-se verdadeira durante a história. 

Os outros personagens são apresentados. Meredith Vickers (Charlize Theron) é uma executiva inescrupulosa das Indústrias Weyland, responsável pelo cumprimento da agenda de interesses profissionais da missão. O capitão Janek (Idris Elba), comandante da nave Prometheus, toma conta da ação junto com outros personagens secundários, como o biólogo Milburn e o geólogo Fifield. Interessante que o caráter heterogêneo dos personagens e a importância dada ao ponto de vista particular que cada um possui de suas próprias funções dentro da equipe da expedição lembram bastante o desenvolvimento das tragédias de Shakespeare. Vickers é obcecada pelo poder dentro da empresa, Janek representa a reserva de caráter da equipe, Charlie Holloway e Milburn são os ingênuos, o primeiro ambicioso e romântico, o segundo quase um bobo da corte. Elizabeth Shaw é a heroína inocente, disposta a morrer lutando pelos seus ideais e em busca de suas respostas. David, o androide, pode ser considerado o traidor do grupo. 

A partir do pouso da espaçonave, as portas do inferno se abrem e toda a expectativa da tripulação é destruída por uma mistura letal de desilusão e terror. LV223 não é a casa dos Engenheiros, mas apenas um depósito de material genético sem uma finalidade definida. 

O que são os armazéns com as urnas de LV223? Os depósitos de material genético de LV 223 são uma espécie de laboratório dos Engenheiros, distante do planeta que habitam. Seguindo as informações da novela de H.P Lovecraft e os indícios da reprodução dessas ideias no filme, o material depositado nas urnas corresponde a uma espécie de vida superior derrotada pelos Engenheiros em épocas passadas e sintetizada durante seu período de existência numa arma biológica. Aparentemente, não se trata do mesmo líquido ingerido pelo Engenheiro que se sacrificou no início do filme. 

Fifield e Milburn transformam-se em cobaias involuntárias. Milburn é morto por uma espécie de réptil criado a partir do contato de um verme do solo com o líquido de uma das urnas. Fifield é infectado pelo próprio líquido, assume a forma de um monstro que ataca os tripulantes da nave e acaba sendo morto. Charlie é infectado por David com uma gota do líquido de uma das urnas e acaba transmitindo a infecção durante o sexo para Elizabeth Shaw. Os efeitos da infecção em cada um são diversos: Charlie não tem seu caráter transformado pela infecção e aceita passivamente a imolação iniciada por Vickers, para salvar a tripulação, ao contrário de Fifield, que retornou à nave disposto a matar todos os tripulantes. De alguma forma, o líquido parece reagir de acordo com a essência moral do ser vivo infectado. Isso explica porque não produziu efeito quando entrou em contato com o organismo sintético de David. 

A tripulação não encontra nenhum dos Engenheiros ainda vivo. Todos parecem ter morrido numa espécie de epidemia na base lunar, dois mil anos antes da chegada da nave terrestre. David descobre que na ocasião da epidemia os Engenheiros planejavam retornar à Terra carregando diversas urnas com o mesmo conteúdo que matou Fifield e Charlie. 

Por que os Engenheiros planejavam retornar à Terra dois mil anos antes da chegada da expedição a sua base lunar? Os acontecimentos do filme ocorrem no ano de 2093. Dois milênios antes, a sociedade passava por uma transformação que mudaria tudo: o início da era cristã. Provavelmente, os Engenheiros pretendiam retornar à Terra para destruir a raça humana por sua traição em cultuar um novo Deus, o início de uma cultura monoteísta consistente e conflitante co seus interesses. 

Por que eles não conseguiram retornar à Terra? Provavelmente, um Engenheiro rebelde, por piedade e para proteger os seres humanos, deflagrou uma epidemia no posto lunar na tentativa de impedir o ataque. Aliás, o próprio fato dos Engenheiros escolherem uma base militar como local para um encontro com os seres humanos demonstra o tamanho da confiança depositada nos seus irmãos terráqueos. Talvez esta escolha tenha sido realizada pelo mesmo Engenheiro que se rebelou para salvar os seres humanos. Neste instante da história, é possível fazer uma ligação entre Prometheus e o universo do primeiro filme Alien (a nave dos Engenheiros acidentada, encontrada pela Nostromo , comandada por Ripley). Depois de deflagrada a epidemia, um dos Engenheiros escapa, mas um dos xenomorfos criados em LV223 acaba se escondendo em sua nave e matando-o durante a viagem. Por isso o pouso forçado no planeta abandonado.

Em Prometheus, existem vários sinais indicativos de que a epidemia na base lunar foi causada através da infestação de xenomorfos. A parede da câmara onde Fifield e Milburn são mortos, antes de ser aberta, é inspecionada por David, que encontra o mesmo material pegajoso deixado pelos rastros do xenomorfo em Alien e as câmaras de hibernação da sala da nave em que se encontra o último Engenheiro vivo estão destruídas exatamente na altura do tórax dos ocupantes, mesma região de onde costumam sair os xenomorfos, depois da gestação. 

Uma inesperada irmandade de sangue. Elizabeth Shaw acaba descobrindo que o material genético dos Engenheiros é equivalente e precede o dos seres humanos. Neste momento começa a grande crise entre religião e ciência, que acaba sendo definida, numa grande ironia, por conceitos morais e até mesmo éticos. 

Peter Weyland revela-se como passageiro secreto da nave e prepara seu corpo centenário para suportar a caminhada pela superfície lunar, até o local onde David acabou encontrando um dos Engenheiros ainda vivo, hibernando. Entre as mortes de Charlie e Fifield, Shaw também teve seu purgatório ao passar por uma cirurgia de emergência para retirada do alienígena em gestação no seu útero. Num gesto de resistência sobre-humana, ela acompanha a pequena trupe de Weyland até o interior da nave dos Engenheiros, em busca de respostas, mesmo depois da cesárea improvisada. Ao ser acordado, o Engenheiro se depara com Shaw em desespero, questionando-o aos gritos sobre o motivo da tentativa de destruir a raça humana. Um dos capangas de Weyland a interrompe com um golpe no estômago, permitindo que David questione o Engenheiro sobrevivente sobre a possibilidade de tornar Peter Weyland imortal. O Engenheiro arranca a cabeça de David e mata Weyland com um golpe na cabeça. 

Esta é mais uma semelhança com a raça dos Grandes Antigos da novela de H.P. Lovecraft, o desprezo pela inteligência artificial. No livro, os Grandes Antigos passaram por uma fase de seu desenvolvimento em que experimentaram a existência unicamente através da tecnologia, mas desistiram, pois a definiram como emocionalmente insatisfatória. Desta forma, retornaram ao seu estado biológico comum e evoluíram para desenvolvê-lo até o limite da prevalência do caráter biológico sobre o artificial. A reação do Engenheiro à presença de David, uma forma de inteligência artificial, e ao pedido de Weyland, para se tornar imortal, contrariam todo o conjunto de valores da raça dos Engenheiros. Daí sua reação violenta. Se os seres humanos foram criados a semelhança dele (poderoso, mas mortal) não faria sentido permitir à criatura sobrepujar sua raça, existir eternamente. 

A partir deste momento, a história caminha para seu final com a mesma dimensão grandiosa do início. As questões que ficam em aberto são relativas ao conflito entre a inteligência artificial e a humana. Quem vai dar o próximo passo na cadeia evolutiva, a resistência imbatível de Elizabeth Shaw ou a capacidade de processamento de David? Os valores religiosos, cristãos, de Shaw, são trazidos à tona nos momentos de desespero. Existe algum uso para esta fé, incompatível com a nova realidade? É dentro dessa grande universo de questões relevantes que Ridley Scott e Damon Lindelof construíram Prometheus. Não existem respostas definitivas. Uma sequência, talvez, livre os espectadores da tarefa de procurá-las em um conjunto de referências que permeiam a história. Sem um novo filme, o consolo que nos resta, nas palavras do filósofo, é saber que ainda temos a arte para não morrermos da realidade. A investigação do grande conjunto de ideias sem respostas definitivas de Prometheus é sua maior recompensa.



Texto de Vicente Escudero, visto no Digestivo Cultural

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Acusação e defesa


Os advogados que até agora atuaram no julgamento do mensalão não merecem menos aplauso e defesa do que têm recebido, com fartura, o procurador-geral e acusador Roberto Gurgel. Não bastando que sua tarefa seja mais árdua, os defensores são alvos, digamos, de uma má vontade bem refletida na imprensa, por se contraporem à animosidade da opinião pública contra os seus clientes.
Ainda que não assegurem, necessariamente, a inocência de tal ou qual acusado, numerosas contestações pareceram muito mais convincentes, em pontos importantes, do que as respectivas acusações.
Na maioria desses casos, a defesa se mostrou mais apoiada do que a acusação em testemunhos e depoimentos tomados pelo inquérito, assim como em documentos e fatos provados ou comprováveis.
Com isso, outros pontos importantes da acusação estão ainda mais em aberto. É o caso, crucial, do mensalão como múltiplos pagamentos para assegurar votos ao governo na Câmara ou como dinheiro para gastos de campanha eleitoral.
A acusação não comprova a correspondência entre as quantias entregues a deputados e os votos na Câmara. Nem, sobretudo, a relação entre os pagamentos com valores tão diferentes e os votos que teriam o mesmo peso na contagem.
Não fica resolvida também, na acusação, a afirmada finalidade de compra de votos na Câmara e o dinheiro dado, por exemplo, aos leais deputados petistas Professor Luizinho e João Paulo Cunha, entre outros bem comportados aliados do governo também agraciados.
E houve, ainda, dinheiro destinado a seções partidárias estaduais, que nada tinham a ver com votações de interesse federal.
A afirmação de compra de votos, sustentada pelo procurador-geral Roberto Gurgel, foi tomada à CPI dos Correios por seu antecessor, Antonio Fernando de Souza, para formular a denúncia ao Supremo Tribunal Federal, há cinco anos.
A afirmação prevaleceu na CPI, porém, por conveniência política da oposição, e não porque os fatos apurados a comprovassem. Acertos de campanha eram muito mais coerentes com o constatado pela CPI. E já figuravam nas acusações de Roberto Jefferson, quando admitiu também haver recebido do PT, para o PTB e para candidatos petebistas.
Outro exemplo de afirmação fundamental e em aberto, porque construída de palavras e não de comprovações, está na acusação agora apresentada por Roberto Gurgel ao STF: “Foi José Dirceu quem idealizou o sistema ilícito de formação da base parlamentar de apoio ao governo mediante pagamento de vantagens indevidas” –e segue.
Seriam indispensáveis a indicação de como o procurador-geral soube da autoria e a comprovação de que José Dirceu “idealizou” o “sistema ilícito”. Não só por se tratar de acusação com gravidade extrema.
Ocorre que o “sistema ilícito” foi aplicado já em 1998 por Marcos Valério, com suas agências de publicidade, e pelo Banco Rural para a frustrada reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas. Foi o chamado “mensalão do PSDB”, descrito pela repórter Daniela Pinheiro, como já indicado aqui, na revista “piauí” deste mês.
Logo, para dar fundamento às palavras do procurador-geral Roberto Gurgel, só admitindo-se que José Dirceu “idealizou” tudo uns cinco anos antes do mensalão do PT. E, melhor ainda, que “idealizou” o “sistema ilícito” para beneficiar o PSDB de Eduardo Azeredo, hoje senador ainda peessedebista.
Os votos dos ministros do Supremo não suscitam expectativa só por carregarem consigo a absolvição e a condenação, mas pela maneira como encarem as divergências perturbadoras entre acusação e defesas.

Texto de Jânio de Freitas, visto no blog do Juremir Machado da Silva

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Morre no Rio o flautista Altamiro Carrilho aos 87 anos

Morreu na manhã desta quarta-feira (15), no Rio, o flautista Altamiro Carrilho, de 87 anos. Na segunda-feira (13) ele passou mal e foi levado para uma clínica particular em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio. A causa da morte ainda não foi divulgada.


A notícia completa do falecimento de Altamiro Carrilho está no G1

terça-feira, 14 de agosto de 2012

TJ-SP nega recurso e reconhece coronel Ustra como torturador

O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou nesta terça-feira decisão que reconheceu o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra como torturador do regime militar (1964-1985).
O coronel chefiou o DOI-Codi (centro de repressão do Exército) no início dos anos 70, durante o período mais violento da ditadura militar.

A defesa de Ustra entrou com recurso para tentar derrubar a sentença que o reconhecia legalmente como responsável por torturas contra opositores do regime, mas perdeu por três votos a zero em órgão colegiado do Tribunal de Justiça. Esta é a primeira vez que um órgão colegiado reconhece um agente da ditadura como torturador. Ainda cabe recurso à decisão.
A ação contra ele foi movida pela família Teles. Cinco integrantes da família foram presos no DOI-Codi paulista em 1973.
No processo, os Teles não pediram qualquer tipo de indenização ou punição para o coronel, apenas que ele seja responsabilizado civilmente pelas sessões de tortura.
Ustra foi condenado em primeira instância em outubro de 2008 pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo. Foi a primeira sentença declaratória da Justiça brasileira contra um militar em uma ação por sequestro e tortura na ditadura.
O advogado da família, Fábio Konder Comparato, disse que "a decisão vai melhorar muito a imagem do Brasil diante de organizações internacionais que defendem os direitos humanos".
Em junho, o coronel foi condenado em primeira instância a indenizar a família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em 1971 também em decorrência de torturas da ditadura.
O advogado de Ustra, Pedro Esteves, afirmou que vai recorrer no próprio TJ-SP da decisão de hoje. Segundo ele, somente a Comissão da Verdade tem competência para determinar se alguém pode ser considerado torturador, como sustentou no recurso negado hoje pelo tribunal.


Da Folha.com

Islâmicos que controlam norte do Mali cortam mãos de criminosos

Os grupos jihadistas que controlam as três regiões do norte de Mali tem aplicado nos últimos dias uma interpretação radical da xariá, ou lei islâmica. Depois de ter apedrejado um casal, o grupo islâmico Movimento para a Unidade da Jihad na África Ocidental (Muyao) amputou na semana passada a mão de um ladrão na localidade de Ansongo. Essas medidas estão se chocando, porém, com a resistência da população, que chegou a se enfrentar com os extremistas na cidade de Gao.

Em Ansongo, os islâmicos cortaram a mão do suposto ladrão de uma motocicleta, na praça do povo e diante de dezenas de pessoas. "É a lei de Deus. (...) Aplicamos a xariá em Ansongo, a mão de um ladrão foi cortada", disse Mohamed Ould Abine, chefe local do Muyao, à agência France Presse. "Em alguns dias faremos o mesmo em Gao. Ninguém pode impedi-lo."

Medidas restritivas como a proibição de jogar futebol na rua, beber álcool ou fumar, assim como os castigos corporais (chicotadas), começaram a ser aplicados no norte de Mali desde o final de março, quando grupos de terroristas e islâmicos radicais - do Muyao, da Al Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI) e Ansar Dine (Defensores da Fé) - tomaram o controle das principais cidades, em colaboração com os rebeldes tuaregues do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA). Depois do confronto no final de junho entre terroristas e rebeldes tuaregues, que terminou com a expulsão destes últimos do norte de Mali, os jihadistas, novos senhores do norte, levaram ao extremo a aplicação da xariá.

Em 29 de julho passado, um homem e uma mulher foram apedrejados até a morte na localidade de Aguelhok por terem dois filhos sem ser casados. O castigo foi contemplado por cerca de 200 pessoas, que viram o casal ser colocado em dois buracos cavados no solo e os carrascos os apedrejarem até sua morte, segundo relataram testemunhas oculares.

Poucos dias depois, o líder do Muyao, Abdul Hachim, anunciou pela rádio que no dia seguinte em Gao seria amputada a mão de um membro do próprio movimento, porque havia roubado armas e munições para revendê-las. Hachim convidou a população a contemplar a aplicação do castigo. No entanto, centenas de jovens de Gao se concentraram na praça cantando o hino nacional de Mali para impedir a amputação. A determinação dos jovens fez que os membros do Muyao suspendessem a mutilação, mas nessa mesma tarde houve distúrbios quando os terroristas deram uma surra em um jornalista de uma rádio local por divulgar a notícia da revolta juvenil.

Reportagem de José Naranjo, para o El País.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Reproduzido do UOL.

'Foi um alívio ser desmascarado', diz pedófilo em tratamento

"Minha irmã foi chamada à delegacia quando fui detido por possuir material de pornografia infantil no computador. Foi paradoxal, porque sempre temi esse dia, mas ao mesmo tempo foi um alívio ser desmascarado.

Minha prisão foi um 'clique'. Antes, eu minimizava o caso, fingia que não era nada demais. Antes, não seria capaz de pedir ajuda.

Minha irmã tem filhas pequenas, poderia ter virado as costas para mim. Mas, felizmente, decidiu me ajudar.
Consegui uma suspensão condicional da pena por ter um bom emprego e um bom advogado. Minha irmã me encaminhou para a associação L'Ange Bleu [na França]. Seu apoio foi essencial.

Hoje, na terapia, tento não só reprimir meu desejo, mas entender por que sinto isso. O foco do tratamento é nas minhas relações sociais, nos meus bloqueios. Aos poucos, vamos descobrindo coisas reveladoras, surgem respostas.

O medo de me relacionar com adultos está desaparecendo devagar. Ainda não consigo me relacionar amorosamente com ninguém. Sou tímido com as mulheres.

As reuniões de grupo da associação também são muito úteis. Além de poder conversar com pessoas na mesma situação que eu, posso ajudar quem acabou de chegar.

Jamais pensei em abusar de uma criança, meu desejo nunca saiu da penumbra do meu apartamento. Já tive oportunidade de agir, e não fiz nada.

Apesar do tratamento, não acredito que serei curado. Espero encontrar uma pessoa bacana e viver uma vida normal de casal, mas mantendo minha fantasia escondida. Isso é bem frequente.
Condeno os agressores sexuais. Se consigo me controlar, por que não eles?"

 Hugo*, 35, é francês e trabalha em uma empresa de transportes.


Depoimento publicado na Folha.com

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Processos, Mensalões e Grande Imprensa

OLHOS ABERTOS
O ministro Joaquim Barbosa, relator do "mensalão do PT" no STF (Supremo Tribunal Federal), segue atento ao "mensalão mineiro", que envolve líderes do PSDB. Ele pretende deter-se em providências que levem à rápida localização de testemunha considerada chave nas investigações e que tomou chá de sumiço em Minas Gerais.

PEDREIRA
Barbosa, que defendeu o desmembramento nos dois casos e foi voto vencido, acredita que o risco de prescrição no "mensalão mineiro" é até maior do que havia no "mensalão do PT". E diz a interlocutores que, se no caso petista tudo quase sempre foi aprovado por unanimidade no STF, no mineiro as dificuldades foram maiores.

TEM MAIS
Ele também questiona a imprensa. Quando procurado por repórteres para falar do processo contra petistas, provoca, ao fim da entrevista: "E sobre o outro, vocês não vão perguntar nada?". Recebe como resposta "sorrisos amarelos". "A imprensa nunca deu bola para o 'mensalão mineiro'", diz ele.

Trecho da coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo, de 7 de agosto de 2012.

Sob escolta de seguranças desde 2005, juiz do Rio vive rotina de restrições

Alexandre Abrahão, 44, é juiz há 15 anos. Assumiu como titular da Vara Criminal de Bangu, zona oeste do Rio, em 2004. No ano seguinte, recebeu a primeira ameaça. Desde então, ele e a família andam acompanhados por seguranças.
Leia abaixo o depoimento dele à Folha:
*
Já no meu primeiro ano em Bangu, em 2005, recebi uma ameaça. Tenho uma coleção delas, vindas de todas as partes: traficantes, milicianos, quadrilhas de caça-níqueis...
Onde não existe um Estado forte, a criminalidade cresce. E onde ela se estabelece, ela acha que é a dona.
Para quem não sabe, Bangu parece uma usina de criminalidade. A região é muito bonita, mas, por contingência política, é a única do Estado em que as três facções "trabalham" em pé de igualdade. Diferente de regiões pacificadas do Rio.
Aqui existe uma guerra constante. É um caldeirão. Foi aqui que jornalistas de "O Dia" foram torturados por milicianos. A guerra dos caça-níqueis acontece desde que Castor de Andrade morreu, nos anos 1990.
Uma vez julguei um processo sobre a morte de dois policiais. No local do crime, foram apreendidos 55 pinos de granada. Ou seja, em um dia, jogaram 55 granadas numa área urbana. Não é no Iraque ou no meio do deserto.
Há uma inversão de valores hoje tão grande que o criminoso acha que ele é a lei.
Ele se pergunta: que Estado é esse que eu não compro, que me investiga, me ataca e me desarticula? Em um primeiro momento, ele tenta te comprar. Analisa seu currículo, descobre quem você é.
Mas o diabo sabe para quem aparece. Então, parte para o segundo momento: quando tenta te matar.
 
ROTINA

Confesso que, às vezes, isso cansa. Almoço sozinho em meu gabinete com comida comprada pelos seguranças. Só vou ao cinema em sessões vazias. Para ir a um show, é preciso avaliar. Nesses lugares sempre chega "gente" [seguranças] antes e depois de mim. É uma tensão. Para a família e para mim.
Juiz chora, ri. Tem momentos que penso em jogar tudo para o alto. Como acontece com qualquer um.
Mas não vou ficar lamentando. É minha profissão. Sempre sonhei em estar aqui. Quero ter orgulho do que fiz.
As precauções são necessárias. Lembro de um agente federal preso fotografando a minha casa em 2010. Ele morava aqui perto do fórum. Coincidência? Não acho.
 
EMOÇÃO

O caso mais complicado que julguei foi o de uma menina de oito anos estuprada pelo padrasto.
Precisava do depoimento dela, mas a menina não falava sobre o assunto. Durante o julgamento, perguntei o que ela queria ser quando crescesse. Ela disse: juíza.
Então, falei que faria dela juíza naquele momento. Coloquei nela a capa do oficial de Justiça e pedi para que sentasse na minha cadeira.
Disse então que ela mandava e precisava falar sobre o que aconteceu. A menina contou tudo, em detalhes [Abrahão chora].
Ainda vou ver essa menina juíza. Só por isso, essa profissão já valeu a pena.
É curioso pensar nisso em um momento em que lembramos a perda de uma colega [a morte da juíza Patrícia Acioli, há um ano]. Foi uma violência muito grande. O julgamento tem que ser exemplar.
Atirar contra um servidor público é atentar contra o país. Quando entendermos isso, cresceremos como nação.



Notícia da Folha.com




Forbes ironiza preços da Chrysler no Brasil e quem busca status em carro caro


Um jornalista da versão online da revista americana Forbes, especializada em finanças e muito conhecida por compilar listas das maiores fortunas do mundo, escreveu um artigo em que ataca o preço excessivo cobrado no Brasil por modelos da Chrysler. Especificamente, citou o Jeep Grand Cherokee, já à venda no país, e antecipou crítica ao futuro preço do Dodge Durango, que só deve ser mostrado no Salão do Automóvel de São Paulo, em outubro.

Jeep e Dodge são marcas do grupo Chrysler, hoje controlado pela Fiat.

"Alguém pode imaginar que pagar US$ 80 mil por um Jeep Grand Cherokee significa que ele vem equipado com rodas folheadas a ouro e asas. Mas no Brasil esse é o preço de um básico".

É assim, em tradução literal, que começa o texto de Kenneth Rapoza, jornalista que cobre os países BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) para a Forbes. O título original é "Brazil's ridiculous $80,000 Jeep Grand Cherokee", que, vertido ao pé da letra, fica "O Jeep Grand Cherokee brasileiro de ridículos US$ 80 mil". O termo ridiculous, quando usado em frases construídas assim, serve para sublinhar o exagero daquilo a que se refere (no caso, o preço), em vez de simplesmente significar "ridículo". Mas a crítica continua duríssima.

Rapoza centra sua argumentação nos modelos da Chrysler e não comenta, por exemplo, que mesmo os carros fabricados no Brasil também são relativamente caros. O jornalista aponta os culpados de sempre pelos preços inflados (ele prevê o Durango a R$ 190 mil): impostos sobre importados e outras taxas aplicáveis a produtos industriais. "Com os R$ 179 mil que paga por um único Grand Cherokee, um brasileiro poderia comprar três, se vivesse em Miami", escreve Rapoza. O valor é o da versão Laredo; a Limited custa R$ 204,9 mil.

Mas a questão principal, para ele, é mostrar que o brasileiro que gasta esse dinheiro todo num modelo Jeep não deveria acreditar que está comprando um produto que lhe dê status. "Sorry, Brazukas" (sic), escreve Rapoza. "Não há status em comprar Toyota Corolla, Honda Civic, Jeep Cherokee ou Dodge Durango; não se deixe enganar pelo preço cobrado".

O jornalista acrescenta que "um professor de escola primária pública no Bronx [bairro de Nova York]" pode comprar um Grand Cherokee pouco rodado, enquanto no Brasil trata-se de carro de bacana. A citação de Civic e Corolla é importante porque, nos Estados Unidos, estes são considerados carros baratos, de entrada -- mas no Brasil, mesmo fabricados localmente, custam mais de R$ 60 mil (cerca de US$ 30 mil).

SE É CARO, É MELHOR
O que Kenneth Rapoza diz, no fundo, é que o consumidor brasileiro confunde preço alto com qualidade, e/ou atribui status a qualquer coisa que seja cara. O jornalista reconhece que vê esse "valor de imagem" em carros de Audi, BMW, Mercedes-Benz e grifes esportivas italianas, mas jamais em modelos do grupo Chrysler.

Essa tese é explicada exaustivamente por Rapoza nas respostas aos comentários de leitores, que, até a publicação desta reportagem, eram 88 -- muitos deles postados por pessoas usando nomes brasileiros.

Ali, o próprio Rapoza arrisca algumas palavras em português. Em seu perfil no site da Forbes, o jornalista relata que cobriu o país "pré-Lula e pós-Lula", sendo que nos últimos cinco anos trabalhou como correspondente aqui para o Wall Street Journal e a agência Dow Jones. Agora está baseado em Nova York.


Texto do UOL Carros

sábado, 11 de agosto de 2012

O imenso Jorge


Ele foi o único habitante deste planeta que conseguiu acreditar com a mesma sinceridade em Marx e na Menininha do Gantois. Muitos não admitem essa intimidade de Jorge com o marxismo, ao qual aderiu mais com o coração do que com a cabeça. E sua literatura também foi assim. Nada de papo cabeça. Papo coração.
Suando baianidade, melado pelo ouro do cacau, ele foi uma mistura de pai de santo e pajé, um pajé que sabia contar histórias bonitas para a imensa taba global onde à noite, se alguém era capaz de duvidar, ele repetia com astúcia: "Meninos, eu vi!".
Se o poeta é o fingidor, o romancista é o mentiroso. No caso da poesia, quanto mais finge, mais o poeta é sincero.
No romance, quanto mais se mente, mais se é verdadeiro. E nada mais verdadeiro do que o universo de saveiros e moleques, de mulatas cadeirudas e operários perseguidos, de xangôs e iemanjás, de cabarés e velórios, de doutores de borla e capelo e capitães de longo curso, de quituteiras e babalaôs que povoaram suas noites enfeitiçadas, seus terreiros de suor e milagres --que a carne sofre inteira e precisa sentir prazer por inteiro, pois ninguém é de ferro.
Jorge Amado conseguiu o absurdo de ser cético e de ser crente. Só na Bahia podia nascer um sujeito assim. Por isso mesmo ele tinha um gosto de azeite e de sono espreguiçado, de cafuné e de mulata tombada nos fundos da cozinha.
Espiou o mundo com o olho treinado nas fechaduras da vida: compreendeu tudo. Leitores que ele teve em todo o mundo não sabem o que perderam: a pessoa humana que só deu a conhecer uma parte de si mesma. Uma parte que constitui um dos maiores todos da literatura moderna.
E este Jorge começou a se mostrar de mansinho, escrevendo "Lenita", uma novela em parceria com Dias da Costa e Edson Carneiro. Tinha 15 anos. O trabalho em equipe geralmente não figura na lista de suas obras, mas não deixou de ser uma ameaça. Ele queria escrever.
O seu aprendizado não seria feito nos laboratórios da gramática ou nos alambiques da linguística. Como a cozinheira se faz no fogão, prevendo e provendo panelas e frigideiras, Jorge se fez na vida, vivendo e escrevendo. Lenita teria sucessoras: Gabriela, Dona Flor, Tereza Batista, Tieta do Agreste.
Criou uma obra torrencial, humana, quente de vida e de pecado, numa prosa que parecia desleixada aos críticos do "ancien régime" literário, mas que o povo ia absorvendo, gostando e consagrando.
Sua obra é inteira, coerente, vívida, caudalosa, formalmente irregular e densamente regular. Não se deve exigir a mediocridade das fórmulas tradicionais de um escritor cuja força humana e literária criou "Jubiabá", "Mar Morto", "A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água".
Suas mulheres de ancas cobiçadas, seus turcos fesceninos cheios de truques, seus marinheiros mentirosos, seus santos e suas senhoras afogadas em mantas e colares coloridos são sempre os mesmos, em qualquer língua ou sob qualquer sintaxe.
Jorge faria hoje, 10 de agosto, cem anos. Fez mais do que isso. Para todo o sempre, ele ficou inteiro em sua obra, e para aqueles que o conheceram foi uma figura humana espetacular. Dele guardo duas lembranças pessoais.
À minha revelia, marcou um encontro com a Menininha do Gantois e foi comigo para ver como me sairia. Garantiu-me que a visita "mal não pode fazer". Filho dileto de outra mãe de santo, ele não podia pedir a bênção de uma rival. Mas pediu e foi abençoado. Para todos os efeitos, ele era filho e devoto de todas as mães de santo da Bahia.
Tancredo Neves foi a um almoço na "Manchete". Quando me viu, o já presidente eleito elogiou crônica publicada naquela semana, aludindo a uma suposta "plasticidade" de estilo. Tive meu minuto de glória. Logo chegou Jorge Amado, blusão com todas as cores, boné de operário russo e capanga pendurada em diagonal no seu largo peito. Tancredo correu para abraçá-lo e elogiou seu último livro: "Que plasticidade!".
Murchei. Fui me queixar com o Jorge, muito mais escolado em situações iguais. Ele comentou: "O Doutor Tancredo errou de profissão. Seria melhor e maior romancista do que todos nós, incluindo o velho Machado".

Carlos Heitor Cony, na Folha.com

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Músico Magro Waghabi, do grupo MPB4, morre aos 68 anos

O músico fluminense Antonio José Waghabi Filho, o Magro do conjunto vocal MPB4, morreu na manhã desta quarta-feira (8). Ele estava internado no Hospital Santa Catarina, em São Paulo. Desde 2002, lutava contra um câncer de próstata.

Cantor, compositor, arranjador e instrumentista, Waghabi era integrante do MPB4, o mais importante grupo vocal masculino da música popular brasileira, ao lado de Dalmo, Miltinho e Aquiles.
A morte do músico foi anunciada no site oficial do grupo: "Depois de longa luta pela vida, Antonio José Waghabi Filho, o Magro do MPB4, nos deixou. Com ele vai junto uma parte considerável do vocal brasileiro. Com ele foi a minha música", lamentou Aquiles.
O corpo de Magro será velado até as 21h no Hospital Beneficência Portuguesa. Amanhã, às 11h, será cremado no crematório da Vila Alpina, também em São Paulo. O músico deixa mulher e dois filhos.
 
CARREIRA

 As experiências musicais que resultariam no MPB4 começaram em Niterói, em 1962. O grupo ganharia esse nome só dois anos depois.
Batizado simplesmente de "MPB4", o primeiro álbum do grupo veio em 1966 e apoiava-se sobretudo no repertório de Chico Buarque --nome que norteou a carreira do grupo durante todo o tempo.
A partir de então, passaram a lançar discos quase anuais --rareando um pouco a partir dos anos 1990.
Os mais cultuados são "Deixa Estar" (1970), "De Palavra em Palavra" (1971) e "Cicatrizes" (1972), criados no período em que o grupo se tornou mais militante no embate conta a ditadura.
O talento de Magro como arranjador vocal ganhou repercussão nacional em 1967, quando ele criou a complexa trama que unia a voz de Chico Buarque às dos quatro meninos do MPB4 em "Roda Viva" (Chico Buarque), canção defendida pelos cinco no III Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record.
Também é dele o arranjo vocal da gravação original de "Cálice" (Gilberto Gil/ Chico Buarque), cantado por Chico e Milton Nascimento no álbum "Chico Buarque" (1978).
Em 1977, aceitou o convite de Chico para interpretar --não apenas cantando, mas também interpretando-- o Jumento no álbum "Saltimbancos", clássico instantâneo que alimenta até hoje o imaginário infantil.
Ali, Chico vertia para o português as canções do argentino Luis Enríquez Bacalov e do italiano Sergio Bardotti. Na versão nacional, Miúcha interpretou a Galinha, Nara Leão, a Gata e Ruy, também do MPB4, fez o Cachorro.
Dedicado a boleros, "Contigo Aprendi", trabalho mais recente do MPB4, foi lançado em junho passado.



Notícia da Folha.com

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Novo ataque contra igreja cristã deixa 19 mortos na Nigéria


Novo ataque contra igreja cristã deixa 19 mortos na Nigéria

Criminosos cortaram a energia do templo e atiraram contra os fiéis por 20 minutos

Pelo menos 19 pessoas foram mortas em um ataque contra uma igreja na noite de segunda-feira (6), na Nigéria. Uma dezena de homens armados invadiram uma igreja cristã pentecostal na cidade de Okene, a 250 km da capital, Abuja, e abriram fogo. O pastor da igreja está entre as vítimas.
O comandante da Força de Intervenção Conjunta (JTF, em inglês) que atua na área, Gabriel Olorunyomi, apontou que "o número de vítimas pode aumentar, levando-se em conta que alguns dos feridos estão em estado grave".
Os terroristas chegaram de ônibus à Igreja Bíblica da Vida Mais Profunda enquanto os fiéis praticavam o estudo semanal. Os criminosos então cortaram a energia do templo e bloquearam todas as suas saídas antes de disparar indiscriminadamente contra os fiéis durante pelo menos 20 minutos.
Embora nenhum grupA organização terrorista matou mais de 1.200 pessoas em ataques armados ou atentados com explosivos desde 2009.o tenha assumido a autoria do atentado, a seita radical islâmica Boko Haram é a provável responsável por ele, uma vez que essa organização vem produzindo massacres contra cristãos nos últimos meses. A Boko Haram, cujo nome significa na língua local "a educação não islâmica é pecado", luta para instaurar a lei islâmica (sharia) na Nigéria, um país onde a população da metade norte é predominantemente muçulmana, enquanto a da metade sul é cristã.
A organização terrorista matou mais de 1.200 pessoas em ataques armados ou atentados com explosivos desde 2009.

Notícia vista no R7.

Região turística turca vira base de rebeldes


Região turística turca vira base de rebeldes

Por JEFFREY GETTLEMAN

ANTAKYA, Turquia - As pessoas daqui a chamam de Toscana com minaretes.
O quadrante sudeste da Turquia, junto à fronteira com a Síria, é uma das regiões mais pitorescas do país, com olivais encobrindo seus campos ondulados, e montanhas sulcadas por córregos cristalinos. Pelas manhãs, idosas descem os morros para pegarem damascos nos mercados. À noite, turistas passeiam por alamedas com calçamento de pedra.
Mas há uma nova uma onda de recém-chegados: sírios, especialmente combatentes. Não é raro ver soldados rebeldes mancando de muletas pela cidade turística de Antakya, e incontáveis apartamentos da região foram transformados em clínicas improvisadas, que ficam lotadas de jovens corpulentos feridos a bala.
Suprimentos médicos, equipamentos militares e combatentes se infiltram todas as noites pelos 890 km de fronteira, fazendo deste charmoso pedaço da Turquia a mais importante base para a crescente rebelião síria.
A guerra civil na Síria virou uma dor de cabeça para a segurança nacional turca. Em 30 de julho, Ancara despachou soldados, blindados e mísseis para a fronteira, embora as autoridades tenham se apressado em descrever a mobilização como "rotineira".
Além do ônus de receber 40 mil refugiados, um posto de fronteira no lado sírio acaba de cair nas mãos de um grupo ligado à rede terrorista Al Qaeda, e cerca de doze combatentes líbios foram recentemente vistos no principal hospital de Antakya, esperando seus "irmãos" feridos.
Houve rumores de que um contingente de combatentes líbios havia acabado de desembarcar no aeroporto local, portando coletes à prova de balas.
Aparentemente, Antakya tem atraído "jihadistas" estrangeiros que chegam à Turquia para travar uma guerra santa na Síria. Um refugiado recém-chegado de Bab al Hawa disse que cerca de 200 jihadistas estrangeiros haviam capturado essa cidade fronteiriça.
Outra zona de fronteira foi dominada no lado sírio por milicianos curdos, deixando os turcos temerosos de que o rápido esfacelamento do governo de Bashar Assad possa estimular ativistas curdos na Turquia.
Questionado recentemente sobre a hipótese de a Turquia bombardear a Síria caso militantes curdos usem o país árabe como base, o primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, disse: "Isso não é nem questão de discussão; é um dado".
Mas o conflito na vizinhança não permite respostas fáceis. Originalmente, o governo turco pediu reformas a Assad. Como ele recusou, a Turquia escancarou suas portas ao Exército Sírio Livre, grupo rebelde obstinado, mas incipiente, cujos líderes operam a partir de um acampamento fortemente vigiado no lado turco da fronteira.
Os turcos tentam sutilmente guiar os acontecimentos na Síria, estimulando a oposição a se unir, recebendo várias reuniões de alto escalão com líderes rebeldes e ajudando os insurgentes a obter armas. Ancara, no entanto, tem receio de se envolver mais profundamente.
"Esta sociedade está colhendo os frutos da prosperidade econômica, e não quer que ela seja destruída por algum envolvimento externo", disse Ilter Turand, professor de relações internacionais na Universidade Bilgi, em Istambul.
De certa forma, os dois vizinhos não poderiam ser mais diferentes, no momento.
A Turquia, democrática, fortemente nacionalista, ordeira e ascendente, versus a Síria, autoritária, profundamente dividida e mergulhando em uma confusa guerra civil.
Antakya é uma cidade turística, conhecida por suas ruínas, suas igrejas e um museu que abriga um dos melhores acervos existentes de mosaicos romanos e arte bizantina.
Os campos ao seu redor são incrivelmente férteis, produzindo azeitonas, cerejas, melões enormes e doces, e uma culinária famosa pelo uso inovador de ingredientes frescos.
Nos fins de semana, a cidade costumava receber sírios que vinham fazer compras. Um agente de viagens que não quis se identificar disse que sua clientela caiu de 2.000 por dia para zero, e que ele acaba de demitir suas três últimas secretárias.
"Esse conflito não nos afetou", afirmou. "Ele acabou conosco."
Sebnem Arsu colaborou com reportagem