terça-feira, 31 de maio de 2011

"Pirateiem meus livros"

Pirateiem meus livros

PAULO COELHO


Em meados do século 20, começaram a circular na antiga União Soviética vários livros mimeografados questionando o sistema político. Seus autores jamais ganharam um centavo de direitos autorais.
Pelo contrário: foram perseguidos, desmoralizados na imprensa oficial, exilados para os famosos gulags na Sibéria. Mesmo assim, continuaram escrevendo.
Por quê? Porque precisavam dividir o que sentiam. Dos Evangelhos aos manifestos políticos, a literatura permitiu que ideias pudessem viajar e, eventualmente, transformar o mundo.
Nada contra ganhar dinheiro com livros: eu vivo disso. Mas o que ocorre no presente? A indústria se mobiliza para aprovar leis contra a "pirataria intelectual". Dependendo do país, o "pirata" -ou seja, aquele que está propagando arte na rede- poderá terminar na cadeia.
E eu com isso? Como autor, deveria estar defendendo a "propriedade intelectual". Mas não estou. Piratas do mundo, uni-vos e pirateiem tudo que escrevi!
A época jurássica, em que uma ideia tinha dono, desapareceu para sempre. Primeiro, porque tudo que o mundo faz é reciclar os mesmos quatro temas: uma história de amor a dois, um triângulo amoroso, a luta pelo poder e a narração de uma viagem. Segundo, porque quem escreve deseja ser lido -em um jornal, em um blog, em um panfleto, em um muro.
Quanto mais escutamos uma canção no rádio, mais temos vontade de comprar o CD. Isso funciona também para a literatura: quanto mais gente "piratear" um livro, melhor. Se gostou do começo, irá comprá-lo no dia seguinte -já que não há nada mais cansativo que ler longos textos em tela de computador.
1 - Algumas pessoas dirão: você é rico o bastante para permitir que seus textos sejam divulgados livremente. É verdade: sou rico. Mas foi a vontade de ganhar dinheiro que me levou a escrever?
Não. Minha família, meus professores, todos diziam que a profissão de escritor não tinha futuro. Comecei a escrever -e continuo escrevendo- porque me dá prazer e porque justifica minha existência. Se dinheiro fosse o motivo, já podia ter parado de escrever e de aturar as invariáveis críticas negativas.
2 - A indústria dirá: artistas não podem sobreviver se não forem pagos. A vantagem da internet é a divulgação gratuita do seu trabalho.
Em 1999, quando fui publicado pela primeira vez na Rússia (tiragem de 3.000 exemplares), o país logo enfrentou uma crise de fornecimento de papel. Por acaso, descobri uma edição "pirata" de "O Alquimista" e postei na minha página. Um ano depois, a crise já solucionada, eu vendia 10 mil cópias.
Chegamos a 2002 com 1 milhão de cópias; hoje, tenho mais de 12 milhões de livros naquele país.
Quando cruzei a Rússia de trem, encontrei várias pessoas que diziam ter tido o primeiro contato com meu trabalho por meio daquela cópia "pirata" na minha página.
Hoje, mantenho o "Pirate Coelho", colocando endereços (URLs) de livros meus que estão em sites de compartilhamento de arquivos. E minhas vendagens só fazem crescer -cerca de 140 milhões de exemplares no mundo.
Quando você come uma laranja, precisa voltar para comprar outra.
Nesse caso, faz sentido cobrar no momento da venda do produto.
No caso da arte, você não está comprando papel, tinta, pincel, tela ou notas musicais, mas, sim, a ideia que nasce da combinação desses produtos.
A "pirataria" é o seu primeiro contato com o trabalho do artista.
Se a ideia for boa, você gostará de tê-la em sua casa; uma ideia consistente não precisa de proteção.
O resto é ganância ou ignorância.


Texto publicado na Folha de São Paulo, de 29 de maio de 2011.

Política é o Diabo

Política é o diabo

FRANCO ZEFFIRELLI passou temporadas no Rio e numa delas montou uma ópera no Municipal. Convivi com ele, naquela ocasião. A ideia original era uma apresentação de "Tosca", mas ele preferiu "A Traviata", que é uma adaptação da "Dama das Camélias". Insisti pela ópera de Puccini, embora nada tivesse contra a obra de Verdi.
Ele não apreciava o drama de Victorien Sardou, no qual Puccini buscou a história de "Tosca", um quadro bastante amplo das lutas políticas do "ottocento", quando Napoleão invadiu a Itália, libertando-a do absolutismo e da tirania.
O amor entre a cantora Floria Tosca e o pintor Mario Cavaradossi foi um pretexto para Sardou colocar em cena a luta contra a tirania -quando, por mais que pareça absurdo, Napoleão, o invasor, era também o libertador.
Puccini havia assistido ao drama de Sardou em Paris e ficara impressionado não com o "background" histórico da peça, mas com a interpretação de Sarah Bernhardt. Até hoje, todas as Toscas do mundo copiam a sua atuação. Foi assistindo Sarah Bernhardt que Puccini decidiu-se pela obra de Sardou, dando-lhe a eternidade de uma das óperas mais populares.
Bem, o diretor Franco Zeffirelli que aprecia o Puccini de "Turandot" (é famosa a sua versão no Scala) e adora "La Bohème", simplesmente não se entusiasmava com uma ópera em que um preso político é torturado em cena aberta e morre fuzilado, porque se recusou a delatar um subversivo (em tempo: aqui no Brasil, já vimos esse filme, ou melhor, essa ópera). Zeffirelli acabou explicando a razão do seu repúdio: "A política é o Diabo!" Ele falou assim mesmo, como se a palavra "Diabo" começasse com letra maiúscula.
E não precisou falar mais: entendi o que ele quis dizer. Se o Diabo deixasse de existir, ou se nunca existiu realmente, tanto faz. Existe a política e todas as funções do Diabo podem ser exemplarmente cumpridas pela política.
Associar Zeffirelli, Puccini, Tosca e o Diabo pode parecer gratuidade, mas nem tanto. No dia a dia da luta ideológica, no fogo cruzado e nem sempre leal das posições e contestações, o homem transformado em animal político coloca a ideologia acima de qualquer outro valor. Daí ser justo e meritório, em nome da Causa (e não importa que causa seja), mentir, matar, roubar, difamar, torturar, aniquilar o adversário. Que muitas vezes nem chega a ser adversário, mas um amigo e aliado que, em algum momento, pensa com a própria cabeça e discorda da tese adotada pelo partido, pelo grupo, pela maioria eventual que domina a ala que detém o poder.
A luta ideológica do nosso tempo -como a de qualquer outro tempo- custou milhares de vítimas que foram assassinadas pela repressão. Mas milhares de vítimas também foram mortas, física e moralmente, pelos próprios companheiros, fanatizados pela verdade ocasional, pela estratégia ou pela tática da situação. Daí a constatação de que a revolução devora os seus filhos.
Exemplo: os comunistas condenavam à ignomínia os companheiros que acidentalmente discordavam da linha do partido. O chão ideológico está coberto de cadáveres mutilados pela Causa. Jorge Amado, que felizmente naquela época não chegou à condição de cadáver, sofreu discriminação e até mesmo boicote, porque, sem nunca abandonar o socialismo, não dizia amém aos donos da verdade gerada pelo Comintern.
Lembro também Agildo Barata, que foi acusado de roubar a caixa do partido (o velho PCB não tinha imaginação, e qualquer desvio ideológico terminava com a acusação de roubo da caixa).
Agildo foi um herói de 1930, podia ter sido um dos poderosos de sua época desde que acompanhasse os colegas militares que se bandearam para o grupo que colocou Getúlio Vargas à frente do movimento que derrubou a República Velha.
Ele preferiu continuar a revolução na qual acreditava, liderando a revolta de 1935. Preso, caluniado, odiado e perseguido pelo governo, manteve-se fiel ao partido até que, depois do primeiro terremoto na versão soviética do comunismo, passou a ser odiado, perseguido e caluniado pelos companheiros da véspera.
A política, como "la donna" da ópera de Verdi, é "mobile". Por meio dela, o Diabo não se dá por vencido, aliás, nunca se deu, desde que foi expulso do céu, na primeira rebelião que para sempre infernizaria, literalmente, demônios e homens.


O esquecimento que destrói tudo

O esquecimento que destrói tudo

Sergio Ramírez
Cartagena das Índias (Colômbia)

Não há nada pior do que o esquecimento, diz o escritor Lyonel Trouillot enquanto admiramos o anoitecer que avança como uma leve névoa sobre Porto Príncipe, sentados no terraço do Ibo Lele, um hotel cujo glamour perdido é testemunhado por fotos das estrelas de Hollywood penduradas nas paredes do bar, rostos que não dizem mais nada nem ao cinéfilo mais fiel. O poeta Jorge Castera nos acompanha à mesa, e os dois sofrem, com humor, as feridas abertas do seu país. Rir das feridas abertas é uma forma de não esquecer.
O esquecimento. Entre os jovens, ninguém mais lembra quem foi Francoise "Papa Doc" Duvalier, o médico rural que se proclamou presidente vitalício do Haiti e passou o trono ao seu filho, um adolescente de 136 kg de peso, "Baby Doc" Duvalier, ambos frios assassinos que mataram milhares de pessoas em nome do seu santo poder, mantido graças aos seus capangas, os Tonton Macutes (Bicho Papão), que também caíram no esquecimento.
Eu comento com eles que na Nicarágua, os jovens também não sabem que existiu a dinastia Somoza e que durou meio século, mas, além disso, as pesquisas mostram que uma porcentagem alta dos maiores de 40 anos sente saudades do último Somoza e pensa que ele foi um grande presidente, enquanto muitos jovens nem imaginam que para derrubar a Somoza foi necessário uma revolução.
A risada de Trouillot brilha como o fio de uma alegre faca. O próprio Papa Doc escreveu um "Catecismo da Revolução" com orações que deveriam ser feitas a ele e a sua esposa Simone. Para a sua esposa, uma Saudação Angelical, como se ela fosse a Virgem Maria. Para ele, um Pai Nosso, e o declama: "Doutor nosso que está para sempre no Palácio Nacional, abençoado seja o seu nome pelas presentes e futuras gerações. Seja feita a sua vontade, tanto em Porto Príncipe como nas outras províncias. Dê-nos um novo Haiti, e não perdoe nunca a ofensas antipatrióticas que a cada dia proferem contra a nossa pátria. Deixe-os cair em tentação sob o peso das suas babas venenosas, e não os libere de mal nenhum, amém".
O que me chama a atenção, digo, é que Duvalier acreditasse estar promovendo uma revolução. Uma revolução negra, diz Castera, a sustentação filosófica dele sempre foi a raça. A supremacia negra, como ao longo da história do Haiti, desde a independência. A filosofia transformada em crime, e as crenças religiosas manipuladas à sua vontade.
Papa Doc acreditava, ou queria que acreditassem, que ele era a encarnação do espírito do Baron Samedi, o deus da morte no vodu, invisível e onipresente, que percorre os cemitérios à noite sempre vestido de rigoroso preto, como o próprio Papa Doc se vestia, para celebrar rituais noturnos com os cadáveres dos seus inimigos.
Um militar que tinha sido seu aliado rebelou-se contra ele. Quando foi preso, teve a sua cabeça decepada e enviada ao Palácio Nacional conservada em gelo. Papa Doc a colocou sobre a sua mesa de trabalho e fazia perguntas ao além sobre o destino do seu governo. Para neutralizar as suas relações com os espíritos, os inimigos do governo desenterraram o cadáver do seu pai e o cobriram de excrementos.
Eu conto aos meus companheiros sobre a cabeça de Pedrón Altamirano, um assessor de Sandino, assassinado por ordem do velho Somoza. A sua cabeça foi levada a Manágua dentro de um saco de cal viva para ser exposta no quartel do Campo de Marte por vários dias, quando já cheirava mal. Eu relatei esse fato no meu romance ¿Te dio miedo la sangre? (Sentiu medo do sangue?)
Jean Bertrand Aristide, o sacerdote salesiano duas vezes presidente e duas vezes derrubado, não caiu no esquecimento e, exilado na África do Sul, surge nas conversas como um fantasma inquieto. Pergunto sobre Aristide. A noite chegou e se enche com o canto dos coquís, pequenos sapinhos que cantam na escuridão.
"O autoritarismo, a concentração do poder em um único homem que acaba por acreditar que está predestinado foi um mal constante no Haiti desde a independência", diz Trouillot. "Há frases retiradas dos discursos de Duvalier e de Aristide que são idênticas. Ambos têm a mesma origem, vieram da pobreza, do desamparo, mas as suas respostas foram messiânicas e erradas". A única coisa que eu posso responder é que se colocamos um espelho na frente do rosto do Haiti, o reflexo me devolve a imagem da Nicarágua.
Atrás de cada líder que surge na história estão os espíritos para erguê-lo ou derrotá-lo. No dia 11 de setembro de 1988, o padre Aristide rezava uma missa na humilde igreja de San Juan Bosco quando os Tonton Macutes entraram à sua procura e mataram dezenas de fiéis, mas ele conseguiu fugir. A mão divina já estava sobre a sua cabeça protegendo-o, e depois o perdeu.
O branco edifício do Palácio Nacional, coroado por três cúpulas e que parece iluminado por um brilho sobrenatural, exerce um encantamento imperioso sobre aqueles que passam pelas suas portas como presidentes. Eles se sentem indefesos, e tecem mecanismos de poder que os leva ao fracasso; assim, o padre Aristide inventou as milícias, chamadas de As Quimeras, para que o defendessem. Mas esses grupos de jovens armados acabaram matando pelas ruas os inimigos da sua revolução.
Os espíritos dos cemitérios vodu são os únicos que têm boa memória e não se esquecem de repetir a história com a sua mão implacável.

Texto publicado no Terra Magazine.

Eu já o havia copiado no Ainda a Mosca Azul.

Grito sem voz

Grito sem voz

Desde o dia 15 de maio, as praças nas cidades espanholas foram tomadas por jovens manifestantes. As imagens parecem evocar as megamanifestações egípcias na praça Tahrir, com seus acampamentos e sua insistência.
As exigências não são muito diferentes: revolta contra um processo econômico de pauperização social e concentração de riquezas, exigência de uma reinvenção democrática que nos leve para além dos limites da democracia liberal com (no caso espanhol) o velho sistema de dois partidos que se alternam no poder: o da direita descomplexada e o da esquerda envergonhada.
No entanto a Espanha foi às urnas no domingo, dando a vitória ao direitista PP. Como explicar o paradoxo de um país assolado por megamanifestações juvenis, mas que vota em um partido cuja plataforma eleitoral representa apenas o aprofundamento dos princípios econômicos que geraram a crise que deixou a Espanha de joelhos?
Talvez seja o caso de lembrar que vemos um profundo hiato entre as opções eleitorais e as expectativas de mudança cada vez mais presentes nas massas europeias (já vimos cenas parecidas em Portugal e na Grécia). Este é o resultado da ausência de uma "terceira geração" de partidos de esquerda.
A primeira geração foi marcada pela polaridade entre partidos sociais-democratas e partidos comunistas. A partir dos anos 1980, grandes partidos comunistas (como o italiano e o francês) entraram em colapso. Uma "onda rosa" social-democrata invadiu a Europa com Tony Blair, Gerard Schroeder, Lionel Jospin e resultados sociais vergonhosamente pífios. Estes dois modelos de partidos esgotaram-se.
A segunda geração foi marcada pelos partidos verdes e por alguns partidos libertários que nasceram no bojo das exigências emancipatórias de maio de 68.
Hoje, os partidos verdes são, cada vez mais, partidos de centro que fornecem a roupagem ideológica para a nova aliança entre um sistema financeiro embalado pela "bolha verde" e a má consciência de uma classe média que prefere não ouvir falar em conflito de classe. Dos partidos libertários, não sobrou sequer rastro.
Falta, pois, um terceira geração de partidos ou agremiações de mobilização eleitoral capazes de dar representação política a uma massa disposta a lutar pela efetividade de princípios reguladores como igualdade e liberdade social.
Liberdade que não seja bloqueada pela transformação do Estado em ambulatório de bancos falidos embalado pelo discurso do caráter inevitável do desmonte de sistemas elementares de seguridade social. Enquanto este passo em direção à institucionalização da revolta não for dado, giraremos em falso.



Mão...



Liniers, na Folha de São Paulo.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Os crimes corporativos globais

O mundo está se afogando em fraude corporativa, e os problemas provavelmente são maiores nos países ricos – aqueles com suposta “boa governança”.
Os governos de países pobres provavelmente aceitam mais subornos e cometem mais crimes, mas são os países ricos que detêm as companhias globais que executam as maiores infrações. O dinheiro fala todas as línguas, e está corrompendo a política e mercados por todo o mundo.
Quase todo dia, há uma nova história sobre algum ato ilícito. Todas as empresas de Wall Street pagaram multas volumosas na década passada por contabilidade falsa, informação privilegiada, fraude de títulos, esquemas Ponzi, ou por simples desfalque de seus diretores. Um grande círculo de informação privilegiada está em julgamento em Nova York, envolvendo figuras influentes da indústria financeira. O que vem em seguida é uma série de multas pagas pelos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos para retirar acusações de numerosas envolvendo títulos imobiliários.
Porém, poucos são responsabilizados. Dois anos após a maior crise financeira da história, fomentada pelo comportamento inescrupuloso dos maiores bancos de Wall Street, nem um único líder financeiro foi preso. Quando empresas são multadas por conduta ilegal, seus acionistas, não seus diretores gerentes, pagam o preço. As multas sempre representam uma pequena fração dos ganhos ilícitos. Para Wall Street, isso significa que práticas corruptas têm altos índices de retorno. Ainda hoje, o lobby dos bancos ignora totalmente políticos e órgãos reguladores.
A corrupção recompensa a política estadunidense, também. O atual governador do estado da Flórida, Rick Scott, era o presidente de uma grande companhia de assistência médica conhecida como Columbia/HCA. A empresa foi acusada de fraudar o governo americano com superfaturamento nos reembolsos, e acabou admitindo culpa por 14 delitos, pagando multa de US$1,7 bilhão.
Uma investigação feita pelo FBI obrigou Scott a deixar seu cargo. Porém, uma década após a admissão de culpa por parte da empresa, Scott está de volta, desta vez como um republicano defensor do ‘mercado livre’.
Quando Barack Obama quis alguém que ajudasse com o resgate financeiro da indústria automobilística estadunidense, ele procurou por um especialista de Wall Street, Steven Rattner, apesar de Obama saber que Rattner estava sob investigação por distribuir propinas a funcionários do governo. Depois que Rattner terminou seu trabalho na Casa Branca, seu caso foi resolvido com uma multa de alguns milhões de dólares.
Porém, por que parar nos governadores ou conselheiros da presidência? O ex-vice-presidente chegou na Casa Branca após ter ocupado o posto de diretor-executivo da Halliburton. No período que trabalhou na Halliburton, a empresa envolveu-se com suborno ilegal de oficiais nigerianos a fim de facilitar seu acesso aos campos de petróleo do país – um acesso que representava bilhões de dólares. Quando o governo da Nigéria acusou a Halliburton de suborno, a empresa fez um acordo fora dos tribunais, e pagou uma multa de US$ 35 milhões. É claro que não houve qualquer tipo de consequência para Cheney. A imprensa estadunidense mal propagou a notícia.
A impunidade está espalhada – de fato, a maioria dos crimes corporativos passa despercebida. Os poucos que são percebidos terminam, tipicamente, com uma reprimenda, com a empresa – no caso, seus acionistas – recebendo uma multa leve. Os verdadeiros culpados no topo dessas empresas raramente têm de se preocupar. Mesmo quando as companhias pagam multas pesadas, seus diretores permanecem no cargo. Os acionistas estão tão dispersos e tão sem poderes que eles exercem pouco controle sobre a administração.
A explosão da corrupção – nos Estados Unidos, Europa, China, Índia, África, Brasil e mais – levanta uma série de questões desafiadoras sobre suas causas, e sobre como controlá-la agora que esta atingiu proporções epidêmicas.
A corrupção corporativa está fora de controle por duas razões principais. Primeiro, as grandes empresas são agora multinacionais, enquanto que governos permanecem nacionais. Grandes empresas são tão poderosas financeiramente que os governos têm medo de encará-las.
Em segundo lugar, empresas são as maiores financiadoras de campanhas políticas em lugares como os Estados Unidos, onde os próprios políticos são, frequentemente, donos, ou pelo menos beneficiários silenciosos de lucros corporativos. Aproximadamente metade dos congressistas americanos são milionários, e muitos possuem laços estreitos com empresas mesmo antes de chegarem ao Congresso.
Como resultado, os políticos frequentemente olham para o outro lado quando as empresas passam dos limites. Mesmo que os governos tentassem fazer a lei valer, as companhias têm exércitos de advogados para ajudá-las a vencer. O resultado disso é uma cultura de impunidade, baseada na expectativa comprovada de que o crime corporativo compensa.
Dadas as estreitas conexões de riqueza e poder com a lei, tomar as rédeas dos crimes corporativos  será uma luta enorme. Felizmente, o fluxo rápido e difundido de informação de hoje em dia pode agir como uma espécie de impedimento ou desinfecção. A corrupção prospera no escuro, porém, mais do que nunca, a informação vem à tona por via de emails e blogs, bem como Facebook, Twitter e outras redes sociais.
Também iremos precisar de um novo tipo de político que lidere um novo tipo de campanha política, baseada mais em mídia online gratuita do que em mídia paga. Quando os políticos se emanciparem das doações corporativas, irão recuperar a habilidade de controlar abusos corporativos.
Além disso, precisaremos iluminar os recônditos escuros das finança internacional, especialmente em paraísos fiscais como as ilhas Cayman e osecretos bancos suíços. Evasão de impostos, propinas, pagamentos ilícitos, subornos e outras transações ilegais facilitadas por esse sistema escondido são tão vastos agora que ameaçam a legitimidade da economia global, especialmente em tempos inéditos de desigualdade de renda e enormes déficits orçamentários, devido à inabilidade política e – às vezes até mesmo operacional – dos governos em impor impostos à riqueza.
Portanto, da próxima vez que você ouvir sobre um escândalo de corrupção na África, ou em alguma outra região pobre, pergunte a si mesmo onde isto começou e quem está cometendo o crime. Nem os EUA, tampouco outro país de economia “desenvolvida”, deve culpar países pobres, pois geralmente são as multinacionais mais poderosas que criaram o problema.

Jeffrey Sachs*

Tradução de Maria Teresa Segarra Costaguta Mattos

Acesse o original aqui



Texto da Al Jazeera, visto no Blog do Luís Nassif.

Uruguaia conta como foi salva por enxurrada de cartas em prisão na ditadura

Para Maria Gillespie, as lembranças do que ela passou em uma prisão no Uruguai, quando ela tinha apenas 15 anos, são quase insuportáveis.

Ela se lembra de ter sido encapuzada, interrogada e torturada. Gillespie teve seus dentes arrancados um a um, até não sobrar nenhum.

Mas ela também se lembra de quanto deve a uma organização cuja ação colocou um fim no horror que vivia e acabou lhe devolvendo a liberdade: a Anistia Internacional, que está completando 50 anos.

"Não acho que dizer obrigada é suficiente", diz Gillespie, em referência a militantes da Anistia em todo o mundo que fizeram campanha para que ela fosse libertada.

"Acho que devo minha vida a eles", disse a ex-prisioneira política, que conseguiu sua libertação após uma intensa campanha de cartas promovida pela ONG. Maria foi libertada e recebeu asilo político na Grã-Bretanha, onde vive até hoje.

A ONG de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional foi fundada 12 anos antes de Gillespie ter sido presa.

A entidade pede ação coletiva da população do planeta em nome daqueles que são presos injustamente no mundo.

Maria Gillespie passou a integrar este grupo após os militares tomarem o poder no Uruguai, em 1973, e instaurarem no país um governo de repressão severa.

Ela disse ao programa Witness, da BBC, que embora ainda fosse jovem, já estava casada com um sindicalista procurado pelas autoridades que havia fugido do país.

Na ausência do seu marido, apenas algumas semanas após ela ter dado à luz uma menina, Maria Gillespie foi presa.

Dor terrível
Ela foi acusada de ajudar inimigos do governo e sentenciada a 75 anos de prisão.

Assim teve início seu confinamento em uma prisão solitária, um cubículo sem janelas iluminado apenas por uma lâmpada elétrica.

Gillespie descreveu os sons que ouvia através das paredes: "Pessoas gritando. Sons que pareciam ser de pessoas sendo arrastadas de um lugar para outro e, então, tiros. Depois, tudo ficava em silêncio".

Com a cabeça encapuzada, ela foi levada várias vezes para interrogatórios. Os militares queriam saber sobre os associados do marido de Gillespie, mas ela não sabia nada a respeito de suas atividades e não tinha respostas.

"Uma vez, você podia ouvir uma criança chorando. Eles disseram que era a minha filha e que se eu não os ajudasse, algo aconteceria com ela - ainda assim, eu não pude ajudar".

Então uma nova prática foi adotada: toda vez que ela não respondia a uma pergunta, eles arrancavam um de seus dentes.

Os torturadores tiveram de parar quando ela não tinha mais dentes.

"Perdi todos", ela disse.

"Simplesmente horrível. A dor. E incapaz de entender por que. Não havia necessidade".

Até que, um dia, extraordinariamente, um guarda entregou-lhe um cartão postal.

O postal, escrito em inglês, enviado da Escócia, dizia: "Querida Maria. Pensando em você. Margaret."

Ela disse aos guardas que a correspondência não podia ser para ela porque ela não conhecia ninguém na Escócia. Mas eles insistiram que o postal tinha sido endereçado a ela.

Alguns dias depois, chegou um outro cartão, desta vez da França, seguido por mais um, do Canadá, e outro, dos Estados Unidos.

Sob pressão
Logo, começaram a chegar torrentes de cartas.

Em um dado momento, os guardas disseram que entregariam a ela apenas algumas das cartas mais recentes. Eles lhe passaram 900 postais.

Maria Gillespie via as palavras Anistia Internacional nos postais, mas nunca tinha ouvido falar da organização e não entendia por que as correspondências estavam sendo enviadas.

Ela se preocupava, pensando que talvez a Anistia fosse um grupo comunista, e tinha medo de que o apoio da entidade pudesse causar a ela ainda mais problemas.

As autoridades, no entanto, estavam cedendo à pressão.

Talvez se sentissem pouco confortáveis com a ideia de que pessoas decentes em torno do mundo estavam observando enquanto eles torturavam uma menina de 15 anos.

Finalmente, Maria Gillespie foi levada a uma sala cheia até a metade com sacos de cartas endereçadas a ela.

Ela não tinha dúvida de que toda essa atenção tinha se tornado um problema. Gillespie foi libertada um ano depois.

Forçada pelas autoridades a deixar o país, a ex-prisioneira foi colocada em um barco e enviada para a Argentina.

Nas ruas de Buenos Aires, ela viu uma placa com as palavras que tinha visto nos cartões: Anistia Internacional.

Ela entrou em contato com os militantes da organização e gradualmente começou a entender como a entidade a havia salvo.

Mais tarde, Maria Gillespie recebeu asilo político na Grã-Bretanha e reencontrou o marido e a filha.

Hoje, em seu segundo casamento, a ex-prisioneira vive em Chester, no noroeste da Inglaterra.


Notícia da BBC Brasil, no UOL.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Casal de extrativistas é assassinado no Pará

Casal de extrativistas é assassinado no Pará

José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, considerados sucessores de Chico Mendes, foram executados nesta 3ª. Dilma manda PF investigar morte

 

O casal de lideres extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foi executado na manhã desta terça-feira na cidade de Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, cidade a 390 quilômetros de Belém.
A suspeita de Organizações Não Governamentais (ONG’s) e da família de Ribeiro é que ele tenha sido executado por madeireiros da região. Silva era considerado sucessor de Chico Mendes, em referência ao líder dos seringueiros do Acre que foi morto em 1988 por sua defesa da Amazônia.
Pelas primeiras informações, o casal saiu do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, localizado a cerca de 50 quilômetros da sede do município de Nova Ipixuna, quando foi  cercado em uma ponte por pistoleiros. Ali, eles foram executados a tiros.
A Polícia Civil do Pará está investigando o caso mas não confirmou ainda a hipótese de execução comandada por madeireiros da região. O Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), ONG fundada por Chico Mendes da qual o casal participava, solicitou também investigação por parte da Polícia Federal e apoio do Ministério Público Federal (MPF) e Assembléia Legislativa do Pará. A presidenta Dilma Rousseff determinou que a PF ajude a desvendar o caso.
José Claudio da Silva vinha recebendo ameaças de madeireiros da região desde 2008. Segundo informações do CNS, desconhecidos costumavam rondar a residência do casal disparando vários tiros para tentar intimidá-los. José Cláudio da Silva era um dos principais defensores da preservação das floresta amazônica após a morte de Chico Mendes e constantemente fazia denúncias sobre o avanço ilegal na área de de preservação onde trabalhava por madeireiros para extração de espécies como castanheira, angelim e jatobá.
As ameaças
Em novembro do ano passado, durante evento que discutiu a preservação da floresta amazônica (veja vídeo abaixo), José Cláudio da Silva classificou como “assassinato” a derrubada de árvores da região e disse que “vivia com a bala na cabeça” por causa das constantes denúncias contra madeireiros. “Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito. Por isso, eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque eu vou pra cima, eu denuncio os madeireiros, eu denuncio os carvoeiros e por isso eles acham que eu não posso existir”, disse.
Ele ainda declarou. “A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo. A mesma coisa que fizeram com a Irmã Dorothy querem fazer comigo. Eu estou aqui conversando com vocês, daqui um mês vocês podem saber a notícia que eu desapareci. Me perguntam: tenho medo? Tenho, sou ser humano, mas o meu medo não me cala. Enquanto eu tiver força pra andar eu estarei denunciando aquele que prejudica a floresta”, afirmou.
Segundo Atanagildo Matos, Diretor da Regional Belém do CNS, a morte de José Cláudio e Maria da Silva é uma perda irreparável. “Eles nos deixam uma lição, que é o ideal dos extrativistas da Amazônia: permitir que o povo da floresta possa viver com qualidade, de forma sustentável, em harmonia com o meio ambiente”, diz Matos.
O casal vivia há 24 anos em Nova Ipixuna. Eles moravam em uma área de aproximadamente 20 hectares, com 80% de área verde preservada. Eles viviam da extração de óleos de andiroba e castanha e recentemente firmaram um convênio com a Universidade Federal do Pará para produção sustentável de óleos vegetais. Além do casal, outras 500 famílias moravam no PAEX Praialta Piranheira que tinha uma área total de 22 mil hectares.

Texto de Wilson Lima, no IG


 

Corpo de Abdias do Nascimento será velado na Câmara do Rio



O corpo do ativista do movimento negro Abdias do Nascimento será velado nesta quinta-feira (26), a partir das 18h, na Câmara Municipal de Vereadores do Rio de Janeiro.
Após o velório, o corpo será levado para o Crematório da Santa Casa da Misericórdia no Caju. Era desejo de Nascimento ser cremado e que as cinzas fossem levadas para a Serra da Barriga, em Alagoas, local do maior centro da resistência negra no Brasil, o Quilombo dos Palmares.
Nascimento morreu às 22h50 de segunda-feira (23) no Hospital do Servidor do Rio de Janeiro. Ex-deputado, secretário estadual e senador, foi também pintor autodidata, escritor, jornalista, poeta e ator.
Ele estava internado desde o dia 15 de abril e morreu de insuficiência cardíaca, segundo a assessoria de imprensa do hospital.
De acordo com Ivanir dos Santos, conselheiro do Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas) e amigo pessoal de Abdias, o ativista foi internado por complicações de diabetes.
Sua defesa dos direitos humanos dos afrodescendentes lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 2010.
Em março deste ano, ele esteve entre as lideranças negras convidadas para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Rio de Janeiro.
Na ocasião, Nascimento afirmou que "a visita do Obama é importantíssima para aprofundar as relações entre o Brasil e os EUA. O fato deles terem eleito um presidente negro é uma lição para o Brasil".
Foi dele a sugestão de instituir, em São Paulo, o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro desde 2006. 


POLÍTICA
Abdias do Nascimento foi o primeiro deputado federal do país a se dedicar à defesa dos direitos dos afro-brasileiros, de acordo com o PDT, sigla que o ativista representou no Congresso. Ele assumiu o cargo em 1983, eleito pelo Rio de Janeiro. Em seu mandato de quatro anos, segundo dados da Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), foi de autoria de Nascimento o primeiro projeto de lei de políticas públicas afirmativas da história do Brasil.
O ativista também foi suplente do antropólogo Darcy Ribeiro no Senado e assumiu a cadeira entre 1991 e 1992 e de 1997 a 1999.
Abdias nasceu em 14 de março de 1914 na cidade de Franca, localizada no interior de São Paulo, a 400 km da capital. Filho de uma doceira e de um sapateiro, viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro, onde se formou em economia.
Começou a militar na década de 30, quando ingressou na Frente Negra Brasileira. Em uma viagem pela América do Sul com um grupo de poetas, assistiu a um espetáculo onde um ator branco pintava o rosto para interpretar um negro.
O episódio marcou Abdias e o levou a fundar o Teatro Experimental do Negro, em 1994, após ter cumprido pena na penitenciária do Carandiruo, preso pelo governo de Getúlio Vargas por resistir a agressões racistas.
O Teatro Experimental do Negro formou a primeira geração de atores e atrizes afrodescendentes do Brasil, e também contribuiu para a criação da literurgia dramática afro-brasileira.
Abdias se encontrava nos Estados Unidos quando o regime militar promulgou o Ato Institucional nº 5 e, por causa de diversos inquéritos policiais dos quais era alvo, foi impedido de retornar ao Brasil.
Seu exílio durou 12 anos.
Além do Teatro Experimental do Negro, o legado de Abdias inclui também o Ipeafro, fundado por ele em 1981, o jornal "Quilombo", criado em 1968 e mais de 20 livros publicados durante várias décadas.
Além da indicação ao Prêmio Nobel da paz --que ele afirmou nunca esperar vencer, em entrevista exclusiva à Folha, em 2010--, Abdias recebeu honrarias dos Estados Unidos, Nigéria, México, Unesco e ONU. No Brasil, recebeu das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador --a honraria mais alta outorgada pelo governo brasileiro.


Texto da Folha.com .

Números de capital e trabalho no Brasil (II)

Mais de 80% dos assalariados em empresas não têm nível superior

A grande maioria dos 40,2 milhões de assalariados em 4,8 milhões de empresas e outras organizações (autarquias, ONG's, fundações e outras) em 2009 não tinham nível superior --83,5% do total--, o que corresponde a 33,6 milhões de pessoas, segundo os dados do Cadastro Central de Empresas divulgado nesta quarta-feira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O levantamento mostra ainda que a maior parte (58,1%) era do sexo masculino, o equivalente a 23,4 milhões de trabalhadores.

Apesar de existirem diferenças salariais "significativas" entre homens e mulheres --eles ganhavam 24,1% a mais--, a desigualdade era mais expressiva entre os trabalhadores com e sem nível superior, de acordo com o IBGE. Aqueles que concluíram faculdade recebiam um salário 225% maior do que os que não tinham cursado.

Pelos dados do IBGE, foi possível constatar ainda que as microempresas tinham a maior proporção de mulheres (45,1%) e a menor de assalariados com nível superior (4,7%). Já as firmas grandes empregavam 57,7% dos assalariados com nível superior. Um em cada cinco dos assalariados com curso superior trabalhava na indústria de transformação.

Do conjunto de empresas e outras organizações, 88,9% eram microempresas em 2009. Outras 9,4% foram consideradas empresas pequenas. Já 1,3% tinha o status de médias e 0,4% eram tidas como grandes.
Segundo o IBGE, o pessoal ocupado masculino predominava em 15 das 20 atividades econômicas do cadastro. A maior participação estava na construção (92,2%). Já entre as mulheres, os maiores percentuais de ocupação foram registrados na saúde humana e serviços sociais (76,9%).

As atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados foram a única categoria a apresentar uma participação de pessoal assalariado com nível superior (51,5%) acima do pessoal sem nível superior (48,5%). A atividade com a menor participação foi alojamento e alimentação (2,6%).

Regionalmente, a maior participação de homens no pessoal ocupado assalariado total ficou com a região Norte (68,6%). Já a mais expressiva concentração de mulheres se deu na região Sul --38,2%. Já região Sudeste apresentava a maior penetração de empregados com nível superior (10,8%). 


Texto de Pedro Soares, para a Folha.com .

 

Números de capital e trabalho no Brasil (I)

Mulheres ganham 20% menos que homens, diz IBGE

 

O salário mensal médio recebido pelas mulheres foi 20% menor que o dos homens ao longo de 2009. Enquanto os homens receberam R$ 1.682,07 (3,6 salários mínimos da época), as mulheres ganharam R$ 1.346,16 (2,9). O salário médio do brasileiro ficou em R$ 1.540,59 (3,3 salários).

As informações fazem parte do Cadastro Central de Empresas divulgado nesta quarta-feira (25) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O instituto analisou os dados das organizações inscritas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) do Ministério da Fazenda, o que inclui entidades empresariais, órgãos da administração pública e instituições privadas sem fins lucrativos.

Em 2009, existiam 4,8 milhões de empresas e organizações em atividade, que ocuparam 46,7 milhões de pessoas, sendo 40,2 milhões (86,1%) como pessoal assalariado e 6,5 milhões (13,9%) na condição de sócio ou proprietário.

Entre o pessoal assalariado, 23,4 milhões (58,1%) eram homens e 16,8 milhões (41,9%) eram mulheres.

Nível superior ganha 225% mais

A diferença salarial também ocorre entre pessoas com distintos níveis de escolaridade. Pessoas com nível superior ganharam, em média, 225% mais que as sem nível superior.

Em 2009, as pessoas com melhor educação ganhavam, em média, 7,8 salários mínimos. A remuneração dos trabalhadores sem nível superior era de 2,4 salários mínimos.

Entre os funcionários, 33,6 milhões não tinham nível superior, o que corresponde a 83,5% do total, enquanto 6,6 milhões tinham nível superior (16,5%).

DF é onde se paga mais

Entre as unidades da Federação, o Distrito Federal é o que possui o maior salário (6,7 mínimos). Depois aparecem os Estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Amapá com 3,9 salários mínimos. A Paraíba tem o menor salário (2,3).


Texto do UOL Economia.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Oposição não enxerga os pobres

Oposição não enxerga os pobres

DILMA ROUSSEFF contou ontem a sindicalistas rurais que vai cair a taxa de juros cobrada de pequenos agricultores, que vai garantir preços mínimos para a lavra deles e que a quantidade de dinheiro para o microcrédito rural não vai diminuir em relação a 2010, quando foi recorde. Quase ninguém vai dar bola.
Dilma estava tratando do Pronaf, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Pronaf? No ano passado, esse programa de empréstimos para pequenos negócios rurais (agricultura, agropecuária, floresta) fechou uns 2 milhões de contratos, mais que o dobro do número de empréstimos acertados no último ano do governo FHC, que inventou a coisa toda em 1996. O dinheiro sai de bancos federais.
O Pronaf é um desses programas meio ignorados pelas "elites", assim como no começo eram desprezadas ou avacalhadas iniciativas como o Bolsa Família, o ProUni, o aumento de vagas nas universidades federais, o Luz para Todos (eletrificação dos grotões), o Programa de Microcrédito Produtivo (que liberou 1,27 milhão de empréstimos em 2010), o aumento da aposentadoria "rural" do INSS e seu efeito sobre os pequenos negócios do interior etc.
Não vem ao caso aqui e agora discutir a qualidade ou a eficiência desses programas. Mas, juntos, afetaram e afetam a vida de milhões que passaram a vida toda largados, "desprezados e humilhados", sem oferta alguma de oportunidades, em miséria obscura e infernal.
Tais programas afetam e afetaram também a vida de gente mais remediada, mas que não podia colocar os filhos numa faculdade, o que impressiona vizinhos e parentes.
Os críticos do governo Lula, nos partidos ou nos meios de comunicação, não se davam conta do efeito e do alcance econômico (no varejo, ao menos), social e político dessas iniciativas aparentemente dispersas e pequenas. Passaram a notar a maré lulista quando era tarde demais (para a oposição). Claro que a popularidade do ex-presidente veio da estabilidade econômica, da inflação baixa e dos anos de crescimento bom, os melhores em 30 anos. Mas não apenas.
Lula e seu governo foram buscar apoios em grotões (periferias urbanas ou sertões). "Foram falar" com gente até então ignorada. Bem ou mal, o petismo-lulismo alterou o contrato político-social dos governantes com os mais pobres, quase todo mundo no Brasil.
Muitos dos críticos do governo petista de agora, o de Dilma Rousseff, concentram suas avaliações de conjuntura e perspectivas político-econômicas nos grandes números macroeconômicos: inflação, emprego, crescimento do PIB. Uns anos de inflação desagradável e o fim da "novidade" do PIB crescendo de modo contínuo de fato podem arranhar o prestígio político do petismo.
Tal análise, porém, é pobrezinha, politicamente inepta. Os críticos do governo petista parecem que vão cometer o mesmo erro de meados do governo Lula. De fato, parece que Dilma tem por ora bem menos novidades para apresentar. Parece.
Mas seu governo apronta um plano de expansão do acesso à internet, um "Web para Todos". Apronta um plano de erradicação da miséria que pretende alcançar os muitos pobres ainda desgarrados e inovar a assistência aos já atendidos por programas sociais. Melhorou as condições do Pronaf. Etc. Etc.



Nelson Werneck Sodré

Nelson Werneck Sodré

RIO DE JANEIRO - Entre os centenários que, neste ano, estão sendo comemorados, destaco o de um dos homens que mais me impressionaram pela sua cultura e dignidade.
Não o conhecia pessoalmente, mas lia os seus livros com prazer e proveito. Logo no início da quartelada de 1964, estava preso numa das fortalezas da Guanabara, fora dos primeiros a ser punido pelos seus colegas de farda, pois se tratava de um general cujo pensamento desagradava aos homens que haviam tomado o poder.
Todos os que o conheceram tinham a certeza de que era um dos homens mais íntegros de nossa paisagem intelectual. Podiam discordar dele, mas sabiam que Nelson Werneck Sodré (1911-99) colocava, acima de tudo, a dignidade do ser humano, a sua e a dos outros. Sua obra abrange três segmentos interativos pela sua cultura de fundo humanístico: a literatura, a sociologia e a história. Foi mestre nos três departamentos.
Tornou-se citação obrigatória de todos os pesquisadores que estudam o processo brasileiro como um todo, e não em seus departamentos estanques.
Um texto de Nelson Werneck Sodré sobre Machado de Assis ou sobre um dos nossos ciclos econômicos se destaca pela abrangência de sua visão. Conhecia o geral e chegava ao particular. Sabia ver a árvore e a floresta.
Um dos líderes mais respeitados da nossa intelectualidade, nunca se deixou fascinar pela badalação inconsequente de certa época, nem pelo radicalismo carreirista que marcou a carreira de tantos. Nunca deixou de ser um ponto de referência do pensamento brasileiro. Teórico do nacionalismo, jamais se tornou xenófobo.
Recusou cargos, compensações e homenagens. Viveu austeramente. Formava o escalão mais consciente da esquerda que ele procurou ensinar, explicar e pela qual sacrificou sua vida.

A vaca cinéfila e suas máximas



Na Folha de São Paulo, de 5 de maio de 2011.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

José Simão vê a multiplicação do patrimônio do ministro Antônio Palocci

“BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Manchete do Piauí Herald: "Palocci multiplica língua presa em dez vezes". Não consegue mais falar as palavras estetoscópio e obséquio!
"Por obféquio, me pafa o esfefoscópi." O Palofi tem a língua plesa e a Dilma tem língua de sogra! Rarará!
"Palocci multiplica patrimônio 20 vezes em quatro anos." E comprou um apê de R$ 6,6 milhões. Então o nome dele não é mais Palocci, é Palácio. Antônio Palácio!
E a charge do Dálcio: "Senhor Jesus, acabou o peixe e o pão". E Jesus: "Espera aí que eu dou um jeito, PALLOOOOCCI!". Rarará! Isso! O novo apelido do Palocci é Jesus: multiplicação dos reais! Em vez de rabo preso ele tem a língua plesa!
Ministro Palocci, como encara as denúncias? "Com muita PAFIÊNFIA E PERFEVERANÇA! Dilma, me pafa a pafoca." Rarará! Eu já sei como ele ganhou tanto dinheiro. Fazendo o comercial da Dove: "Leve 11 e pague DOVE".
Essa Casa Civil parece a Casa da Mãe Joana. Casa Civil da Mãe Joana. Rarará!”


Sorrisos de orelha a orelha

Sorrisos de orelha a orelha

QUE SE passa contigo, Brasil? Leio e pasmo: o país da alegria está afundado em tristeza. O periódico médico "Lancet" investigou. Sentença: as doenças mentais são as principais responsáveis pelos anos de vida perdidos no país devido a maleitas crônicas.
Depressão. Psicoses. Dependência de álcool. Em São Paulo, um em cada dez adultos está na fossa. Será que Nelson Rodrigues tinha razão quando dizia que a maior forma de solidão é a companhia de um paulista?
Os especialistas avançam com explicações científicas para apaziguar o abismo. Existem causas bioquímicas, que antigamente eram difíceis de diagnosticar ou tratar. Existe uma longevidade humana que aprofunda os problemas mentais.
Certo, tudo certo. Mas posso sugerir ao leitor deprimido um dos mais importantes livros sobre a nossa desgraçada condição?
Pascal Bruckner escreveu-o, e o título diz tudo: "A Euforia Perpétua - Ensaio sobre o Dever de Felicidade" (ed. Bertrand).
Não, não é um livro sobre o Brasil e a imagem solar e carnavalesca para consumo turístico. É um livro sobre a natureza da felicidade no Ocidente pós-moderno, o que implica uma comparação com o Ocidente pré-moderno.
Regressemos à Idade Média. E perguntemos aos nossos antepassados o que significava a felicidade para eles. A resposta oscilaria entre o riso e a estupefação. Felicidade? Para homens que transportam o pecado sobre o lombo e se arrastam por um vale de lágrimas?
A vida é passagem. Se felicidade existe, ela existe do outro lado: esse momento redentor em que, pesadas as virtudes e os vícios, somos contemplados com o paraíso perdido.
Explica Bruckner que o iluminismo alterou profundamente essa concepção ao remeter o divino para o seu diminuto, ou nulo, papel. A construção da felicidade passou a ser terrena, dependendo de mãos terrenas e não dos caprichos de uma divindade julgadora.
O problema é que essa "secularização" da felicidade não terminou com as nossas infelicidades. Aumentou-as significativamente ao transformar a felicidade em direito e, de forma crescente, em dever.
Hoje, não queremos apenas ser felizes. Sentimos a obrigação esmagadora de o ser: de acumular os objetos, as experiências e as aparências de uma utopia pessoal tão devastadora como as utopias coletivas do passado.
Nós e apenas nós somos os autores do nosso próprio roteiro. Falhar é falhar sem desculpa: "O paraíso terreno é onde eu estou", dizia Voltaire. O inferno também, digo eu. Mas como lidar com as chamas da infelicidade quando me prometeram tudo e um pouco mais?
Não é por acaso, explica Pascal Bruckner, que somos a primeira civilização que se sente infeliz por não ser feliz; no fundo, a primeira civilização para a qual a tristeza e a dor, a doença e a decadência, a velhice e a morte são vistas como aberrações que não estavam no programa.
E essas aberrações são tratadas como aberrações: proscritas por uma sociedade de euforia perpétua.
Infelizmente, uma sociedade de euforia perpétua só pode gerar perpétuos hipocondríacos, avisa Bruckner: gente obcecada com o estado do corpo e da alma, e que vai ao tapete ao mínimo sinal de alarme. Quem vive para um único fim perfeito não pode tolerar uma multidão de momentos imperfeitos.
Ilusões. Agônicas ilusões. Porque nem todo o poder dos homens foi capaz de extirpar as misérias humanas; perversamente, o que a modernidade fez foi abolir a sua expressão pública, uma forma de as remeter para canais esconsos, silenciosos, invisíveis. Como um vulcão em atividade dormente que explode no dia em que o sorriso petrifica.
O ensaio de Pascal Bruckner, ao analisar os descontentamentos das sociedades afluentes, de que o Brasil é agora um representante excelso, não é uma apologia da tristeza; muito menos de um regresso à medievalidade cristã, como se isso fosse razoável ou desejável. "O fato de nem tudo ser possível", escreve o autor, "não significa que nada é permitido".
Na verdade, muito é permitido. Mas a única forma de domar a "euforia perpétua" passa por entender que a felicidade não é um direito nem um dever; a felicidade é, quando muito, a decorrência contingente de uma ambição mais modesta e que, à falta de melhor palavra, se designa simplesmente por viver.


quinta-feira, 19 de maio de 2011

José Simão vê o apartamento novo do ministro Antônio Palocci

“E o Palofi*, que comprou apartamento de R$ 6,6 milhões? Então não é chefe da Casa Civil. É chefe da Mansão Civil!”


*Para quem não sabe, o Simão chama o ministro de “Palofi” por uma suposta “língua presa” do ministro.

De volta à tribo

Back to the tribe

"Eu acredito que o maior desafio é aceitar que nem todo mundo é igual a nossa sociedade. Somos uma tribo há mais de 2.000 anos. Nós viemos dos vikings e gostamos muito do nosso jeito de viver."
Esta foi a resposta do ministro dinamarquês da Integração, Soren Pind, a uma pergunta desta Folha sobre imigrantes em seu país (Mundo, 14/5).
Foi bom que ele esclarecesse que a Dinamarca é uma tribo. Eles quase nos enganaram, pois durante um certo tempo alguns acreditaram que se tratava de um Estado moderno que não precisava alimentar fantasias de origem para justificar os traços reacionários de seu "jeito de viver".
Como uma boa tribo, qualquer "corpo estranho" que impeça a sociedade de ser uma bela totalidade fechada, que quebre a harmonia e a felicidade que sempre reinou na terra de Hamlet e de "Festa de Família" (filme "família feliz" do conterrâneo Thomas Vinterberg), deve ser rejeitado.
Não deixa de ser engraçado ver como a tribalização social não é exatamente um risco a assombrar apenas países como Paquistão ou Ruanda, mas é orgulhosamente vendida como apanágio para conflitos sociais na "desenvolvida" Dinamarca, cujas taxas de imigrantes é muito menor do que aquela que encontramos nos principais países europeus.
Uma das perguntas que animaram a primeira metade do século 20 era: como uma sociedade avançada como a alemã conseguira produzir barbaridades como o nazismo?
Talvez tenha chegado a hora de se perguntar como países que gostam de se ver como avançados, como Dinamarca, Suíça, Finlândia e Holanda, conseguiram voltar a funcionar como tribos arcaicas.
Um exemplo impressionante de até onde isto pode chegar foi dado pela legislação sobre casamentos entre dinamarqueses e estrangeiros.
Para um casamento desta natureza se consumar, os dois devem ter mais de 24 anos, o dinamarquês deve provar ser independente do auxílio financeiro do governo, a pessoa estrangeira deve fazer um teste de língua e de conhecimentos e (esta é a melhor) ambos devem mostrar um vínculo à Dinamarca maior do que o vínculo a qualquer outro país.
Bons tempos aqueles em que, para casar e viver junto, bastava ser juridicamente responsável, não ter compromisso anterior em vigor, amar e estar disposto a assumir tal desejo diante de um funcionário público. Mas é verdade que, em tribos, o casamento sempre foi mais complicado.
Desta forma, a cultura contribui para transformar a massa pobre de imigrantes em uma nova versão do proletariado de Marx: pessoas sem direitos, reconhecimento, cidadãos de segunda classe amedrontados e, por isso, presas fáceis para as piores explorações econômicas.
Um pouco como as tribos faziam com seus inimigos.


quarta-feira, 18 de maio de 2011

Índia recusa caças americanos e contraria o governo Obama

A relação entre EUA e Índia, cultivada por Washington para contrabalançar a ascensão da China, foi estremecida com a decisão de Nova Déli de descartar os jatos militares americanos F18 em sua nova aquisição de caça-bombardeiros.
O embaixador americano em Déli, Thimothy Roemer, se disse "profundamente decepcionado". O anúncio veio cinco meses depois da visita em que o presidente Barack Obama apoiou a candidatura indiana a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
O caso tem semelhança com a disputa para a encomenda dos 36 novos caças da FAB (Força Aérea Brasileira). O F18 da Boeing é um dos três finalistas nessa concorrência, com o Rafale francês e o Gripen sueco.
Na Índia, serão adquiridos 126 bombardeiros. O país é tradicional comprador de armas da Rússia, mas o MiG-30 russo também foi descartado e a disputa será decidida entre o Rafale e o Eurofighter Typhoon, desenvolvido por Alemanha, Reino Unido, Itália e Espanha.
Em artigo para a Al Jazeera, o ex-chanceler indiano Shashi Tharoor lista duas razões para a eliminação do F18 da competição.
O Rafale e o Typhoon teriam superioridade tecnológica e se adaptariam melhor às condições de clima e topografia da Caxemira -disputada com o Paquistão e um dos possíveis locais de utilização dos jatos.
Além disso, os EUA seriam um parceiro pouco confiável para a transferência de tecnologia e o suprimento de peças. "O país já suspendeu encomendas contratadas, impôs sanções contra amigos e inimigos (incluindo a Índia) e voltou atrás na entrega de produtos militares", escreve Tharoor.
O mesmo motivo é alegado pelos que se opõem à compra do F18 pelo Brasil. A Embraer foi impedida de vender seu Super Tucano à Venezuela porque o avião tem peças americanas.
Além de excluídos da concorrência dos caças, os EUA enfrentam dificuldade para concluir a venda à Índia de reatores para energia nuclear. Os americanos querem ser excluídos de responsabilização criminal em caso de acidentes.


Notícia de Cláudia Antunes, para a Folha.com .  Destaque do blogueiro.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Nóis e o Blogger

Esta é uma nota de esclarecimento.
Em 11 de maio passado houve um problema com o Blogger, que fornece este espaço para blogarmos. Assim, as quatro mais recentes postagens ficaram fora de ordem. Elas eram do mesmo dia 11 de maio. Agora estão como 16 de maio.
Mas, pelo menos, está tudo aí...

O trágico reverso da revolta árabe

A tragédia dos deslocados da guerra da Líbia cresce a cada dia. Desde que começou o conflito, 710 mil pessoas fugiram do país e mais de 10 mil o fizeram por mar, arriscando a vida para chegar à Europa. Na sexta-feira, uma barcaça com 600 fugitivos naufragou perto de Trípoli e houve pelo menos 470 mortos.
No domingo em Lampedusa 528 imigrantes caíram de uma barcaça, entre eles diversas crianças e mulheres. Foram resgatados pelas forças de segurança, voluntários de organizações humanitárias, pescadores e até jornalistas, mas ontem as autoridades italianas encontraram três cadáveres embaixo da barcaça, que havia encalhado nas rochas.
Segundo dados da ONG Habeshia, confirmados pelo Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de mil pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo nos últimos três meses quando tentavam fugir da Líbia.
A OIM também alertou sobre as 23 mil pessoas que fugiram da Líbia para o Chade pelo deserto. "Uma média de três veículos de grande capacidade chega diariamente com 150 passageiros cada. A temperatura no Saara supera os 50 graus. Os que conseguem chegar estão gravemente desidratados e exaustos. Passam duas semanas atravessando o deserto sem comida nem água, amontoados em um veículo em pleno sol", explicou Qasim Sufi, chefe da missão da OIM no Chade.
As críticas à atuação do Primeiro Mundo diante do êxodo de somalianos, etíopes, eritreus e nigerianos começam a ganhar espaço. O português Antonio Guterres, responsável pela Acnur, pediu aos países industrializados que mostrem à Tunísia e ao Egito "a mesma solidariedade que demonstraram para os refugiados da Líbia". E o presidente da República Italiana, Giorgio Napolitano, denunciou ontem "a atuação insatisfatória da UE como sujeito político global" diante das revoltas. "É o momento de se dizer com muita franqueza que construir uma política externa e de segurança comum se mostrou uma empresa tão árdua quanto construir e consolidar a moeda única", afirmou.
A Otan se viu ontem diretamente interpelada por uma investigação do jornal "The Guardian", que revelou que 72 imigrantes que viajavam em um barco rumo a Lampedusa foram deixados à deriva durante 16 dias em março passado. Morreram de sede e fome 61 africanos, entre eles 20 mulheres e duas crianças, antes que a corrente devolvesse a barca à Líbia. Segundo os sobreviventes, um helicóptero da aliança ocidental lhes atirou bolachas e água, mas não enviou ajuda; alguns dias depois um porta-aviões aliado se situou a cerca de 400 metros da barca, mas também não os auxiliou.
"The Guardian" afirmou que se tratava do porta-aviões francês Charles de Gaulle. Tanto a França quanto a Otan desmentiram de forma categórica essa informação. "Não havia barcos da Otan na zona", indicou Carmen Romero, porta-voz da aliança. "Só um porta-aviões, o italiano Garibaldi, estava em alto-mar nessa data, mas operava a cerca de 100 milhas e não viu nada", acrescentou.
Organizações de direitos humanos reclamaram uma investigação, enquanto a Acnur pedia "uma estreita cooperação entre navios militares e comerciais para salvar vidas". O sacerdote eritreu Moses Zerai, diretor da ONG Habeshia, explicou a este jornal em Malta que os milhares de eritreus, etíopes e somalianos que se encontravam na Líbia quando eclodiu a revolta são os grandes esquecidos do conflito. "Pedimos que a UE ajudasse a evacuá-los, mas só a Itália transportou 110 pessoas", lembra. "O resto não fez nada. Se tivessem escutado o pedido, os mais de mil mortos no mar estariam agora refugiados em diversos países. Mas a UE não está à altura."
A última "vergonha" é Malta, afirma Zerai. Mais de 400 fugitivos vivem há semanas em um hangar no aeroporto e outros 200 estão em centros de retenção. "As crianças estão adoecendo porque vivem entre graxa e veneno para ratos", diz Zerai. "Os serviços de ajuda são insuficientes, algumas mulheres sofreram episódios de violência sexual e pessoas que têm direito a asilo político estão internadas em cárceres financiados com fundos europeus, onde não lhes concedem nem a hora de passeio."

Texto de Miguel Mora. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Notícia do jornal El País, reproduzida no UOL.

Japão cria serviços para evitar aumento de suicídios após tragédia

Desiludido, um pai de família no Japão se matou depois de procurar desesperadamente pelo corpo do filho, levado pelo tsunami. Na província de Fukushima, um agricultor se enforcou ao saber que sua plantação de repolhos teria de ser completamente destruída por causa da contaminação nuclear. Em outro caso, um senhor de 102 anos cometeu suicídio em um vilarejo perto da usina nuclear porque não aceitava a ideia de abandonar sua casa.

Apesar de ainda não ter uma estatística oficial, governo e organizações sem fins lucrativos temem um aumento significativo do número de suicídios no país, exatos dois meses após o terremoto de magnitude 9 seguido de tsunami do dia 11 de março, que devastou a região nordeste japonesa.

Em 1995, após o terremoto de Hanshin, que devastou a cidade de Kobe, foram registrados cerca de 140 suicídios entre sobreviventes da cidade, segundo a organização Life Link.

Para prevenir a repetição de uma onda de suicídios, o governo e várias organizações sem fins lucrativos começaram atividades e serviços voltados para as vítimas do terremoto e do tsunami.

O Ministério da Saúde e ONGs enviaram para as regiões mais devastadas conselheiros e terapeutas. Também foram criadas linhas telefônicas de emergência para ouvir o desabafo de desalojados.

Cultura e suicídio

A cada 15 minutos, alguém no Japão se mata, o que torna o suicídio a principal causa da morte de homens entre 20 e 44 anos e mulheres entre 15 e 34 anos.

São cerca de 90 casos por dia e mais de 30 mil por ano, segundo levantamento do governo. A média anual é duas vezes maior do que nos Estados Unidos por exemplo.

Entre os países desenvolvidos , o Japão tem os maiores índices de suicídio. Mas o país fica atrás de Lituânia, Coreia do Sul, Cazaquistão e Belarus na lista mais recente da Organização Mundial da Saúde de países com maior número de suicídios por 100 mil habitantes.

O grupo Ikiru tem psicólogos e psiquiatras nas províncias de Miyagi, Fukushima e Iwate para ajudar as vítimas a cuidar de sua saúde mental.

A ONG teme que o número de suicídios aumente e, por isto, prefere não dar entrevistas à mídia local sobre o assunto.

Um representante do grupo justificou à BBC Brasil que uma pessoa com depressão pode pensar em se matar ao ler uma matéria sobre o assunto.

Para a maioria da população japonesa, tirar a própria vida não tem conotação de pecado ou de problema mental como no Ocidente.

Por séculos, o suicídio é visto no país também como um gesto de grande nobreza.

Tragédia e desespero

Por isso é que os especialistas temem que, após o tsunami, a falta de esperança daqueles que perderam não só os bens materiais, mas também familiares e amigos, leve muitos a se matarem.

"Se lembrarmos a experiência do terremoto de Kobe, as pessoas começaram a cometer suicídio depois que deixaram os abrigos e foram para casas temporárias", lembra Fumitaka Noda, presidente da Sociedade Japonesa de Psiquiatria Transcultural e professor da Universidade Taisho, em Tóquio.

Ele explicou à BBC Brasil que, apesar de garantir privacidade e mais espaço, as casas temporárias isolam as pessoas. "Elas ficam sozinhas, com seus problemas."
Noda diz ainda que pessoas endividadas muitas vezes escolhem trocar a vida pelo dinheiro do seguro para cobrir os débitos.

Soldados, bombeiros, policiais, voluntários, agricultores, pescadores e os trabalhadores que tentam recuperar a usina nuclear de Fukushima também podem desenvolver depressão e estão no grupo de risco.

Para Noda, a sociedade tem de colaborar e incentivar a criação de espaços comunitários para evitar o isolamento. "A mensagem que tem de ser passada é de que eles (as vítimas) não estão sozinhos", reforça.

Trabalho de base

A Sociedade Japonesa de Psiquiatria Transcultural tem feito um trabalho coordenado com centros de saúde, hospitais, clínicas e associações internacionais para atender pessoas com problemas, principalmente os estrangeiros.

A organização sem fins lucrativos Life Link também criou um atendimento telefônico para as vítimas e tem distribuído panfletos com orientação às pessoas com problemas de estresse e depressão.

Já a organização Tsukuba Agri Challenge começou um programa para ajudar agricultores de Ibaraki e Fukushima, duas províncias onde a maioria das lavouras foi altamente contaminada por material radioativo.

Onze produtos foram considerados pelo governo inapropriados para venda. Isto fez com que todos os agricultores das duas províncias sofressem consequências, mesmo aqueles cujos produtos não foram contaminados.

Agora, com a iniciativa dos voluntários, hortaliças produzidos na região são vendidos pela internet através da página da Tsukuba Agri Challenge. Desde o dia 25 de abril, mais de 4 mil pedidos de todo o arquipélago já foram feitos.

A ideia surgiu depois do suicídio de um senhor que cultivava repolhos. Para evitar outros casos, a NPO começou o projeto, que não tem prazo para acabar.

"Os agricultores estão preocupados com o futuro incerto. Não sabemos o que será de nós, mas rezo para que não haja mais vítimas como meu pai", disse a filha do agricultor morto a repórteres.


Notícia da BBC, reproduzida no UOL.

Mensagem póstuma atrai milhões para site de blogueiro canadense

Uma mensagem póstuma de um blogueiro que morreu de câncer no Canadá atraiu milhões de pessoas para o site no qual ele contava sua experiência, informou a família.
O texto Last post ("Último post") foi escrito pelo próprio Derek Miller para ser publicado no site Penmachine.com (http://www.penmachine.com). Um amigo colocou a mensagem no site.
"Aqui está ele. Estou morto, e este é o último post do meu blog. De antemão, pedi que uma vez que meu corpo finalmente parasse em função dos castigos do câncer, minha família e meus amigos publicassem esta mensagem que deixei preparada", escreveu.
"Se você me conheceu na vida real, provavelmente você já soube da notícia por outra fonte. Mas como quer que você tenha sabido, considere esta uma confirmação: nasci em 30 de junho de 1969 em Vancouver, no Canadá, e morri em Burnabi no dia 3 de maio de 2011, aos 41 anos, de complicações do estágio 4 de câncer colorretal em metástase. Todos sabíamos que isso ia acontecer."
A história vinha despertando a atenção no Canadá, onde Derek era uma figura bastante conhecidas devido aos dez anos de blogosfera. Segundo a imprensa canadense, o último post atraiu mais de 8 milhões de leitores.
A mensagem foi ao ar no dia 4 e, desde então, recebeu 143 comentários, foi postada no Facebook por mais de 10 mil pessoas e reenviada pelo Twitter por 2.775.
Casado há 16 anos e pai de duas filhas, o blogueiro era formado em biologia marinha e tinha tido experiências profissionais como músico, fotógrafo, escritor e editor.

Relatos

Derek foi diagnosticado com câncer em 2007. Nos seus relatos, ele dava detalhes de sua dolorosa experiência entre pinceladas de trivialidade, como o seu gosto por Diet Cherry Coke – Coca-Cola com sabor de cereja – e a ceia de Páscoa.
A partir do fim de 2010, quando descobriu que a doença havia entrado em fase terminal, os relatos indicam a piora na qualidade de vida do paciente. O blogueiro perdeu a voz por quase dois meses.
Mas ele disse que se considerava "sortudo" de ter mantido a lucidez até o fim da vida.
"Não tive medo da morte – do momento em si – ou do que vem depois, que era (e é) nada. Ao longo do tempo, permaneci um tanto receoso do processo de morrer, da fraqueza e da fadiga crescentes, da dor, de se tornar menos e menos eu mesmo à medida que me aproximava dela", disse.
"Tive sorte que minhas faculdades mentais continuaram em geral não afetadas nos meses e anos antes do fim, e não houve sinais de câncer no meu cérebro – até onde eu ou qualquer outra pessoa soubesse."
O blogueiro encerra o seu post com uma declaração de amor à esposa, Airdrie, que havia conhecido 23 anos antes e com quem estava casado há 16.
Após a morte de Derek, Airdrie disse que seguirá o desejo do marido e transformará o site em um arquivo, como uma espécie de "memória digital" do blogueiro.
"O mundo, na verdade todo o universo, é um lugar lindo, surpreendente, maravilhoso. Sempre há mais a se descobrir. Não olho para trás nem me arrependo de nada, e espero que minha família possa encontrar uma maneira de fazer o mesmo. O que é verdade é que as amei", escreveu Derek.
"Airdrie, você foi minha melhor amiga e a pessoa mais próxima. Não sei o que teríamos sido um sem o outro, mas acho que o mundo teria sido um lugar mais chato. Te amei profundamente, te amei, te amei, te amei."


Notícia da BBC Brasil, reproduzida no UOL Tecnologia.

E agora, José?

JOSÉ


Carlos Drummond de Andrade




E agora, José,
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora, José?






Está sem mulher,
Está sem discurso,
Está sem carinho,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou,
O dia não veio,
O bonde não veio,
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, José?



E agora, José?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra de ouro,
Seu terno de vidro,
sua incoerência,
Seu ódio – e agora?



Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?



Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, José!



Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato,
Sem teogonia,
Sem parede nua
Para se encostar,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope,
Você marcha, José!
José, para onde?





ANDRADE, Carlos Drummond de. José, Novos Poemas Fazendeiro do Ar. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.123-125.

O Mundo Monstro de Adão Iturrusgaray



Desconcertante. Na Folha de São Paulo, de 09/05/2011.

Gerônimos

Gerônimos

A RÁPIDA REVIRAVOLTA na versão oficial que não durou mais de 30 horas, sobre as circunstâncias da morte de Bin Laden, é um fato raro e nos leva a uma dívida promissora: a única explicação para as sucessivas correções, por diferentes integrantes do governo dos EUA, é uma decisão imposta pelo temor ou a certeza de que os meios de comunicação terminariam por desmoralizar as palavras oficiais. Inclusive as do próprio presidente Barack Obama. WikiLeaks e uma pequena parte do jornalismo merecem o crédito.
Não única, essa causa provavelmente maior não nega a disposição de Obama, implícita na reconsideração, de preferir a honra pessoal ao cinismo com que George Bush se valeu de mentiras, mesmo depois de demonstradas como tais a seu país e ao mundo. Mas nega a tradição histórica, muito praticada pelos Estados Unidos desde seus primórdios, da falsificação de motivos por governos, e respectivos comandantes militares, para os seus atos de imoralidade bélica.
Exemplo ressaltado pela história é a anexação da Áustria pela Alemanha de Hitler, em represália a uma inventada provocação na zona de fronteira. O pequeno Vietnã do Norte foi massacrado pelos bombardeiros B-52 durante anos em represália a um ataque seu, inexistente, a navio da marinha americana no Golfo vietnamita de Tonquim. Ou, ainda inacabada, a invasão do Iraque com a mentira da arma nuclear de Saddam Hussein, mesmo que já negada pela inspeção da própria agência especializada da ONU.
O nome-código dado a Bin Laden para a comunicação de sua morte à Casa Branca -Gerônimo- não suscitou curiosidade até agora. Mas sua escolha tem significações ricas.
Não é nome de brancos nem de negros americanos, em tempo algum. É nome indígena. Foi o nome de um dos mais ou o mais bravo chefe a resistir, e vencer muitas vezes, às tropas que conquistavam terras da América do Norte para os colonizadores com o genocídio dos habitantes originais. Gerônimo foi transformado em objeto de ódio branco que lhe deu lugar destacado na história das guerras dos Estados Unidos listadas pelo Departamento de Defesa.
Chamar Bin Laden de Gerônimo foi injustiça com o dono autêntico do nome, mas o conceito de justiça parece aplicar-se, no episódio atual, apenas às afirmações de Obama e de Bush, segundo os quais a morte do terrorista fez justiça. A Comissão de Direitos Humanos da ONU, entre outros pronunciamentos relevantes, não concorda: "As Nações Unidas enfatizam que todos os atos contra o terrorismo devem respeitar o direito internacional". À parte direitos humanos, a ação dos Estados Unidos está acusada de numerosas violações do direito internacional.
Sem ir mais longe, por desnecessário, o que fizeram as entidades internacionais e potências responsáveis pela aplicação do direito internacional quando, por exemplo, a URSS invadiu o Afeganistão, e os Estados Unidos invadiram o Iraque, o Panamá, Granada, o Vietnã, o Laos, sem dar confiança à ONU e em violação flagrante do direito internacional? Entre as nações dominantes, o direito internacional é matéria de transações. Acontece mais uma vez. E assim será, não se imagina até quando.


Manipulando Pequim

Manipulando Pequim

MATIAS SPEKTOR

As novas forças que atraem o Brasil para a órbita da China são difíceis de resistir e reverter. Se o Brasil não aprender rapidamente a influenciá-las em benefício próprio, perderá a capacidade de escolha e será vítima de circunstâncias que não consegue controlar.
A recente visita presidencial pôs em evidência alguns desses novos obstáculos. O primeiro é a crescente desigualdade de poder entre os dois países: os chineses podem aceitar ou ignorar demandas brasileiras quando lhes convém e ao ritmo de sua escolha.
Importantes interesses nacionais se chocam. Seja em comércio, finanças, proliferação nuclear, direitos humanos ou mudança do clima, a divergência, já grande, tende a crescer. Em lugares como a América do Sul e a África lusófona, onde o Brasil ensaia incipiente jogo de cintura global, as iniciativas chinesas são muitas vezes competitivas ou desafiadoras.
O problema é ainda mais complexo quando se trata de moldar uma nova ordem global.
Sem dúvida, a ascensão chinesa mitiga a arrogância americana no mundo e ajuda a reabrir grandes questões que o "Consenso de Washington" parecia haver encerrado para sempre. A China também está forçando a reforma de instituições como FMI, Banco Mundial e o regime internacional de ajuda para o desenvolvimento.
E ninguém duvida de que, sem a China, não haveria Brics nem G20.
Mas a China não está disposta a montar uma frente reformista comum. Ela está hoje mais satisfeita que o Brasil e tem mais a perder com revisões profundas da situação. Na principal proposta brasileira de adaptação institucional, a reforma da ONU, a China não está disposta a avançar nem se sente pressionada a fazê-lo.
Por fim, crescem a passo alarmante na sociedade brasileira as vozes anti-China. Não se trata de um lobby organizado, mas são argumentos capazes de moldar atitudes públicas. Denuncia-se a China como indutora da desindustrialização e como ameaça à soberania sobre nossos recursos naturais.
Desconfia-se das motivações por trás de qualquer investimento oriundo de Estado autoritário, centralizado e com grande apetite geopolítico.
A sinofobia é um perigo real para o Brasil porque cega o público, mina o debate inteligente e limita o espaço de manobra de empreendedores e de governantes.
Mais do que isso, pode castigar uma relação bilateral que ainda não conta com instituições resistentes sobre as quais se escorar.
Hoje, Brasília não tem os instrumentos para controlar danos em Pequim. Temos acesso pífio às altas rodas chinesas de poder e de influência. Não temos especialistas no tema nem os centros acadêmicos para produzi-los.
Não há esforço sistemático de marketing nem propaganda ou lobby brasileiro naquele país.
O engajamento em instituições internacionais é parco e depende ainda do talento e interesse de diplomatas individuais.
Nenhuma das tendências acima é irreversível. Ao contrário, se a presidente Dilma Rousseff atuar agora, poderá transformar a situação antes do fim deste mandato.
Enquanto a coisa permanecer como está, o Brasil fica no pior dos mundos. Sem canais e instrumentos efetivos para manipular o processo decisório em Pequim, não consegue tirar vantagem máxima quando segue a China a reboque.
Tampouco consegue se opor e resistir às pressões chinesas quando elas demandam resposta.
O Brasil do século 21 não pode mais se dar ao luxo de ficar sem política coordenada para tirar vantagens da China e mitigar os custos que certamente virão.

MATIAS SPEKTOR, doutor pela Universidade de Oxford (Reino Unido), coordena o Centro de Relações Internacionais Fundação Getulio Vargas.


quarta-feira, 11 de maio de 2011

Pensar positivo

PENSAR POSITIVO
Juremir Machado da Silva

Não escondo nada de vocês. Revelo todas as minhas obsessões. Sempre quis escrever crônicas como se estivesse conversando com os leitores no único lugar em que as conversas são realmente levadas a sério: uma mesa de bar. Antes de escrever, penso assim: o assunto deve ser relevante para a maioria; o enfoque, positivo; a concepção de mundo, generosa. Três questões me perseguem: por que as pessoas se drogam? Como motivar um desmotivado sem lhe dizer 'motive-se'? Como fazer com que os mais pobres lutem dez vezes mais para alcançar cinco vezes menos? Quando começo a escrever sou devorado por demônios internos que estragam tudo. Eles é que são os responsáveis pelo meu estilo. A primeira questão se transforma em 'por que há pessoas que não se drogam?'. Ou 'como conseguem?'. A segunda é mais nuançada. Planejo estimular as pessoas com lições de vida. Falar de gente que trabalha de dia e passa a noite lendo. Citar homens e mulheres que aprenderam a ler tardiamente e já escrevem cartas para os familiares deixados para trás nalgum lugar do Brasil profundo.
Empaco na terceira questão. Vem um diabo sociológico e me sussurra besteiras nos ouvidos. Não conheço um só filho de classe média (de média para cima) que não tenha cursado uma faculdade. Conheço muitos filhos de classe média baixa que, mesmo com alguma chance de entrar numa universidade, desistem por falta de ânimo, ausência de ambição, cansaço existencial. Já vi rapazes carregar pedras nas costas. Mas, diante de algumas horas de estudo, desabam de cansaço. São fracos, preguiçosos, burros? Não. Claro que não. Pertencem a categorias sociais forjadas para um presenteísmo da derrota. Começo a teorizar. Perco a crônica e o bom senso. Respiro fundo. Repito o título de um livro: 'Pra cima com a viga, moçada'. Vamos à luta. Tenho vontade de dizer a cada menino pobre: o estudo ainda compensa. Vejo favela. O capitalismo mata por omissão de socorro. Não há paredão. Todos podem berrar livremente. Uivar como cães ao sol do meio-dia. Existem estádios de futebol para o exercício do grito ritual. Evita problemas com a vizinhança. A destruição em doses homeopáticas não é crime. Ninguém mais propõe rediscutir o contrato social que tornou o planeta propriedade de poucos. Deve ser por isso que não consigo entrar no mercado da autoajuda. Estou perdendo uma grana preta.

jornalista

Correio do Povo
Porto Alegre - RS - Brasil


Origem: Correio do Povo, de 9 de junho de 2004 - http://www.cpovo.net/jornal/A109/N253/HTML/COLABORA.HTM

terça-feira, 10 de maio de 2011

"Yes, we can"



Charge de Angeli, na Folha de São Paulo, de 6 de maio de 2011.

O terrorista emérito

O terrorista emérito

RIO DE JANEIRO - Os norte-americanos são como o Botafogo: há coisas que só acontecem com eles. E como a bandeira deles tem muitas estrelas (a do Botafogo só tem uma), o resultado é que são exagerados, no bem e no mal.
A caçada a Bin Laden, que seria uma decorrência natural e justificável na luta contra o terror organizado, teve um final polêmico, que dará assunto para muitos filmes de ação -alguns deles já devem estar sendo produzidos.
Não se sabe por que o governo dos Estados Unidos gosta de mentir, e grande parte de sua história tem leituras conflitantes, como as mortes de Lincoln, Kennedy e até de Marilyn Monroe.
Bush mentiu e obrigou o general Colin Powell a mentir e a confessar que mentiu no caso da invasão do Iraque, país acusado de estar fabricando armas de extermínio massivo. Bem verdade que no caso do Paquistão ainda é cedo para surgir a verdade verdadeira (se o pleonasmo é possível). O episódio tem todos os germens para diversas teorias conspiratórias, a começar pela própria morte de Bin Laden, cujo cadáver foi jogado apressadamente no mar.
Fotos e filmes posteriores poderão ser contestados. O exame de DNA não prova nada. Para citar Eça de Queiroz: os norte-americanos "fizeram-na boa".
Quanto ao terrorismo em si, um terrorista só, como uma só andorinha, não faz verão. Os atentados continuarão, Bin Laden podia ser considerado um terrorista emérito, como FHC é professor emérito. Estava desativado, morava numa casa com crianças e mulheres, sem telefone, TV, internet.
Como podia dirigir uma rede internacional de capangas? Nem assistia ao programa do Faustão, não jogava na Mega-Sena e pagava tributo ao Grande Satã consumindo Coca-Cola e Pepsi. O que podia se esperar de um velho bandido assim?