segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Eu nunca esqueci de Long Beach


Eu nunca esqueci de Long Beach

O FATO: a meia-idade não é um termo usado para definir quem está na metade da vi­da. Anglicismo, "meia-idade" ("mid­dle age") identifica basicamente quem já meteu a botina na porta da velhice com força máxima. Não é o meu caso. Ainda tenho muito que­rosene a queimar antes de ser atira­da do penhasco feito a vovó dinos­sauro do seriado de TV.
Mesmo assim, nos últimos tem­pos tenho visto gente gasta por toda parte. Inclusive no espelho. E aca­bei chegando à conclusão de que não há quem não envelheça mal.
Rabugice, falta de sociabilidade, excesso de método, esquisitices: o pacote de ruindades oferecido aos que ousam desafiar a ordem natu­ral (deveríamos sumir aos 30 anos, não é isso?) pode ser mediano ou conter bônus extra na forma da imobilidade, esquecimento ou na aquisição das feições do sr. Beiçola. Fato está que não existe animal, ve­getal ou mineral que não fique um pouco mais chatinho na medida em que a quilometragem avança.
Nesta semana, Gore Vidal foi ter com o Criador. Engraçado, inteli­gentérrimo e um "raconteur" dos mais saborosos, ele soube juntar a pesquisa histórica e a fofoca cabe­luda como se ambas tivessem sido criadas para dançar juntas o tango.
Que ninguém nos ouça: Gore Vi­dal envelheceu mal. Pessimamen­te, diria. Sujeito escreveu "Burr" e "Myra Breckinridge", realizou uma das biografias mais elogiadas de Abraham Lincoln de que se tem no­tícia e ainda descarnou a América em seis volumes. E acabou a vida tecendo banalidades sobre o futuro do Império e pegando no pé da ex­trema-direita como se fosse um transviado irritadinho do Twitter. Sorte do Paulo Francis ter morrido no auge. Já imaginou colocar a de­crepitude a serviço do inimigo, co­mo Vidal se dispôs a fazer com George W. Bush?
Conheci Gore Vidal em São Paulo nos anos 1980. Tomamos um porre (posso ter sido só eu, quem sabe), demos muita risada, ele compor­tou-se comigo como um verdadeiro gentleman. Fui convidada para um jantar na casa de estrangeiros que fundaram a Chácara Flora e, ao chegar, encontrei uma situação insólita: um grupo animado de brasi­leiros conversava em um ambiente (quem conduzia a prosa era um de­corador muito festejado à época) e em outra sala, sentado sozinho olhando uma lareira sem combus­tível, havia um senhor que eu ime­diatamente reconheci: Gore Vidal. Isso mesmo, sozinho. Sem nin­guém ali para servir nem sequer uma Coca.
Sabe como é, brasileiro começa a noite falando inglês e logo desanda. Não dá meia hora já conta a pri­meira piada em português e nunca mais ninguém presta atenção no chato do gringo.
Eu não perdi tempo: "Mr. Vidal, it's an honour..." O papo fluiu, ele conhecia um tio meu (ambos mo­ravam na Itália, ele e meu tio) e a coisa rolou e ficamos todos muito felizes. "A Barbara está tomando conta daquela bicha velha america­na -ela veio com você?" e pronto, tudo resolvido. Como sempre a egoísta da grã-finada se arruma.
No dia seguinte, Vidal deu pales­tra no auditório no Masp e eu fui lá, com meu livrinho debaixo do bra­ço. Se quiser ver o autógrafo, entre no meu Instagram, @bgancia. A de­dicatória diz assim: "Barbara (who has forgotten that weekend in Long Beach), Gore Vidal".Pena que eu não lembre mais da piada. Mas ti­nha a ver com o fato de que, segun­do ele, Long Beach seria o lugar mais de quinta dos EUA e ele tinha me achado chique ou algo assim -eu acho. Em todo caso, agora que bateu os "penny loafers" não há mais como especular. O que é certo é que a memória começa a me pregar peças.



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