Letra cursiva já foi uma forma de arte. Agora é um mistério
Katie Zezima
Por séculos, a letra cursiva foi uma forma de arte. Para um crescente número de jovens, ela é um mistério.
As letras sinuosas do alfabeto cursivo, serpeando em incontáveis cartas de amor, recibos de cartão de crédito e faixas acima das lousas das escolas primárias, estão seguindo o caminho da pena e do tinteiro. Com os teclados de computador e celulares cada vez mais ocupando os dedos jovens, a morte gradual da escrita mais elegante está revelando alguns desafios imprevistos.
As pessoas que escrevem apenas em letras de forma, ou talvez com uma assinatura desleixada, rabiscada, correm mais risco de falsificação? O desenvolvimento de boa coordenação motora é atrapalhado pela aversão à letra cursiva? E o que acontece quando jovens não familiarizados com o alfabeto cursivo têm que ler documentos históricos como a Constituição?
Jimmy Bryant, diretor dos Arquivos e Coleções Especiais da Universidade de Arkansas Central, disse que a ligação com material de arquivo se perde quando os estudantes dão as costas para o alfabeto cursivo. Enquanto lecionava no ano passado, Bryant, por curiosidade, pediu que levantassem as mãos os estudantes que se comunicavam por meio de escrita em letra cursiva. Nenhum levantou.
Aquela classe deficiente em caligrafia em letra cursiva incluía Alex Heck, 22 anos, que disse mal se lembrar de como ler ou escrever em letra cursiva. Heck e um primo folhearam o diário da avó deles pouco depois da morte dela, mas mal conseguiram ler sua escrita à mão em letra cursiva.
“Era meio enigmática”, disse Heck. Ela e o primo tentaram decifrá-la como se fosse um código, lendo e relendo as passagens. “Eu não estou acostumada a ler ou escrever em letra cursiva.”
Os estudantes de todo o país ainda aprendem a escrever em letra cursiva, mas muitos distritos escolares estão dedicando cada vez menos tempo a ela e à caligrafia em geral do que anos atrás, disse Steve Graham, um professor de educação da Universidade Vanderbilt. A maioria das escolas começa a ensinar a letra cursiva na terceira série, disse Graham. No passado, a maioria prosseguia até a quinta ou sexta série –algumas até mesmo até a oitava– mas muitos distritos agora ensinam a letra cursiva apenas na terceira série, com menos aulas.
“As escolas atualmente dizem que estamos preparando nossas crianças para o século 21”, disse Jacqueline DeChiaro, diretora da Escola Primária Van Schaick, em Cohoes, Nova York, que está debatendo o fim do ensino da letra cursiva. “A letra cursiva é realmente uma habilidade do século 21?”
Com as escolas concentradas em preparar os estudantes para testes padronizados, frenquentemente não há tempo suficiente para ensinar caligrafia, dizem os educadores.
“Se você é uma escola ou professor, pode apostar que se as crianças estão sendo testadas, isso receberá uma maior ênfase no currículo”, disse Graham.
Sandy Schefkind, uma terapeuta ocupacional pediátrica em Bethesda, Maryland, e coordenadora pediátrica da Associação Americana de Terapia Ocupacional, disse que o aprendizado de caligrafia em letra cursiva ajuda os estudantes a melhorarem sua coordenação motora.
“É a destreza, a fluidez, a quantidade certa de pressão aplicada com a caneta ou lápis no papel”, disse Schefkind, acrescentando que para alguns alunos a letra cursiva é mais fácil de aprender do que a letra de forma.
Apesar do texto em letra de forma ser mais legível, quanto menos complexa a escrita, mais fácil ela é de ser falsificada, disse Heidi Harralson, uma grafóloga de Tucson, Arizona. Apesar da caligrafia poder mudar –e se tornar mais desleixada– à medida que a pessoa envelhece, as pessoas que não a aprendem e nem a praticam podem estar em desvantagem, disse Harralson.
“Eu vejo um aumento da inconsistência na escrita à mão –caligrafia desleixada, pouco legível, que é inconsistente”, ela disse.
A maioria das pessoas tem uma assinatura cursiva, mas mesmo elas estão ficando cada vez mais difíceis de identificar, disse Harralson.
“Até mesmo pessoas que nunca aprenderam a escrever em algum tipo de letra cursiva apresentam algum tipo de letra cursiva na assinatura, mas não é escrita muito bem”, ela disse. “Ela tende a ser mais abstrata, ilegível e simplista. Se escrevem em letra de forma, é mais fácil de falsificar.”
Sally Bennett, uma caloura de 18 anos da Arkansas Central, assina seu nome em letras de forma maiúsculas e nunca pensou a respeito até prestar o ACT (um vestibular). Os estudantes tinham que copiar um texto, com instruções explícitas para que fosse apresentado em letra cursiva, disse Bennett.
“Algumas pessoas ali não conseguiam se lembrar”, ela disse. “Eu tive que pensar por um minuto. Eu tive dificuldade para me lembrar.”
Um porta-voz do ACT disse não estar familiarizado com a exigência de letra cursiva. Uma porta-voz do SAT (outro exame vestibular) –no qual apenas 15% dos estudantes escreveram a parte da redação em letra cursiva em 2007– disse que os estudantes também devem copiar um parágrafo.
“Os estudantes são orientados a não escrever em letra de forma”, disse a porta-voz, Kathleen Steinberg, em um e-mail.
Richard Christen, um professor de educação da Universidade de Portland, no Oregon, disse que a letra cursiva pode ser facilmente substituída pela escrita impressa ou pelo processador de textos. Mas ele teme que os estudantes percam uma habilidade artística.
“Essas crianças estão perdendo um tempo em que criavam beleza diariamente”, disse Christen. “Mas é difícil para mim apresentar um argumento prático em prol dela. Eu não lamento por causa disso; eu lamento a perda da beleza, da estética.”
Tradução: George El Khouri Andolfato
Texto do The New York Times, disponível no UOL.
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