sexta-feira, 29 de julho de 2011

Plurais peculiares


Plurais peculiares

Sírio Possenti
De Campinas (SP)
As regras que comandam a concordância de número parecem óbvias, mas não são. Se a questão fosse puramente sintática, a regra seria mecânica: dado um núcleo nominal, a forma dos outros elementos do sintagma e a do verbo seriam completamente previsíveis. Mas as coisas não são assim. Tanto o "povo" quanto os escritores seguem outros caminhos, que podem ser explicados, o que importa mais do que simplesmente corrigir.
Um dos casos recentes que chamam a atenção é a presença de artigos (também verbos, na verdade) singulares com nomes plurais. Os dois que eu mais ouço são "A Casas Bahia está..." em propagandas, e "O Estados Unidos é/vai...", em debates, geralmente na boca de personalidades com alta escolaridade: embaixadores, cientistas políticos, economistas e, obviamente, jornalistas.
Alguém poderia dizer que, no caso da rede de lojas, a explicação estaria relacionada ao fato de tratar-se de uma rede popular. Acontece que as estruturas são exatamente iguais neste caso e no outro, o dos grã-finos. Nada mais óbvio, portanto, do que procurar uma explicação semelhante. O que as explica (ou condiciona sua ocorrência) é o fato de Casas Bahia e Estados Unidosserem percebidos como um só objeto. O fato de que sejam sintagmas "plurais" não é suficiente para fazer com que este traço sintático predomine sobre o semântico: trata-se de uma rede de lojas e de um país (é claro que a outra forma de concordância, a dita padrão, se explica sintaticamente).
Também se observam com altíssima freqüência fatos como "Um casal feliz tem a vida transformada em um dia que parecia promissor. Eles estão indo passar um final de semana em um chalé do chefe" (sinopse de "Encurralados") e "Grupo é enviado ao passado para buscar cientista, mas ficam presos na França de 1357" (sinopse de "Linha do tempo"). No programa "Painel", da GN, ouvi "Como a sociedade inglesa está vendo o Murdoch? Como eles reagem?".
Nestes últimos dados, o processo vai aparentemente na direção contrária da dos anteriores: agora, formas no singular são analisadas como plurais. Mas aqui também a semântica predomina sobre a sintaxe: Um casal, grupo e sociedade inglesa são percebidos como plurais (mais de um). A forma plural pode estar marcada na retomada anafórica (grupo / eles) ou na forma do verbo (grupo /ficam). Observe-se como o segundo exemplo é particularmente interessante: o grupo é enviado (dois singulares) / ... ficam (um plural). Veja-se que é enviadoestá ao lado do nome e ficam está distante. Distância é um fator crucial para muitos casos.
A propósito, veja-se o seguinte comentário de Bechara sobre a questão, na mesma gramática que comentei na semana passada:
"Se houver, entretanto, distância suficiente entre o sujeito e o verbo e se quiser acentuar a idéia de plural do coletivo, não repugnam à sensibilidade do escritor exemplos como os seguintes: Começou então o povo a alborotar-se, e pegando do desgraçado cético o arrastaram até o meio do rossio e aí o assassinaram, e queimaram, com incrível presteza (Alexandre Herculano)". (Bechara, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37a Edição, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 1999, p. 555.). "O povo... o assassinaram, e queimaram". E é Herculano. E as formas plurais estão distantes do sujeito.
Analisando apenas os fatos sintáticos, não há como saber se o autor desejaacentuar a idéia de plural. Mas é clara a presença de um termo coletivo com o qual o verbo concorda no singular quando está próximo e no plural quando está distante. O gramático invoca também um critério de gosto (não repugnam ao escritor). Um analista dos fatos poderia dizer que supor que o autor quisacentuar uma idéia e que existe ou não repugnância a alguma construção são critérios subjetivos. Objetivamente, tem-se um verbo no plural apesar de o sujeito estar no singular - e o sujeito é um coletivo e está distante do verbo.
Antes de fornecer o exemplo em questão e explicá-lo, Bechara afirmara que, em casos como esses, "a língua moderna impõe apenas a condição estética, uma vez que soa geralmente desagradável ao ouvido construção do tipo: O povo trabalham ou A gente vamos". Soa desagradável ao ouvido de quem?, poderíamos perguntar. De novo, trata-se de um critério que não valoriza a sintaxe, mas o gosto ou o status do falante e do ouvinte/leitor.
As gramáticas, como se sabe, estão cheias de supostas exceções: concordâncias ideológicas e silepses em uma lista, concordâncias com predicativos (isso são ossos do ofício, tudo são flores) em outra. E poucas tentativas de explicação! Ou duas, precárias: uma, que não é de fato uma explicação: escritores as usaram; outra: soa ou não soa bem - e nunca se define o tipo de ouvido!


Parlamento de Israel rejeita projeto para legalizar casamento civil

O Parlamento israelense (Knesset) rejeitou um projeto de lei que pretendia legalizar o casamento civil. Em Israel, só existe o casamento religioso, o que impede que pessoas de distintas religiões possam casar entre si e obriga ateus e agnósticos a se submeterem aos procedimentos confessionais para formalizar uma união. Os divórcios e outras questões de direito de família também são controlados por rabinos, sacerdotes e imames.

A proposta, apresentada nesta quarta-feira (27/07) pelo partido esquerdista Meretz, teve 17 votos a favor e 40 contra. A maioria dos 120 parlamentares faltou à sessão, afirmou o diário israelenseHaaretz. "A enorme maioria de israelenses apoia a liberdade de opção para se casar. No entanto, as facções ultra-ortodoxas conseguiram novamente que a coalizão (governamental) rejeitasse o projeto de lei", declarou o deputado Nitzan Horowitz, que propôs o projeto de lei.

"A Knesset novamente se deixou vencer pela coerção religiosa e a covardia política, e está roubando um direito civil básico de centenas de milhares de israelenses", acrescentou o legislador.

O Ministério do Interior israelense, no entanto, reconhece os casamentos civis celebrados fora de suas fronteiras. Com isso, centenas de israelenses viajam todos os anos à vizinha ilha do Chipre para formalizar sua união.

Segundo uma pesquisa elaborada por pesquisadores da universidade de Ben Gurion, no Neguev, dois terços da população israelense apoiam a legalização dos casamentos civis, embora apenas um terço queira se casar dessa forma.





Notícia do Opera Mundi

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A xenofobia europeia criou Breivik




DURANTE ALGUMAS HORAS o mundo teve uma espécie de alívio intelectual ao saber que o massacre de Oslo fora reivindicado por radicais islâmicos. Ocorrera uma desgraça, mas prevalecera a sabedoria convencional. O assassino, contudo, é um viking, cristão.
Até a divulgação de seu manifesto, "2083, uma declaração de independência europeia", Anders Breivik seria facilmente encaixado na categoria dos desequilibrados, onde estão Lee Oswald, o assassino de John Kennedy, ou John Hinckley Jr., que por pouco não matou Ronald Reagan em 1981 e está guardado num hospício. Breivik não cabe nessa categoria. Seu radicalismo é articulado, como o de Hitler no "Mein Kampf", terrível por não ser original. Está no ar. Suas referências ao Brasil e aos seus costumes também não são originais. Estão no ar.
Olhada pelo retrovisor, a última grande guerra europeia (50 milhões de mortos) foi um capítulo da luta do bem contra o mal e terminou com a vitória do bem. Olhada a partir da década de 20 do século passado, foi bem outra coisa. Como sempre, quando se vive a véspera não se sabe o que acontecerá no dia seguinte. Em 1930, quando o Congresso americano jogou para cima as tarifas de importação do país, não se acreditava que dera um passo para internacionalizar a depressão econômica.
Em 1923, quando o partido nacional-socialista alemão tentou um golpe em Munique, um jovem diplomata americano, surpreendido pelos acontecimentos, procurou o núncio apostólico, Eugenio Pacelli, um sacerdote fluente em alemão, conhecedor da política do país.
O monsenhor disse-lhe o que informara à Santa Sé: a carreira política de Hitler estava encerrada. Anos depois, Robert Murphy relembrou o episódio num encontro com o ex-núncio, àquela altura feito Pio 12, e ele explicou: "Eu sei do que você está falando, da infalibilidade do papa, mas não esqueça que eu era um monsenhor". (Nove anos depois, com Hitler no poder, o embaixador americano William Dodd achava que o chanceler seria contido pelos conservadores moderados.)
O monsenhor Pacelli fez uma previsão errada para o destino da árvore, mas Pio 12 olhava mal para a floresta. Felizmente, a carreira de Breivik terminará numa cela, mas, assim como grandes políticos ingleses, americanos e europeus se enganaram ao olhar o ovo da serpente do fascismo, Pacelli não podia supor o que vinha pela frente. Nem ele nem o soldado Joe Vanacore, em abril de 1945, quando entrou com seu tanque num dos campos de Buchenwald.
Crise econômica, desemprego, nacionalismo, xenofobia, antiliberalismo, antimarxismo e anti-intelectualismo eram parte do cotidiano de uma forma de pensamento político na primeira metade do século passado e ressurgiram, tanto na Europa como nos Estados Unidos. (Os brasileiros estão no topo da lista de viajantes impedidos de entrar em países europeus pelos serviços policiais dos aeroportos.) Onde havia antissemitismo, está hoje o anti-islamismo e a estigmatização dos imigrantes, extensiva aos descendentes.
Lido há um mês, o manifesto de Breivik seria apenas a manifestação de um radical capaz de pesquisar com algum método a literatura política de sua preferência. Hoje, pode levar à ideia de que ele é doido. Doido ele não é, é assassino.


Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 27 de julho de 2011

Uma história de duas classes médias no Brasil

Uma história de duas classes médias no Brasil

Joe Leahy
Em São Paulo

Conversando com Melissa Beeby, você não saberia que o Brasil está passando por seu período mais próspero desde o “milagre econômico” do final dos anos 60 –como o último grande boom do país é conhecido.

Como para outros membros da chamada classe média “tradicional” do Brasil, as coisas se tornaram mais difíceis para Beeby nos últimos anos. Os preços da carne e da gasolina dobraram, os pedágios nas estradas subiram e comer fora ou comprar bens se tornou proibitivamente caro.

“A classe média está basicamente endividada. É assim que as pessoas se viram”, diz Beeby, que dirige The Bridge Restaurant dentro do Centro Brasileiro Britânico, em São Paulo. “As pessoas estão jantando mais em casa e, quando saem, vão para lugares mais simples.”

A história do sucesso do Brasil em retirar milhões de pessoas da pobreza ao longo da última década é uma história de duas classes médias.

Apesar do crescimento econômico não ter sido tão espetacular no Brasil quanto na China e na Índia, a uma média de 4% ao ano entre 2003 e 2010, o equilíbrio da distribuição de renda melhorou mais rapidamente na maior economia da América Latina do que em outros grandes mercados emergentes.

No Brasil, a renda dos lares desde 2003 subiu 1,8 ponto percentual ao ano acima da taxa do crescimento do produto interno bruto, auxiliada por aumentos generosos no salário mínimo e nos benefícios dos programas de bem-estar social. Na China, por sua vez, o aumento na renda dos lares fica 2 pontos percentuais ao ano atrás do crescimento do PIB.

No lado positivo, estimadas 33 milhões de pessoas ascenderam desde 2003 à chamada “nova classe média” ou acima. Hoje, 105,5 milhões de brasileiros, de uma população total de 190 milhões, fazem parte desse grupo, com renda doméstica entre R$ 1.200 e R$ 5.174. Os ricos também estão melhores, ao lucrarem com o mercado de ações, exportação de commodities e boom de consumo.

No lado negativo, dizem os sociólogos, estão aproximadamente 20 milhões de pessoas da chamada classe média “tradicional”, com renda doméstica acima de R$ 5.174. Diferente da Índia, onde a velha classe média se beneficiou com a criação de novas indústrias, como os serviços terceirizados de tecnologia da informação, muitos na classe média brasileira se queixam de aumento de preços, aumento de impostos, infraestrutura saturada e concorrência cada vez maior por empregos.

“Nos últimos 10 anos, a renda dos 50% mais pobres da população cresceu 68% em termos reais per capita, enquanto a renda dos mais ricos cresceu 10%”, diz o professor Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador de um estudo em grande escala sobre a nova classe média brasileira.

Ainda mais surpreendente, a renda média de uma pessoa analfabeta cresceu 37% entre 2003 e 2009, enquanto a de uma pessoa com pelo menos ensino superior incompleto caiu 17%. “Está de cabeça para baixo”, diz o prof. Neri.

As mudanças representam um reequilíbrio histórico da riqueza que aguardava desde 1888, quando o Brasil foi o último país na Europa e nas Américas a abolir a escravidão, diz o prof. Neri.

“As rendas estão crescendo mais (rapidamente) nos grupos tradicionalmente excluídos da sociedade brasileira, como os não-brancos, mulheres, aqueles que vivem no Nordeste, nas favelas ou na periferia das cidades brasileiras”, disse o estudo do FGV.

O processo é movido em parte pelo maior acesso à educação. A nova classe média tem ingressado nas universidades particulares e nas escolas técnicas, começando a competir por empregos com a classe média tradicional.

Consciente de seu apoio entre os pobres, a presidente Dilma Rousseff lançou recentemente um novo programa de bem-estar social, visando retirar mais 16 milhões de pessoas da pobreza absoluta.

Mas esses programas não conquistarão votos entre a classe média tradicional, que está concentrada nos Estados industrializados do Sul e Sudeste do país, especialmente São Paulo. Alguns se queixam de que o governo ajuda os pobres por meio de benefícios e aumentos salariais, e os ricos por meio de empréstimos subsidiados para suas empresas. Isso enche a economia de dinheiro, provocando inflação, que o Banco Central tenta conter por meio de taxas de juros cada vez maiores, penalizando a classe média.

Apesar de muitos na classe média tradicional brasileira concordarem com a redistribuição de renda, eles se preocupam com quanto isso está lhes custando.

Beeby diz que sente a pressão de ambos os lados –como consumidora e como dona de um pequeno negócio. A alta do preço da carne a forçou a aumentar o preço de alguns pratos. “As pessoas que comem aqui também sentiram a diferença. Elas reclamam muito”, ela diz.

Tradução: George El Khouri Andolfato



O maior líder espiritual do Irã

O maior líder espiritual do Irã

MELODY MOEZZI

O "líder espiritual" do Irã oficialmente reconhecido hoje pode ser o aiatolá Khomeini, mas, durante centenas de anos anteriores ao establishment atual de mulás e aiatolás, os iranianos de todos os credos reconheceram outro líder espiritual: Jalal ad-Din Rumi.
Entre os iranianos, ele é o guia espiritual e guru cujas palavras encerram autoridade moral inigualada. Hoje, mais de 700 anos após sua morte, é quase impossível passar um dia caminhando por qualquer cidade, subúrbio ou vilarejo iraniano sem ouvir seu eco.
Suas palavras sobrevivem no discurso cotidiano -não importa sua posição na vida, religião ou ocupação, todas as pessoas no Irã conhecem pelo menos um punhado dos poemas de Rumi de cor.
Não existe melhor maneira de compreender essa influência que por meio da própria poesia de Rumi, embora ela em muitos casos desafie qualquer tradução fácil. Mesmo assim, os anglófonos contam com uma fonte maravilhosa de compreensão de Rumi -e do Irã- nas traduções de Coleman Barks, incluindo a seguinte:

"Hoje, como em todos os outros dias, acordamos vazios e temerosos. Não abra a porta para o estudo e comece a ler. Busque um instrumento musical. Permita que a beleza que amamos seja o que fazemos. Existem centenas de maneiras de ajoelhar e beijar o chão."

Compreenda esse poema e você compreenderá a alma do Irã -não apenas o papel da religião ou do dogma, mas o papel espiritual da fé, do amor e da beleza.
Ao mesmo tempo em que o Irã é um país de maioria muçulmana e que o xiismo é a religião oficial do Estado, o Irã não é definido pelo islã. Em lugar disso, é definido por seus povos, que são muçulmanos, judeus, bahá'ís, cristãos, agnósticos e ateus.
O Irã tem milhões de muçulmanos, mas também a maior população judaica de qualquer país de maioria muçulmana. Portanto, os iranianos sabem muito bem que há no mínimo centenas de maneiras de ajoelhar e beijar o chão.
Contudo, o regime iraniano mantém uma identificação intransigente com sua interpretação do islã e vem exercendo um papel forte em moldar a visão que o povo iraniano tem do islã e da religião em geral.
Assim, muitos iranianos se desiludiram com a religião.
Como iranianos jovens, vemos o fracasso do governo em garantir direitos iguais para as mulheres e percebemos que o regime esqueceu suas raízes. Nossos líderes vêm recorrendo a cassetetes, a balas e a gás lacrimogêneo.
A consequência é que as pessoas continuam a se afastar da religião organizada, especialmente do islã, porque viram como o regime manipula sua fé para oprimir a população e reprimir a dissensão.
Essa crescente repulsa coletiva à religião, contudo, encoraja a união de iranianos de todas as origens e crenças, sob os ensinamentos espirituais mais básicos e universais que Rumi e outros poetas sufistas captaram com tanto brilho: a noção de que a música, a arte, a poesia e o amor constituem nossos maiores recursos espirituais.
No Irã, tais recursos são mais abundantes que óleo, açafrão e pistaches reunidos e representam a fé mais verdadeira das massas.


MELODY MOEZZI, irano-americana, é escritora e ativista. Este artigo integra a série "Religião e o espaço público", em colaboração com a Aliança de Civilizações da ONU e seu projeto "Global Experts". A opinião expressa é a dos autores, e não necessariamente reflete a da Aliança.

Tradução de CLARA ALLAIN.


Texto publicado na Folha de São Paulo, de 21 de julho de 2011.  Este blogueiro destacou a tradução da poesia.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Morre o diretor do filme "Zorba, o Grego"

Morre aos 89 o diretor de "Zorba, o Grego"

O diretor cipriota Mihalis Kakogiannis morreu ontem em Atenas, aos 89, devido a complicações após um ataque cardíaco. Seu trabalho mais conhecido é "Zorba, o Grego" (1964), pelo qual foi indicado ao Oscar. Ao longo da carreira, também recebeu cinco indicações à Palma de Ouro em Cannes.

Nota da Folha de São Paulo, 26/07/2011.

Grécia: Da dinastia Papandreou, generosidade e dívida

Da dinastia Papandreou, generosidade e dívida

Por LANDON THOMAS Jr.

ATENAS - Na fundação que leva o nome de seu pai em Atenas, Nick Papandreou avaliou a tarefa que seu irmão George tem pela frente: desmontar o sistema de bem-estar social grego, erguido principalmente por seu pai, Andreas Papandreou.
"Este é o momento dele", disse Nick, um economista de 54 anos, sobre o atual primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou. "Apesar de ocorrer no pior momento da história grega".
É uma história de muitas maneiras definida por três gerações de premiês Papandreou. O primeiro, George, morreu em 1968, em prisão domiciliar imposta pelos militares. Depois veio Andreas, o carismático economista que estudou nos EUA.
Ele se tornou um herói com a redistribuição de riqueza que supervisionou nos anos 1980. Mas também aumentou muito a dívida grega -que era de 20% do PIB quando se tornou premiê e inchou para 80% em 1989. E finalmente há George Papandreou, que está sendo obrigado a impor um regime de austeridade que poderá reverter ganhos sociais conquistados por seu pai.
Muitos analistas políticos de Atenas questionam se o atual primeiro-ministro conseguirá vender ao público os cortes que os líderes financeiros da Europa estão exigindo.
A história da família Papandreou é cheia de ambiguidades. Andreas Papandreou, que morreu em 1996 depois de três mandatos, seria um agitador socialista que usou o dinheiro do governo para expandir a classe média e dar aos gregos uma maior sentimento de orgulho?
Ou foi um demagogo inclinado a escândalos, cuja noção do Estado como um banco de empregos ilimitado explica em grande parte a atual condição de quase falência do país? Não se discute muito que a onda de empréstimos começou sob Andreas. Nick Papandreou lembra dos dias áureos do povo no poder do início dos anos 1980, quando seu pai abriu o governo: o dono de uma lanchonete em Nova York se tornou ministro do Turismo, um encanador foi nomeado para dirigir um cargo oficial dos Transportes.
"A dívida cresceu, mas havia um benefício", disse Nick. "As pessoas ascenderam, no sentido da renda e da esperança".
Mas não é difícil encontrar pessoas que ponham a culpa pelos atuais problemas em Andreas.
"Andreas Papandreou corrompeu a psique grega e deu aos gregos uma cultura do 'eu posso' baseada em sua existência, e não em sua capacidade de trabalhar e assumir riscos", disse Jason Manolopoulos, administrador de um fundo de investimentos.
Nick, George e seus dois irmãos mais moços cresceram nos EUA, Canadá e Suécia, em um período em que seu pai foi um proeminente economista e ativista político fora da Grécia. Em seus textos, Nick descreve o pai como distante, muito ausente, e às vezes até abusivo.
Mas a vida de seu pai, diz Nick, foi marcada pelo conflito, pela paixão e pela suprema capacidade de se comunicar com o povo.
George, 59, é mais tímido. "Ele me disse muitas vezes que não queria ser premiê", disse.
Ainda assim, Nick diz que seu irmão pode fazer o que a Grécia precisa hoje. "Andreas poderia ter vendido o plano melhor no início", disse. Mas "George não vai ceder nessas reformas". Outros não têm tanta certeza.
Alguns dizem que o primeiro-ministro não tem o desejo de executar as enormes reformas econômicas exigidas pelo Fundo Monetário Internacional e a União Europeia.
Alguns também questionam se ele tem a capacidade de comunicação -o grego é sua segunda língua- para explicar por que o país não pode mais manter o Estado que seu pai construiu.
"Andreas tinha a capacidade de sentir o clima do público", disse Louka T. Katseli, até recentemente ministro da Economia.
Mas nem todo mundo lembra dele com tanto apreço. Theodore Stathis, que foi membro de seus governos, lembra o excesso da década de 1980, quando o salário mínimo quase duplicou.
"Ele queria construir um Estado com salários e serviços melhores", disse. "Construímos um Estado tão grande que tivemos de continuar emprestando só para pagar suas despesas. Foi um erro terrível." Stathis hoje trabalha para uma pequena firma financeira nos Estados Unidos.
Ele disse que em 1993 Andreas Papandreou havia começado a aceitar que o Estado não podia viver só de empréstimos. Mas ele não poderia dizer o mesmo sobre o atual primeiro-ministro.
"George é uma pessoa ética e honesta", ele disse, cuidadosamente. "Mas ele perdeu tempo."



Comentário: Eu gosto desses textos do New York Times. Eles são honestos. Sempre que alguém reclama do bem-estar geral que os gregos chegaram a desfrutar, em parte conseguido através de empréstimos, esse alguém é ligado a instituições financeiras.

Assassinato de suposto cientista nuclear gera confusão no Irã

Assassinato de suposto cientista nuclear gera confusão no Irã

Regime afirma que vítima é ligada à área atômica e depois nega

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

O assassinato em circunstâncias não esclarecidas de um acadêmico iraniano supostamente envolvido com o programa nuclear do Irã está gerando confusão no país.
Daryoush Rezaienejad, 35, foi morto por atiradores anteontem quando buscava sua filha no colégio em Teerã. Ninguém foi preso.
O presidente do Parlamento, Ari Larijani, disse que o assassinato foi um "ato terrorista americano e sionista".
Jornais iranianos, primeiramente, afirmaram que Rezaienejad trabalhava para o programa nuclear nacional. Mais tarde, a televisão estatal negou a informação. A confusão teria acontecido devido à similaridade do nome da vítima, que seria mestrando em eletrônica, com o de Daryoush Rezaie, influente físico a serviço dos militares.
Se o envolvimento de Rezaienejad com o programa nuclear for comprovado, ele seria o quarto cientista nuclear a morrer ou desaparecer em circunstâncias suspeitas. Teerã tem o hábito de atribuir os ataques a Israel.
Alguns analistas apontam que serviços secretos estrangeiros podem estar eliminando cientistas ligados ao programa nuclear do Irã.
Outros dizem que as mortes podem ter sido causadas pelo próprio regime por temer que os cientistas estivessem fornecendo informações estratégicas a inimigos.

Notícia da Folha de São Paulo, de 25 de julho de 2011

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Apologia da preguiça

Apologia da preguiça

O sequestro do nosso tempo pelo trabalho

RESUMO
Em tempos de tecnociência, permanece irrealizada a utopia da libertação do homem pelas máquinas: nunca se trabalhou tanto, e o tempo livre jamais esteve tão fora da pauta. Ora estigmatizado na ordem produtiva, ora exaltado na tradição filosófica, o preguiçoso é hoje o símbolo do tempo livre para o pensamento.

ADAUTO NOVAES
O trabalho deve ser maldito, como ensinam as lendas sobre o paraíso, enquanto a preguiça deve ser o objetivo essencial do homem. Mas foi o inverso que aconteceu. É esta inversão que gostaria de passar a limpo.
Malevitch, "A Preguiça como Verdade Definitiva do Homem"

SABE-SE QUE uma única palavra é suficiente para arruinar reputações e, entre todas, preguiça é uma das mais suspeitas e perigosas. Ao longo dos séculos, foi carregada de significações contraditórias e impressionantes variações.
Dela decorre longo cortejo de acusações bizarras, mas também sabe ser tema de obras de arte, poesia, romance, pinturas, reflexões filosóficas: o preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso. Preguiça e trabalho guardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular.
Para o preguiçoso, "é preciso ser distraído para viver" (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele; exatamente por isso, é acusado de não contribuir para o progresso.
Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, ele deve sentir-se culpado, pagar pelo que não faz.
Mais: pensadores como Lafargue, Stevenson, Bertrand Russell, Jerome K. Jerome, Marx e Samuel Johnson apostaram no desenvolvimento técnico como possibilidade de liberação do trabalho. Erraram: na era da tecnociência, nunca se trabalhou tanto e nunca se pensou tão pouco. Assim, o espírito tende a se tornar coisa supérflua.

O QUE FAZER Ao pensar sobre o fazer, o ocioso pode prestar um grande serviço e ajudar a responder à velha questão moral: o que devo fazer? Dependendo da resposta, teremos diferentes definições do que seja o homem, a política, as crenças, o saber, nossa relação com o mundo, e, principalmente, nossa relação com o trabalho. A resposta pode nos dizer não apenas o que fazemos mas também o que o trabalho faz em nós.
Hoje, maravilhosas máquinas "economizam" o trabalho mecânico, mas criam novos problemas: primeiro, uma espécie de intoxicação voluntária, isto é, "mais a máquina nos parece útil, mais ela nos torna incompletos" (Valéry).
A máquina governa quem a devia governar; daí decorre o segundo problema, bem mais complexo: tantas potências auxiliares mecânicas tendem a reduzir "nossas forças de atenção e de capacidade de trabalho mental", o que se relaciona à impaciência, à rapidez e à volatilidade nunca antes vistas.
Assim escreveu Paul Valéry (1871-1945): "Adeus, trabalhos infinitamente lentos, catedrais de 300 anos cuja construção interminável acomodava curiosas variações e enriquecimentos sucessivos... Adeus, perfeições da linguagem, meditações literárias e buscas que tornavam as obras ao mesmo tempo comparáveis a objetos preciosos e a instrumentos de precisão!
[...] Eis-nos no instante, voltados aos efeitos de choque e contraste, quase obrigados a querer apenas o que ilumina uma excitação de acaso. Buscamos e apreciamos apenas o esboço, os rascunhos. A própria noção de acabamento está quase apagada".

MONTAIGNE Valéry retoma uma tradição. Lemos em Montaigne (1533-92) que "a alma que não tem um fim estabelecido perde-se. Porque, como se diz, estar em toda parte é não estar em lugar algum". Aqui, entendemos por alma o "trabalho teórico do espírito", potência de transformação. O que leva a alma (espírito) a se perder é o trabalho desordenado.
Habitar o próprio eu, comenta Bernard Sève, é o projeto de Montaigne: viver em repouso, longe das agitações do mundo, retirar-se da pressa do mundo "para se conquistar, passar do negotium ao otium", do negócio ao ócio.
É isso que podemos ler na inscrição que Montaigne mandou pintar nas paredes da sua torre: "No ano de Cristo de 1571, aos 38 anos, vésperas das calendas de março, dia de aniversário de seu nascimento, depois de exercer longamente serviços na Corte (Parlamento de Bordeaux) e nos negócios públicos [...] Michel de Montaigne consagrou este domicílio, este tranquilo lugar vindo de seus ancestrais, à sua própria liberdade, à sua tranquilidade, ao seu 'loisir' (otium)".
Eis que Montaigne recolhe-se ao ócio reflexivo, com um espírito criativo leve e vagabundo. Como escreve Sève, um Montaigne distante das pressões políticas e das injunções do trabalho burocrático, com o espírito já amadurecido, "construído pela vida, espírito prestes ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz". Mas interpretemos com cuidado esse afastamento do mundo.
Se a vida teórica aparece mais compensadora, é porque Montaigne não encontrou na vida prática -social e política-, no Parlamento de Bordeaux, aquilo que buscava. À diferença dos comuns, Montaigne não procurava satisfação no reconhecimento social e político. No ócio, preferiu a busca da verdade às coisas da política.
Sua "contemplação" teórica é discursiva, isto é, transforma-se em atos de pensamento e, portanto, em atividade prática. Nascem aí os monumentais "Ensaios".

FOUCAULT A aliança entre capital, igreja e disciplina militar para regular o trabalho tem história. Em um curso de 1973, ainda não publicado, Michel Foucault (1926-84) narra a institucionalização do trabalho através da "fábrica-caserna-convento" no final do século 19. Ele descreve as regras de uma comunidade fechada de até 400 trabalhadores: acordar às 5h, 50 minutos para toalete e café, trabalho nas oficinas das 6h10 às 20h15, com uma hora para as refeições. À noite, jantar, reza e cama às 21h. Só no sul da França, 40 mil operárias trabalhavam nessas condições.
O trabalhador é fixado no aparelho produtivo, no qual "o tempo da vida está submetido ao tempo da produção". Vemos nessa experiência uma mudança essencial que nos interessa porque se torna mais aguda e determinante no trabalho hoje: "da fixação local a um sequestro temporal". Ou melhor, da ideia de controle do espaço no trabalho à ideia de controle do tempo.
O trabalho sequestrou o tempo. Se, no século 19, o controle do tempo era apresentado ao operário como um "aprendizado de qualidades morais" que, na realidade, significava a integração da vida operária ao processo de produção, hoje o controle é aceito com naturalidade, e até mesmo desejado.
O homem se integra voluntariamente "a um tempo que não é mais o da existência, de seus prazeres, de seus desejos e de seu corpo, mas a um tempo que é o da continuidade da produção, do lucro".
A reivindicação de tempo livre tornou-se quase que palavra de ordem subversiva: "Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo para trabalhar", conclama Pierre Reverdy, citado no prefácio ao livro de Denis Grozdanovitch "A Difícil Arte de Quase Nada Fazer".

TRABALHO CEGO A mobilização veloz e incessante do trabalho cego não permite ao homem dizer qual é o seu destino e muito menos o que acontece. Ele não dispõe de tempo para pensar e muito menos tem consciência de que seus gestos, no trabalho, produzem muito mais do que os objetos que fabrica.
Há um excedente invisível, entendendo-se por "excedente" tudo o que não é mensurável, que produz catástrofes através do trabalho "normal e produtivo" e se manifesta na poluição, nos desastres ecológicos, no esquecimento e na desconstrução de si.
Como nos lembra Robert Musil em "O Homem sem Qualidades", foi preciso muita virtude, engenho e trabalho para tornar possíveis as grandes descobertas científicas e técnicas, graças aos sucessos dos "homens de guerra, caçadores e mercadores". Tudo isso fundado na disciplina, no senso de organização e na eficácia do trabalho, o que talvez pudesse ser resumido assim: o trabalho mecânico da produção de mercadorias pretende tomar o mundo de assalto, produzindo agitação social e frenesi econômico e consumista, dada a multiplicação de objetos "não naturais e não necessários".
Já o preguiçoso põe-se na escuta de si e do mundo que o cerca.

PENSAMENTO Talvez o mais danoso de todo esse legado para o espírito humano seja a criação de um mundo vazio de pensamento que o ocioso procura preencher. Guardo uma imagem que o poeta e filósofo Michel Deguy me fez ver à janela de seu apartamento, em Paris: um mendigo que dormia 20 horas por dia na escadaria da igreja Saint-Jacques.
Deguy narra essa experiência em um pequeno ensaio com o título "Do Paradoxo": em imagem semelhante, diz ele, também nas escadarias de uma igreja, "a 'Derelitta' de Botticelli está pelo menos sentada, parecendo meditar. Hoje, ninguém medita, como dizia Valéry na figura de M. Teste. Portanto, o mendigo talvez não esteja errado, uma vez que o fato de estar deitado nada muda [...] E quando lembro que Pascal era o pároco da igreja e cuidava dos abandonados, a comparação me perturba: os 'pobres' não são mais como eram -mas os pensadores também não. Portanto, o 'despertar do pensamento'? Nós, você e eu, não queremos dormir. Mas estamos acordados?"
O trabalho técnico, mecânico e acelerado abole o tempo do pensamento, que exige virtudes atribuídas ao preguiçoso: paciência, lentidão, devaneio, acaso -o imprevisto. Em um texto célebre, Valéry nota: "O futuro não é mais como era". Isto é, não há mais o tempo lento do pensamento, momento em que o tempo não contava. Sabemos que é na vida meditativa e lenta que o homem toma consciência da sua condição.

SERES OCULTOS Ora, como escreveu ainda Valéry, o amanhã é uma potência oculta, e o homem age muitas vezes sem o objeto visível de sua ação, como se outro mundo estivesse presente, "como se ele obedecesse a ações de coisas invisíveis ou de seres ocultos".
Essa poderia ser uma boa definição do ocioso. Coisas invisíveis e seres ocultos participando do mundo do devaneio e do pensamento. Mundo do trabalho do espírito, em contraposição ao trabalho mecânico.
As ideias e os valores, lembra-nos Maurice Merleau-Ponty (1908-61), não faltam a quem soube, na sua vida meditativa, liberar a fonte espontânea, não deliberadamente, em direção a fins predeterminados por cálculos técnicos e produtivos. Todo trabalho finito e alienado é pura perda.
Através de uma admirável reversão, o meditativo transforma a desrazão do mundo do trabalho alienado em fonte de razão. Isso porque o trabalho meditativo do ocioso é um trabalho sem finalidade, sem "telos", um trabalho sem fim. O trabalho meditante do ocioso exige muito mais trabalho do que o trabalho mecânico. O trabalho da obra de arte e da obra de pensamento pede um tempo que não pode ser medido pelo relógio.

PREGUIÇOSO Como se pode, então, pensar essa figura que sempre teve péssima reputação? Talvez uma boa definição seja a de um autor inglês, Jerome K. Jerome (1859-1927), em seu livro "Pensamentos Preguiçosos de um Preguiçoso" (1886): "O que melhor caracteriza um verdadeiro preguiçoso é o fato de ele estar sempre intensamente ocupado. De início, é impossível apreciar a preguiça se não há uma massa de trabalho diante de si. Não é nada interessante nada fazer quando não se tem nada a fazer! [...] Perder seu tempo é uma verdadeira ocupação, e uma das mais fatigantes. A preguiça, como um beijo, para ser agradável, deve ser roubada".
Jerome K. Jerome leva-nos a pensar que a preguiça não é coisa passiva. Perder o tempo mecânico dá trabalho e exige enorme atividade do espírito.
O egípcio Albert Cossery é apresentado pela revista francesa "Magazine Littéraire" como o escritor contemporâneo que celebra a preguiça como uma arma de subversão política e como um modo de resistir à impostura das potências. Para Cossery, o exercício da preguiça tem o valor da arte de viver. Mas ele distingue dois tipos de preguiçosos: os idiotas e os reflexivos.
"Um idiota preguiçoso permanece idiota!", escreve. "E um preguiçoso inteligente é quem reflete sobre o mundo no qual vive. Mais você é ocioso, mais tempo você tem tempo para refletir... Esses são os valores da preguiça, que supõe, pois, dupla recusa: nosso mundo imediato e a triste realidade."
Mas o mais radical dos libelos contra o trabalho alienado continua a ser o pequeno ensaio de Paul Lafargue (1842-1911), "O Direito à Preguiça" (1880). "Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a fortuna social e suas misérias individuais; trabalhem, trabalhem, para que, tornados mais pobres, tenham mais razões ainda para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção capitalista".
Para Lafargue, o trabalho é invenção relativamente recente, uma vez que os antigos gregos desprezavam o trabalho e deliciavam-se com os "exercícios corporais" e os "jogos de inteligência". Ele critica a moral cristã ao proclamar o "ganharás o pão com o suor do rosto" e ao lembrar que Jeová, "depois de seis dias de trabalho, repousou por toda a eternidade".
Robert Louis Stevenson (1850-94), na "Apologia dos Ociosos" (1877), mostra que o ócio "não consiste em nada fazer, mas em fazer muitas coisas que escapem aos dogmas da classe dominante".

MELANCOLIA A tradição relaciona a melancolia e o devaneio à preguiça. Nisso, mais uma vez, igreja e capital estão juntos. O trabalho é o grande meio que a igreja encontrou para lutar contra a melancolia e a vertigem do tempo livre. Seu lema sempre foi "Rezai e trabalhai", ou seja, só abandonar a oração quando as mãos estiverem ocupadas.
Lemos em um ensaio de Jean Starobinski sobre a melancolia -"A Erupção do Diabo-" que o trabalho tem por efeito ocupar inteiramente o tempo que não pode ser dado à oração e aos atos de devoção: "Sua função", escreve ele, "consiste em fechar as brechas por onde o demônio poderia entrar, por onde também o pensamento preguiçoso poderia escapar". Assim, o trabalho interrompe o "vertiginoso diálogo da consciência com seu próprio vazio".
A crítica que Jean-Jacques Rousseau (1712-78) faz ao trabalho não é diferente. Na sétima caminhada dos "Devaneios de um Caminhante Solitário" (1782), ele busca a solidão, mas procura trabalhar tudo o que o cerca, escolhendo o mais agradável. Não escolhe os minerais porque, escondidos no fundo da terra "para não tentar a cupidez", exigem indústria, trabalho, pena e exploração dos miseráveis nas minas.
As plantas não. A botânica é o estudo de um "ocioso e preguiçoso solitário": "Ele passeia, erra livremente de um objeto a outro, passa em revista cada flor... Há, nesta ociosa ocupação, um charme que só se sente na plena calma das paixões, o que basta para tornar a vida feliz e tranquila. Mas, quando se mistura aí um motivo de interesse ou vaidade, seja para ocupar espaços, seja para escrever livros, ou quando se quer aprender apenas para se instruir ou pesquisar as plantas apenas para se tornar professor, todo o charme da tranquilidade se desfaz; [...] no lugar de observar os vegetais na natureza, ocupa-se apenas com sistemas e métodos".
O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores contra o progresso técnico, esta "ilusão que nos cega". Eleger a quietude, o silêncio e a paciência para conhecer e aprofundar indefinidamente as coisas dadas.
Eis o ócio que Karl Kraus (1874-1936) nos propõe: "Se o lugar aonde quero chegar só puder ser alcançado subindo uma escada, eu me recusarei a fazê-lo. Porque lá aonde eu quero realmente ir, na realidade já devo estar nele. Aquilo que devo alcançar servindo-me de uma escada não me interessa".

"O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores"
"Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, deve sentir-se culpado"
"O trabalho meditativo do ocioso é sem finalidade, sem "telos", um trabalho sem fim; exige muito mais trabalho do que o trabalho mecânico"
"O trabalhador é fixado no aparelho produtivo, no qual "o tempo da vida está submetido ao tempo da produção". O trabalho sequestrou o tempo"




Este longo texto foi publicado no caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo, de 24 de julho de 2011

Lucian Freud 1922-2011


Lucian Freud morre aos 88 em Londres
Ao lado de Francis Bacon, artista britânico revolucionou a pintura figurativa pós-Segunda Guerra Mundial 

GABRIELA LONGMAN
DE SÃO PAULO

Autor de retratos ultrarrealistas e nus contundentes, o pintor Lucian Freud morreu anteontem à noite em sua casa em Londres, aos 88 anos.
Ao lado de Francis Bacon (1909-1992), Freud tornou-se o nome central da pintura figurativa europeia, após a Segunda Guerra Mundial. A notícia da morte foi dada por William Acquavella, marchand nova-iorquino do artista. Segundo ele, o pintor teria morrido depois de "um breve período doente".
Nascido em Berlim em 1922, era neto de Sigmund Freud, fundador da psicanálise. Com a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, a família de ascendência judaica instalou-se Londres. Lucian tinha então dez anos.
Em diálogo com a tradição europeia, criou ao longo de sua vida um novo estilo de retratar a figura humana -forte, antirromântico, que flertava com o caricatural e às vezes beirava o grotesco.
Submetia seus modelos a sessões exaustivas, dia após dia, até que mostrassem sua vulnerabilidade. "Eu pinto pessoas", disse o artista, "não por sua aparência, nem apesar de sua aparência, mas como elas de fato são".
Freud retratava pessoas comuns -amigos, especialmente- de olhos arregalados para a tela com expressões de fatiga ou angústia. Segundo o crítico John Russell, a relação entre o pintor e seus modelos ultrapassava parâmetros comuns e se aproximava da relação, "clássica do século 20", "entre interrogador e interrogado".
No ano passado, Martin Gayford escreveu sobre a experiência de ser retratado por Freud, no livro "Man with a Blue Scarf" (Homem com cachecol azul).
Vencedor do Prêmio Turner de 1989, Freud era considerado o maior pintor figurativo vivo. Sua obra foi tema de uma grande retrospectiva na Tate Britain, em 2002.
Em 2008 seu quadro "Benefits Supervisor Sleeping", retratando uma adormecida em tamanho natural, bateu o recorde de valor mais alto pago por uma obra de um artista vivo: US$ 33,6 milhões.
Considerado boêmio e impulsivo, casou-se duas vezes. Deixa filhos da união com Kitty Garman e de outras relações amorosas. Foi aluno de diversas escolas de arte. Na juventude, foi influenciado pela nova objetividade alemã, via pintores como Georg Grosz e Otto Dix, além da pintura flamenga.
Flertou com o surrealismo nos anos 40. Mas a influência decisiva em sua obra seria a de Francis Bacon.

Com agências internacionais.



Resistência


Resistência 
RIO DE JANEIRO - Há um mês, o menino Juan Moraes, 11, foi assassinado em um beco escuro de uma favela na Baixada Fluminense. Seu corpo foi encontrado dez dias depois na beira de um rio, a 18 quilômetros do local do crime.
Pouco se sabe do que, de fato, aconteceu com o menino, mas muito se suspeita. Ao voltar para casa, Juan encontrou policiais que supostamente perseguiam traficantes da região. Os quatro policiais militares que participavam da ação tiveram sua prisão temporária pedida na terça-feira pelo Ministério Público. Da arma de um deles partiu o tiro que matou a criança.
Eles têm em sua conta, somados, 37 autos de resistência -expressão usada para o registro de casos nos quais uma pessoa, supostamente um criminoso, morre em confronto com forças de segurança.
Em 2010, estatísticas do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro contabilizaram 855 autos de resistência. Menos do que nos anos anteriores -em 2007, chegou-se a 1.330 casos-, mas, ainda assim, um número elevado.
Até a morte de Juan, os autos de resistência eram registrados levando-se em conta apenas a palavra dos policiais envolvidos. Não havia perícia, investigação...
Uma portaria da chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha, do início de julho, pretende mudar isso. Tornou obrigatória a investigação de casos em que a vítima supostamente tenha sido morta ao reagir ao trabalho dos policiais.
Pareceria louvável, se não fossem duas questões. Primeiro, porque já se tentou fazer isso em 2006, quando os batalhões da PM eram obrigados a enviar relatórios diários sobre mortos e feridos por disparos de PMs. Imagina-se que o objetivo fosse evitar abusos.
Segundo, porque parece óbvio que a morte de uma pessoa, não importa quem seja, deve ser investigada, sem que haja necessidade de portarias para isso.


Texto de Cristina Grillo, na Folha de São Paulo, de 21 de julho de 2011. Destaque do blogueiro. Pode ser que seja mentira, mas nas séries policiais produzidas pela TV dos Estados Unidos, as mortes normalmente são investigadas.

Dilma, Patriota, Lorca e Jara

DILMA, PATRIOTA, LORCA E VICTOR JARA 

Dilma Rousseff e o chanceler Antonio Patriota estão entre as pessoas que lembram com tristeza o episódio da Guerra Civil Espanhola em que os franquistas fuzilaram o poeta Federico García Lorca. Ele tinha 38 anos. Ou ainda a execução do cantor chileno Victor Jara, em 1973, no Estádio Nacional de Santiago, depois do golpe do general Pinochet. Nos dois casos, a diplomacia brasileira ficou do lado dos assassinos.
Nenhum dos dois acreditaria se Madame Sesostris, uma famosa vidente, lhes dissesse que o destino poderia lhes reservar o mesmo papel. O governo brasileiro dá um discreto apoio ao ditador sírio Bashar al Assad que, em quatro meses de repressão, matou cerca de 1.500 pessoas.
Os manifestantes sírios cantam um hino que, numa tradução livre, chama-se "Pede pra Sair, Basher". O autor da canção seria Ibrahim Qashoush, cujo corpo, degolado, foi achado num rio no início do mês. O repórter Anthony Shadid ressalva que, como muitas histórias vindas da Síria, não se pode garantir que o morto seja o da "andorinha da Revolução".
No dia 20, o vice-ministro sírio Fayssal Mikdad passou por Brasília, esteve com Patriota e permitiu-se o seguinte relato:
"O ministro Patriota expressou como seu país aprecia as reformas do presidente Assad, indicando que o diálogo político é a melhor forma para resolver os problemas".



Trecho da coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 24 de julho de 2011

sábado, 23 de julho de 2011

Como Joplin, Hendrix, Morrison e Cobain, música perde Amy Winehouse aos 27 anos





A cantora britânica Amy Winehouse foi encontrada morta neste sábado (23/07) em sua casa, em Londres. Ainda não foi divulgada a razão oficial de seu falecimento. A notícia foi divulgada inicialmente pelo canal de britânico TV Sky News. Segundo o canal, a polícia confirmou a morte da cantora. As informações são de agências de notícias internacionais.

Aos 27 anos, Amy repete o histórico de outros grandes astros da música pop e do rock que morreram, coincidentemente, na mesma idade. A este grupo pertencem Jimi Hendrix, Kurt Cobain (líder do Nirvanna), Jim Morrison (vocalista do The Doors), Brian Jones (ex-Rolling Stones) e Janis Joplin.  



Assim como eles, a cantora tinha um histórico de graves envolvimento com álcool e drogas. Seu maior sucesso, Rehab, trata exatamente de sua relação com entorpecentes.

A polícia londrina informou em comunicado ter recebido uma chamada à casa da cantora por volta das 16h (12h no horário de Brasília), respondendo a um chamado para atender uma mulher desmaiada. Ao chegar à residência, seu corpo foi encontrado no chão. Amy foi declarada morta no local.

No mês passado, foi cancelada a sua turnê europeia, que incluía um show em Bilbao, na Espanha.

A última vez que a cantora britânica tinha sido vista em público foi na quarta-feira pela noite, quando foi ao show de sua afilhada Dionne Bromfield no teatro The Roundhouse, no bairro londrino de Camden Town. 





Reprodução da notícia do Opera Mundi


Foto da EFE, reproduzida no Opera Mundi, sem créditos para o fotógrafo.