segunda-feira, 30 de maio de 2011

Os crimes corporativos globais

O mundo está se afogando em fraude corporativa, e os problemas provavelmente são maiores nos países ricos – aqueles com suposta “boa governança”.
Os governos de países pobres provavelmente aceitam mais subornos e cometem mais crimes, mas são os países ricos que detêm as companhias globais que executam as maiores infrações. O dinheiro fala todas as línguas, e está corrompendo a política e mercados por todo o mundo.
Quase todo dia, há uma nova história sobre algum ato ilícito. Todas as empresas de Wall Street pagaram multas volumosas na década passada por contabilidade falsa, informação privilegiada, fraude de títulos, esquemas Ponzi, ou por simples desfalque de seus diretores. Um grande círculo de informação privilegiada está em julgamento em Nova York, envolvendo figuras influentes da indústria financeira. O que vem em seguida é uma série de multas pagas pelos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos para retirar acusações de numerosas envolvendo títulos imobiliários.
Porém, poucos são responsabilizados. Dois anos após a maior crise financeira da história, fomentada pelo comportamento inescrupuloso dos maiores bancos de Wall Street, nem um único líder financeiro foi preso. Quando empresas são multadas por conduta ilegal, seus acionistas, não seus diretores gerentes, pagam o preço. As multas sempre representam uma pequena fração dos ganhos ilícitos. Para Wall Street, isso significa que práticas corruptas têm altos índices de retorno. Ainda hoje, o lobby dos bancos ignora totalmente políticos e órgãos reguladores.
A corrupção recompensa a política estadunidense, também. O atual governador do estado da Flórida, Rick Scott, era o presidente de uma grande companhia de assistência médica conhecida como Columbia/HCA. A empresa foi acusada de fraudar o governo americano com superfaturamento nos reembolsos, e acabou admitindo culpa por 14 delitos, pagando multa de US$1,7 bilhão.
Uma investigação feita pelo FBI obrigou Scott a deixar seu cargo. Porém, uma década após a admissão de culpa por parte da empresa, Scott está de volta, desta vez como um republicano defensor do ‘mercado livre’.
Quando Barack Obama quis alguém que ajudasse com o resgate financeiro da indústria automobilística estadunidense, ele procurou por um especialista de Wall Street, Steven Rattner, apesar de Obama saber que Rattner estava sob investigação por distribuir propinas a funcionários do governo. Depois que Rattner terminou seu trabalho na Casa Branca, seu caso foi resolvido com uma multa de alguns milhões de dólares.
Porém, por que parar nos governadores ou conselheiros da presidência? O ex-vice-presidente chegou na Casa Branca após ter ocupado o posto de diretor-executivo da Halliburton. No período que trabalhou na Halliburton, a empresa envolveu-se com suborno ilegal de oficiais nigerianos a fim de facilitar seu acesso aos campos de petróleo do país – um acesso que representava bilhões de dólares. Quando o governo da Nigéria acusou a Halliburton de suborno, a empresa fez um acordo fora dos tribunais, e pagou uma multa de US$ 35 milhões. É claro que não houve qualquer tipo de consequência para Cheney. A imprensa estadunidense mal propagou a notícia.
A impunidade está espalhada – de fato, a maioria dos crimes corporativos passa despercebida. Os poucos que são percebidos terminam, tipicamente, com uma reprimenda, com a empresa – no caso, seus acionistas – recebendo uma multa leve. Os verdadeiros culpados no topo dessas empresas raramente têm de se preocupar. Mesmo quando as companhias pagam multas pesadas, seus diretores permanecem no cargo. Os acionistas estão tão dispersos e tão sem poderes que eles exercem pouco controle sobre a administração.
A explosão da corrupção – nos Estados Unidos, Europa, China, Índia, África, Brasil e mais – levanta uma série de questões desafiadoras sobre suas causas, e sobre como controlá-la agora que esta atingiu proporções epidêmicas.
A corrupção corporativa está fora de controle por duas razões principais. Primeiro, as grandes empresas são agora multinacionais, enquanto que governos permanecem nacionais. Grandes empresas são tão poderosas financeiramente que os governos têm medo de encará-las.
Em segundo lugar, empresas são as maiores financiadoras de campanhas políticas em lugares como os Estados Unidos, onde os próprios políticos são, frequentemente, donos, ou pelo menos beneficiários silenciosos de lucros corporativos. Aproximadamente metade dos congressistas americanos são milionários, e muitos possuem laços estreitos com empresas mesmo antes de chegarem ao Congresso.
Como resultado, os políticos frequentemente olham para o outro lado quando as empresas passam dos limites. Mesmo que os governos tentassem fazer a lei valer, as companhias têm exércitos de advogados para ajudá-las a vencer. O resultado disso é uma cultura de impunidade, baseada na expectativa comprovada de que o crime corporativo compensa.
Dadas as estreitas conexões de riqueza e poder com a lei, tomar as rédeas dos crimes corporativos  será uma luta enorme. Felizmente, o fluxo rápido e difundido de informação de hoje em dia pode agir como uma espécie de impedimento ou desinfecção. A corrupção prospera no escuro, porém, mais do que nunca, a informação vem à tona por via de emails e blogs, bem como Facebook, Twitter e outras redes sociais.
Também iremos precisar de um novo tipo de político que lidere um novo tipo de campanha política, baseada mais em mídia online gratuita do que em mídia paga. Quando os políticos se emanciparem das doações corporativas, irão recuperar a habilidade de controlar abusos corporativos.
Além disso, precisaremos iluminar os recônditos escuros das finança internacional, especialmente em paraísos fiscais como as ilhas Cayman e osecretos bancos suíços. Evasão de impostos, propinas, pagamentos ilícitos, subornos e outras transações ilegais facilitadas por esse sistema escondido são tão vastos agora que ameaçam a legitimidade da economia global, especialmente em tempos inéditos de desigualdade de renda e enormes déficits orçamentários, devido à inabilidade política e – às vezes até mesmo operacional – dos governos em impor impostos à riqueza.
Portanto, da próxima vez que você ouvir sobre um escândalo de corrupção na África, ou em alguma outra região pobre, pergunte a si mesmo onde isto começou e quem está cometendo o crime. Nem os EUA, tampouco outro país de economia “desenvolvida”, deve culpar países pobres, pois geralmente são as multinacionais mais poderosas que criaram o problema.

Jeffrey Sachs*

Tradução de Maria Teresa Segarra Costaguta Mattos

Acesse o original aqui



Texto da Al Jazeera, visto no Blog do Luís Nassif.

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