DURANTE ALGUMAS HORAS o mundo teve uma espécie de alívio intelectual ao saber que o massacre de Oslo fora reivindicado por radicais islâmicos. Ocorrera uma desgraça, mas prevalecera a sabedoria convencional. O assassino, contudo, é um viking, cristão.
Até a divulgação de seu manifesto, "2083, uma declaração de independência europeia", Anders Breivik seria facilmente encaixado na categoria dos desequilibrados, onde estão Lee Oswald, o assassino de John Kennedy, ou John Hinckley Jr., que por pouco não matou Ronald Reagan em 1981 e está guardado num hospício. Breivik não cabe nessa categoria. Seu radicalismo é articulado, como o de Hitler no "Mein Kampf", terrível por não ser original. Está no ar. Suas referências ao Brasil e aos seus costumes também não são originais. Estão no ar.
Olhada pelo retrovisor, a última grande guerra europeia (50 milhões de mortos) foi um capítulo da luta do bem contra o mal e terminou com a vitória do bem. Olhada a partir da década de 20 do século passado, foi bem outra coisa. Como sempre, quando se vive a véspera não se sabe o que acontecerá no dia seguinte. Em 1930, quando o Congresso americano jogou para cima as tarifas de importação do país, não se acreditava que dera um passo para internacionalizar a depressão econômica.
Em 1923, quando o partido nacional-socialista alemão tentou um golpe em Munique, um jovem diplomata americano, surpreendido pelos acontecimentos, procurou o núncio apostólico, Eugenio Pacelli, um sacerdote fluente em alemão, conhecedor da política do país.
O monsenhor disse-lhe o que informara à Santa Sé: a carreira política de Hitler estava encerrada. Anos depois, Robert Murphy relembrou o episódio num encontro com o ex-núncio, àquela altura feito Pio 12, e ele explicou: "Eu sei do que você está falando, da infalibilidade do papa, mas não esqueça que eu era um monsenhor". (Nove anos depois, com Hitler no poder, o embaixador americano William Dodd achava que o chanceler seria contido pelos conservadores moderados.)
O monsenhor Pacelli fez uma previsão errada para o destino da árvore, mas Pio 12 olhava mal para a floresta. Felizmente, a carreira de Breivik terminará numa cela, mas, assim como grandes políticos ingleses, americanos e europeus se enganaram ao olhar o ovo da serpente do fascismo, Pacelli não podia supor o que vinha pela frente. Nem ele nem o soldado Joe Vanacore, em abril de 1945, quando entrou com seu tanque num dos campos de Buchenwald.
Crise econômica, desemprego, nacionalismo, xenofobia, antiliberalismo, antimarxismo e anti-intelectualismo eram parte do cotidiano de uma forma de pensamento político na primeira metade do século passado e ressurgiram, tanto na Europa como nos Estados Unidos. (Os brasileiros estão no topo da lista de viajantes impedidos de entrar em países europeus pelos serviços policiais dos aeroportos.) Onde havia antissemitismo, está hoje o anti-islamismo e a estigmatização dos imigrantes, extensiva aos descendentes.
Lido há um mês, o manifesto de Breivik seria apenas a manifestação de um radical capaz de pesquisar com algum método a literatura política de sua preferência. Hoje, pode levar à ideia de que ele é doido. Doido ele não é, é assassino.
Até a divulgação de seu manifesto, "2083, uma declaração de independência europeia", Anders Breivik seria facilmente encaixado na categoria dos desequilibrados, onde estão Lee Oswald, o assassino de John Kennedy, ou John Hinckley Jr., que por pouco não matou Ronald Reagan em 1981 e está guardado num hospício. Breivik não cabe nessa categoria. Seu radicalismo é articulado, como o de Hitler no "Mein Kampf", terrível por não ser original. Está no ar. Suas referências ao Brasil e aos seus costumes também não são originais. Estão no ar.
Olhada pelo retrovisor, a última grande guerra europeia (50 milhões de mortos) foi um capítulo da luta do bem contra o mal e terminou com a vitória do bem. Olhada a partir da década de 20 do século passado, foi bem outra coisa. Como sempre, quando se vive a véspera não se sabe o que acontecerá no dia seguinte. Em 1930, quando o Congresso americano jogou para cima as tarifas de importação do país, não se acreditava que dera um passo para internacionalizar a depressão econômica.
Em 1923, quando o partido nacional-socialista alemão tentou um golpe em Munique, um jovem diplomata americano, surpreendido pelos acontecimentos, procurou o núncio apostólico, Eugenio Pacelli, um sacerdote fluente em alemão, conhecedor da política do país.
O monsenhor disse-lhe o que informara à Santa Sé: a carreira política de Hitler estava encerrada. Anos depois, Robert Murphy relembrou o episódio num encontro com o ex-núncio, àquela altura feito Pio 12, e ele explicou: "Eu sei do que você está falando, da infalibilidade do papa, mas não esqueça que eu era um monsenhor". (Nove anos depois, com Hitler no poder, o embaixador americano William Dodd achava que o chanceler seria contido pelos conservadores moderados.)
O monsenhor Pacelli fez uma previsão errada para o destino da árvore, mas Pio 12 olhava mal para a floresta. Felizmente, a carreira de Breivik terminará numa cela, mas, assim como grandes políticos ingleses, americanos e europeus se enganaram ao olhar o ovo da serpente do fascismo, Pacelli não podia supor o que vinha pela frente. Nem ele nem o soldado Joe Vanacore, em abril de 1945, quando entrou com seu tanque num dos campos de Buchenwald.
Crise econômica, desemprego, nacionalismo, xenofobia, antiliberalismo, antimarxismo e anti-intelectualismo eram parte do cotidiano de uma forma de pensamento político na primeira metade do século passado e ressurgiram, tanto na Europa como nos Estados Unidos. (Os brasileiros estão no topo da lista de viajantes impedidos de entrar em países europeus pelos serviços policiais dos aeroportos.) Onde havia antissemitismo, está hoje o anti-islamismo e a estigmatização dos imigrantes, extensiva aos descendentes.
Lido há um mês, o manifesto de Breivik seria apenas a manifestação de um radical capaz de pesquisar com algum método a literatura política de sua preferência. Hoje, pode levar à ideia de que ele é doido. Doido ele não é, é assassino.
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