A tragédia dos deslocados da guerra da Líbia cresce a cada dia. Desde que começou o conflito, 710 mil pessoas fugiram do país e mais de 10 mil o fizeram por mar, arriscando a vida para chegar à Europa. Na sexta-feira, uma barcaça com 600 fugitivos naufragou perto de Trípoli e houve pelo menos 470 mortos.
No domingo em Lampedusa 528 imigrantes caíram de uma barcaça, entre eles diversas crianças e mulheres. Foram resgatados pelas forças de segurança, voluntários de organizações humanitárias, pescadores e até jornalistas, mas ontem as autoridades italianas encontraram três cadáveres embaixo da barcaça, que havia encalhado nas rochas.
Segundo dados da ONG Habeshia, confirmados pelo Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de mil pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo nos últimos três meses quando tentavam fugir da Líbia.
A OIM também alertou sobre as 23 mil pessoas que fugiram da Líbia para o Chade pelo deserto. "Uma média de três veículos de grande capacidade chega diariamente com 150 passageiros cada. A temperatura no Saara supera os 50 graus. Os que conseguem chegar estão gravemente desidratados e exaustos. Passam duas semanas atravessando o deserto sem comida nem água, amontoados em um veículo em pleno sol", explicou Qasim Sufi, chefe da missão da OIM no Chade.
As críticas à atuação do Primeiro Mundo diante do êxodo de somalianos, etíopes, eritreus e nigerianos começam a ganhar espaço. O português Antonio Guterres, responsável pela Acnur, pediu aos países industrializados que mostrem à Tunísia e ao Egito "a mesma solidariedade que demonstraram para os refugiados da Líbia". E o presidente da República Italiana, Giorgio Napolitano, denunciou ontem "a atuação insatisfatória da UE como sujeito político global" diante das revoltas. "É o momento de se dizer com muita franqueza que construir uma política externa e de segurança comum se mostrou uma empresa tão árdua quanto construir e consolidar a moeda única", afirmou.
A Otan se viu ontem diretamente interpelada por uma investigação do jornal "The Guardian", que revelou que 72 imigrantes que viajavam em um barco rumo a Lampedusa foram deixados à deriva durante 16 dias em março passado. Morreram de sede e fome 61 africanos, entre eles 20 mulheres e duas crianças, antes que a corrente devolvesse a barca à Líbia. Segundo os sobreviventes, um helicóptero da aliança ocidental lhes atirou bolachas e água, mas não enviou ajuda; alguns dias depois um porta-aviões aliado se situou a cerca de 400 metros da barca, mas também não os auxiliou.
"The Guardian" afirmou que se tratava do porta-aviões francês Charles de Gaulle. Tanto a França quanto a Otan desmentiram de forma categórica essa informação. "Não havia barcos da Otan na zona", indicou Carmen Romero, porta-voz da aliança. "Só um porta-aviões, o italiano Garibaldi, estava em alto-mar nessa data, mas operava a cerca de 100 milhas e não viu nada", acrescentou.
Organizações de direitos humanos reclamaram uma investigação, enquanto a Acnur pedia "uma estreita cooperação entre navios militares e comerciais para salvar vidas". O sacerdote eritreu Moses Zerai, diretor da ONG Habeshia, explicou a este jornal em Malta que os milhares de eritreus, etíopes e somalianos que se encontravam na Líbia quando eclodiu a revolta são os grandes esquecidos do conflito. "Pedimos que a UE ajudasse a evacuá-los, mas só a Itália transportou 110 pessoas", lembra. "O resto não fez nada. Se tivessem escutado o pedido, os mais de mil mortos no mar estariam agora refugiados em diversos países. Mas a UE não está à altura."
A última "vergonha" é Malta, afirma Zerai. Mais de 400 fugitivos vivem há semanas em um hangar no aeroporto e outros 200 estão em centros de retenção. "As crianças estão adoecendo porque vivem entre graxa e veneno para ratos", diz Zerai. "Os serviços de ajuda são insuficientes, algumas mulheres sofreram episódios de violência sexual e pessoas que têm direito a asilo político estão internadas em cárceres financiados com fundos europeus, onde não lhes concedem nem a hora de passeio."
Texto de Miguel Mora. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Notícia do jornal El País, reproduzida no UOL.
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