quinta-feira, 29 de março de 2012

Aos 88 anos, morre o escritor Millôr Fernandes


Aos 88 anos, morre o escritor Millôr Fernandes

Corpo será velado a partir das 10h de amanhã no Rio de Janeiro


Aos 88 anos, o escritor Millôr Fernandes morreu por volta das 21h dessa terça-feira em casa, no bairro Ipanema, no Rio de Janeiro. O motivo seria falência múltipla dos órgãos e parada cardíaca. O corpo será velado a partir das 10h desta quinta-feira no Cemitério Memorial do Carmo, no bairro do Caju. Segundo a assessoria do cemitério, o corpo será cremado às 15h no Crematório da Santa Casa.

O escritor chegou a ser internado por cinco meses no ano passado, na Casa de Saúde São José, depois de sofrer um acidente vascular cerebral. Millôr foi um dos fundadores do jornal O Pasquim e um dos representantes da imprensa nanica, que levou o humor às publicações alternativas na época da forte censura do Regime Militar. 

Biografia


Nascido em 16 de agosto de 1923, no Rio de Janeiro, Millôr assim foi registrado devido a uma caligrafia duvidosa, pois deveria se chamar Milton Viola Fernandes. A data de nascimento oficial é 27 de maio de 1924. Aos dez anos de idade vendeu o primeiro desenho para a publicação O Jornal do Rio de Janeiro, pelo qual recebeu dez mil réis. 

Em 1938 começou a trabalhar como repaginador e contínuo no semanário O Cruzeiro. No mesmo ano ganhou um concurso de contos na revista A Cigarra, sob o pseudônimo de "Notlim". Algum tempo depois assumiu a direção do periódico, onde também publicou a seção "Poste Escrito", agora assinada por "Vão Gogo".

Em 1941 voltou a colaborar com a revista O Cruzeiro, continuando a assinar como "Vão Gogo" na coluna "Pif-Paf", o que fez ao longo de 18 anos. A partir daí passou a conciliar as profissões de escritor, tradutor (autodidata) e autor de teatro.

Já em 1956 dividiu a primeira colocação na Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires com o desenhista norte-americano Saul Steinberg. Em 1957, ganhou uma exposição individual de suas obras no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Dispensou o pseudônimo "Vão Gogo" em 1962, passando a assinar "Millôr" em seus textos no O Cruzeiro. Deixou a revista no ano seguinte, por conta da polêmica causada com a publicação de A Verdadeira História do Paraíso, considerada ofensiva pela Igreja Católica.

Em 1964 passou a colaborar com o jornal português Diário Popular e obteve o segundo prêmio do Salão Canadense de Humor. Em 1968 começou a trabalhar na revista Veja, e em 1969 tornou-se um dos fundadores do jornal O Pasquim.

Nos anos seguintes escreveu peças de teatro, textos de humor e poesia, além de voltar a expor no Museu de Arte Moderna do Rio. Traduziu, do inglês e do francês, várias obras, principalmente peças de teatro, entre estas, clássicos de Sófocles, Shakespeare, Molière, Brecht e Tennessee Williams.

Depois de colaborar com os principais jornais brasileiros, retornou à Veja em setembro de 2004, deixando a revista em 2009 devido a um desentendimento acerca da digitalização de seus antigos textos, publicados sem autorização no acervo on-line da publicação.

Atualmente, mantinha um site pessoal e seu perfil no Twitter tinha mais de 360 mil seguidores. 


Notícia vista no Correio do Povo

Cobertura na Folha.com

Notícia relacionada no G1.

terça-feira, 27 de março de 2012

No país do Pau Vermelho


Era uma vez um país chamado Pau Vermelho.
Governado durante 500 pelo mesmo partido, com nomes diferentes, vivia feliz.
A maioria da população era miserável, mas contente.
Sempre que os arruaceiros tentavam estragar a alegria nacional, uma ditadura repunha tudo no lugar.
Era perfeito.
Em caso de necessidade, prisões, tortura, cassações , mortes e exílio.
Tudo pelo bem da nação.
Nas poucas vezes em que a esquerda, ou quase isso, chegou ao poder foi preciso intervir.
Até que a esquerda instalou-se de vez.
E, pasmem, inventou a corrupção.
Nunca tinha havido antes corrupção no país.
Salvo quando outros esquerdistas estiveram rapidamente no comando.
O país era miserável, mas tinha uma direita absolutamente honesta.
Todos os roubos feitos não eram roubos.
Apenas acidentes de percurso.
A direita honesta não praticava assistencialismo estilo europeu, essas coisas de países atrasados.
Subsídios só para as classes produtoras.
Era o país das maravilhas.
A esquerda, por seu turno, prometia ser diferente quando chegasse a pilotar o país.
Tudo isso se sabe.
A esquerda mudou.
Para melhor e para pior.
A direita continua a mesma.
Contando a mesma história da carochinha.
Um conto de fadas cujo narrador é Pinochio.


segunda-feira, 26 de março de 2012

Maria Rita encanta público no Anfiteatro Pôr do Sol


Maria Rita encanta público no Anfiteatro Pôr do Sol

Cantora interpretou Elis numa das homenagens ao aniversário de Porto Alegre


Com uma emoção claramente sentida e contida diante de cerca do público de 60 mil pessoas que esteve no Anfiteatro Pôr do Sol neste sábado, conforme a organização, Maria Rita abriu a tunê "Viva Elis", em homenagem à mãe, nas comemorações do aniversário de Porto Alegre. Pela primeira vez na carreira de nove anos, a cantora encarou o palco com o arranjador e pianista César Camargo Mariano para um show com o repertório de Elis Regina, algo que sempre evitou pela incessante e exigente comparação de seu trabalho com o da maior cantora do Brasil. 

Em Porto Alegre, o clima foi especial. Diante de tanta gente e da recepção calorosa do público, ela olhou em frente, segurou o nó na garganta, e iniciou o passeio pelas canções de Elis com os versos de "Imagem" (É de vocês o meu cantar/ É só pra vocês nosso cantar/ Enquanto a nossa meta não for atingida/ Continuamos gritando o nosso canto/ Enquanto nossa música não voltar ao que é/ Nós lutamos, faz escuro mas nós cantamos").

Vestindo um macacão branco que acompanha o corpo, com uma leve e longa capa-manga que tirou já nas primeiras músicas, Maria Rita passou pelo "Arrastão" e entoou "Como Nossos Pais", que o público todo acompanhou com palmas e vozes. De boas vindas, um "muitíssimo obrigado pela presença de cada um de vocês que estão aqui, e que tanto esperavam, assim como eu, por isso. Estar diante desse grande público na cidade de minha mãe é uma emoção que não consigo...", sorriu, segurou a emoção e ganhou muito mais aplausos. 

Em seguida, trouxe para o palco "Vida de Bailarina", com os versos "Vão falando sem saber/ Que ela é forçada a enganar/ Não vivendo pra dançar/ Mas dançando pra viver", bem de acordo com suas declarações de que seu cantar é uma necessidade e razão de vida assim como o cantar da mãe, e seguiu com "Bolero de Satã" e "Águas de Março", com direito a bolhinhas de sabão soltas pela plateia. Em meio às canções, o final de tarde laranja do Guaíba, e uma fina meia lua colada no rio.

Em seus dizeres e posturas, Maria Rita tomou pra si, como filha, todo o direito de homenagear a mãe cantando, mesmo que ela seja a grandiosa Elis Regina. Com admiração e orgulho expostos, ela falou "de minha mãe", "mamãe", e mostrou a mãe para todos, revivendo exemplos e dizeres. "Como todos sabem, perdi mamãe aos 4 anos. Muita gente questiona sobre como será que seriam nossas conversas, seus conselhos, suas broncas. Não sei, mas em algumas canções encontro essa mulher amiga de todos, e a mãe amiga minha. Vejo seu universo feminino. Agora, como mulher, o entendo, identifico e canto", disse, ao começar a canção "Essa Mulher". 

Momentos antes, após cantar "Bêbado e a Equilibrista", Maria Rita reverenciou novamente a força de Elis: "Era um tempo de fim de ditadura, e minha mãe sempre foi muito envolvida na luta pelos direitos de todos, pelos direitos civis". Recebeu um mar de aplausos, aplaudiu junto a memória com o público agradecendo "Elis! Elis!" e seguiu: "Mamãe acreditava que o artista, por ter esse canal, tem obrigação de se envolver. Ela lutou incansavelmente pelos direito de seus companheiros. O mínimo que a se pode fazer, agora, é honrar a lembrança daqueles que tanto fizeram pela nossa liberdade. Simplesmente falar", disse a filha de Elis.

Outro momento de reverência foi antes de cantar as composições de Milton Nascimento "Morro Velho", "O Que Foi Feito" e "Maria Maria": "Essa é outra herança, a amizade e respeito a Milton. minha mãe dizia que se Deus tivesse voz, seria a dele. E ele diz que faz suas canções pensando na voz dela".

Acompanhada no palco por Thiago Costa no piano e teclado, Sylvinho Mazzuca no baixo, David Moraes na guitarra e Cuca Teixeira na bateria, Maria Rita voltou com "Fascinação", "Romaria", "Madalena" e "Redecobrir". A turnê "Viva Elis" segue para Recife (1 de abril), Belo Horizonte (8), São Paulo, (22) e Rio de Janeiro (29 de abril). 


Notícia do Correio do Povo

quarta-feira, 21 de março de 2012

Eliminar a discriminação contra negros


Eliminar a discriminação contra negros


Há 52 anos, em 21 de março de 1960, cerca de vinte mil negros protestavam contra a lei do passe na cidade de Johanesburgo, na África do Sul. Lutavam contra um sistema que os obrigava a portar cartões de identificação que especificava os locais por onde podiam circular. Era uma das lutas contra o apartheid.
No bairro negro de Shaperville, os manifestantes se defrontaram com tropas de segurança daquele sistema odioso. O que era para ser uma manifestação pacífica se transformou em uma tragédia. As forças de segurança atiraram sobre a multidão, deixando 186 feridos e 69 mortos. Esse episódio ficou conhecido como o massacre de Shaperville.
Em memória às vítimas do massacre, em 1976, a ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Destacar esse acontecimento é importante para que nunca esqueçamos dessa face cruel do racismo, que não hesita em atirar em pessoas indefesas. Assim, há 36 anos, o dia 21 de março é um marco para a comunidade negra na luta contra o racismo e as discriminações. Ainda hoje, a influência do racismo impede que negros vivam em condições de igualdade com os não negros.
As ações afirmativas de cotas na universidade para os jovens negros, o Prouni, o programa de saúde para a população negra, o reconhecimento das terras dos remanescentes de quilombos, o combate à intolerância religiosa em face das religiões de matriz africana, entre outras ações, trazem para ordem do dia um pouco dos desafios que ainda temos de enfrentar para construir uma sociedade mais igualitária.
Contudo, podemos nos orgulhar pelos avanços dados nos últimos anos. Um deles foi a lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio das escolas pública e particular de todo o país.
Outro foi a lei 12.288, que dispõe sobre o Estatuto da Igualdade Racial. Essa é a primeira lei desde a abolição da escravidão que reúne inúmeras possibilidades para que o Estado brasileiro repare, de uma vez por todas, as desigualdades que são resquícios da escravidão.
A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu 2011 como o ano internacional dos povos afrodescendentes. Buscou com isso que os Estados independentes concentrassem ações para reparar as desigualdades raciais.
Visto que foi insuficiente aquele período de tempo, instituiu a década dos afrodescendentes, que será lançada em dezembro de 2012.
É a hora do fortalecimento das ações pela igualdade em todos os países que tenham tido mão de obra escrava como base de seu desenvolvimento capitalista, algo que originou desigualdades raciais de natureza histórica.
O mundo é melhor com as diferenças e diversidades. Vamos continuar avançando na construção da cidadania e do acesso igualitário aos bens econômicos e culturais para negros, indígenas, ciganos e todos os segmentos minoritários da sociedade.
O massacre dos jovens negros de Shaperville será lembrado para sempre. A luta deles nos inspira a caminhar pela igualdade de oportunidades e por sociedades livres do racismo e do preconceito.



Cristãos deixam o norte do Iraque


Cristãos deixam o norte do Iraque

POR JACK HEALY

TENNA, Iraque - Os poucos cristãos do Iraque, expulsos de seus lares por ataques e intimidações, estão começando a abandonar os refúgios que haviam encontrado no norte do país, por causa do desemprego e do temor de que a violência da qual fugiram os esteja acompanhando.
Seu discreto êxodo para Turquia, Jordânia, Europa e Estados Unidos é o mais recente capítulo de um declínio aparentemente inexorável do cristianismo numa terra onde as paisagens urbanas costumavam ser marcadas tanto por minaretes quanto por campanários. Recentes sondagens indicam que a população cristã do Iraque já encolheu para menos da metade desde a invasão norte-americana em 2003 e, com a retirada das forças dos EUA, alguns cristãos disseram ter perdido a sua última proteção.
Essa fuga é sentida em lugares como a aldeia de Tenna, que recebeu dezenas de migrantes cristãos nos últimos nove anos. As famílias que fugiam de esquadrões da morte e atentados a bomba em Bagdá encontravam segurança aqui -mas muita pobreza também. Os moradores estimam que, das cerca de 50 casas de cristãos, metade agora esteja vazia.
Walid Shamoon, 42, quer ir embora. Ele disse que fugiu em janeiro de 2011 da capital iraquiana, depois que um confronto com milicianos xiitas resultou em ameaças de morte e um atentado contra ele. Um irmão já havia sido morto seis anos antes e por isso ele disse que abriu mão de um salário de US$ 1.500 na embaixada da Austrália e fugiu para cá.
Mas hoje em dia ele só consegue pensar na sua solicitação de emigração para o Arizona (EUA). "Isto não é vida", disse ele. "Não há melhoria, não há trabalho."
Muita gente que hoje pena na zona curda do Iraque chegou após o atentado suicida de outubro de 2010 na igreja de Nossa Senhora da Salvação, em Bagdá. Foi o pior ataque contra cristãos no Iraque desde o começo da guerra, matando 50 fiéis e 2 padres.
Muitas famílias cristãs de Bagdá foram para o norte, para ficar com as comunidades cristãs da planície de Nínive e nas três províncias do Curdistão. Elas se juntaram a dezenas de milhares de outros cristãos de vários lugares do Iraque que trilharam caminhos parecidos após atentados e assassinatos anteriores.
"Eles trocaram tudo pela segurança", disse o reverendo Gabriel Tooma, superior do Mosteiro da Virgem Maria, na cidade de Qosh (norte), que acolheu dezenas de famílias.
Os cristãos compõem uma pequena fração entre os refugiados do Iraque, que são ao todo 1,3 milhão, segundo a ONU -dos quais muitos vivem em lixões e favelas, sob condições muito piores do que qualquer coisa enfrentada pelas famílias cristãs no Curdistão.
Ainda assim, os cristãos e outras minorias foram perseguidos durante os anos de limpeza sectária que dividiram a outrora diversificada Bagdá em bolsões sunitas e xiitas. Estimativas de organizações internacionais apontam que a população cristã do Iraque, que antes da guerra era de 800 mil a 1,4 milhão, caiu para menos de 500 mil pessoas.
"A consequência dessa luta pode ser o fim do cristianismo no Iraque", escreveu a Comissão para a Liberdade Religiosa Internacional dos EUA em seu mais recente relatório anual.
Em janeiro, a Organização Internacional para as Migrações revelou que 850 de 1.350 famílias cristãs monitoradas no norte do Iraque foram embora em 2011. Muitas citaram preocupações por não falarem curdo e dificuldades para encontrar trabalho, moradia e escolas em um lugar estranho. Também citaram receios com sua segurança.
"Ninguém tem feito nada por nós", disse Salim Yono Auffee, membro do Conselho Popular Caldeu/Assírio, entidade cristã do norte do Iraque. "Essas pessoas estão tentando descobrir como construir seu futuro, encontrar casas, casar. E elas estão deixando o Iraque."
Mesmo na relativa segurança do Curdistão, alguns cristãos dizem que ainda vivem apreensivos. O sequestro de um empresário cristão em Erbil, a capital curda, e uma recente onda de ataques e incêndios criminosos contra lojas de bebidas de propriedade de cristãos na província de Dohuk causaram profunda perturbação entre os migrantes.
O governo curdo oferece terra, combustível e outras formas de assistência aos cristãos que chegam de Bagdá. Apesar disso, muitas famílias relatam dificuldades para se manterem.
Os que estão próximos das cidades já arrumaram empregos, mas nas aldeias a maioria está desempregada e sobrevive com pensões do governo ou bolsas humanitárias de cerca de US$ 200 por mês. Essas famílias, em geral, pulam refeições e partilham o combustível da calefação. Muitas vezes, elas estão a quilômetros de distância de escolas que lecionam em árabe e alguns pais contam que seus filhos abandonaram os estudos.
A aldeia montanhosa de Dawudiyah é um lugar onde os moradores partilham histórias semelhantes de medo e fuga desde suas casas em Bagdá.
Um homem foi ameaçado de morte se não entregasse sua filha a militantes. O filho de um casal foi assassinado voltando do trabalho. O de outra família foi morto a tiros junto com três amigos.
"Era insuportável", disse Berkho Odeesho, prefeito da aldeia. "Encontramos segurança no Curdistão, mas as coisas estão ficando instáveis. Não sabemos mais aonde ir."
Colaborou Omar al-Jawoshy




Notícias anteriores sobre cristãos no Iraque, após a invasão dos Estados Unidos:





'Curió', o herói da ditadura


'Curió', o herói da ditadura

O major do Araguaia sabe o que aconteceu há 40 anos naquele fim de mundo, tomara que conte

Sete procuradores tentaram processar o tenente-coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o "Major Curió", pelo sequestro, há quarenta anos, de cinco prisioneiros na região do Araguaia. Ex-oficial do Centro de Informações do Exército, ex-agente do SNI, ex-prefeito de Curionópolis (eleito pelo PMDB) e ex-deputado federal, ele é um dos personagens emblemáticos da anarquia da ditadura. Começou sua carreira em 1973, no extermínio da Guerrilha do Araguaia, iniciativa do PC do B que começou com a fuga do chefe político e terminou com a fuga do chefe militar. Transformado em condestável da maior mina de ouro a céu aberto do mundo, em Serra Pelada, em 1984 liderou a maior revolta popular ocorrida na região. Mobilizando dezenas de milhares de garimpeiros, dobrou o governo federal.
Curió já foi comparado ao mítico Kurtz, personagem de "No Coração das Trevas", de Joseph Conrad, recriado por Francis Ford Coppola no Marlon Brando de "Apocalypse Now". Algum dia aparecerá alguém capaz de mostrar o Macunaíma que há nesse Kurtz tropical que virou nome de cidade. Ele começa participando de uma matança, torna-se monarca numa mina e, aos 78 anos, é um patriarca municipal e megalomaníaco.
Não se sabe se "Curió" participou das execuções de que é acusado, mas ele conhece como poucos a história do Araguaia. Atribuem-lhe dois valiosos vazamentos de informações sobre a ação do Exército. Curió tornou-se o mais conhecido entre os oficiais, mas nunca comandou a operação. Era detestado pelos militares, que viam nele um oportunista.
"Curió" poderia ser um precioso depoente. Os comandantes militares dizem que os documentos do Araguaia foram destruídos. Meia verdade. É possível saber quais foram os cabos, sargentos e oficiais mandados para lá. Basta requisitar a documentação das concessões de Medalhas do Pacificador entre 1973 e 1975. Nem todos aqueles que as receberam estiveram no Araguaia e muitos foram condecorados por relevantes serviços, mas todos os que lá estiveram as receberam. Nesses papéis estão registradas as épocas em que lá serviram. Quem chegou àquele fim de mundo depois de outubro de 1973 sabe que a ordem, vinda de Brasília, era de matar todo mundo. Executaram os prisioneiros, inclusive aqueles que acreditaram em folhetos que os convidavam à rendição. Foram cerca de 50 pessoas, na maioria jovens.
"Curió" pode ter executado prisioneiros, mas não foi o único a fazê-lo e quem o fez estava cumprindo ordens. De quem? Dos presidentes Emílio Médici e Ernesto Geisel, e dos ministros do Exército: Orlando Geisel, Dale Coutinho e Silvio Frota. Por terem cumprido essa e outras ordens, "Curió" e os demais combatentes do Araguaia receberam a medalha.


segunda-feira, 19 de março de 2012

"Não haverá paz sem Estado palestino"


"Não haverá paz sem Estado palestino"

Pacifista israelense Uri Avnery lança no Brasil "Outro Israel", livro de ensaios sobre os conflitos no Oriente Médio
Estudioso ataca mistura entre Estado e religião em Israel e defende a participação do Brasil no processo de paz

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

"Não é preciso odiar Israel para apoiar os palestinos. E não é preciso odiar os palestinos para apoiar Israel. É possível apoiar os dois -e a paz." As palavras são do histórico pacifista israelense Uri Avnery, 88. Para o estudioso, o Estado palestino será uma realidade e não haverá guerra com o Irã.
Avnery, que integrou um grupo paramilitar sionista e lutou na guerra de 1948 contra os árabes, foi o primeiro israelense a se encontrar pessoalmente com o líder palestino Yasser Arafat (1929-2004).
Hoje torce pela conciliação entre os palestinos do Hamas e do Fatah e avalia que a não separação entre Estado e religião em Israel "é fatal". Nesta entrevista, ele fala do conflito na região, tema de seu livro "Outro Israel", lançado agora no Brasil.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif
Folha - Como o sr. analisa o conflito israelo-palestino?
Uri Avnery - No momento, tudo é um impasse completo, exceto o esforço febril de Israel para tornar irreversível a ocupação dos territórios palestinos ocupados fazendo mais e mais assentamentos.
Israel vai atacar o Irã? O Irã vai atacar Israel?
Israel não vai atacar o Irã, e o Irã não vai atacar Israel. Israel e os EUA não vão atacar o Irã. As consequências econômicas e militares seriam muito catastróficas. Israel tem há décadas um arsenal nuclear. O Irã terá em breve seu próprio arsenal. Teremos que viver com um "equilíbrio do terror".
Como o sr. avalia o desempenho de Obama nessa questão?
Todos os presidentes dos EUA vivem o mesmo dilema: o lobby pró-Israel nos EUA é poderoso demais para ser enfrentado. Assim, a política norte-americana para a região, independentemente de partidos, é ditada por Israel. Obama chegou com boas intenções, mas foi forçado a ceder às exigências israelenses.
O Estado Palestino vai se tornar realidade?
Ao final haverá um Estado palestino independente. Não sei quando. Uma mudança na atitude norte-americana, embora improvável, pode ser parte disso. Não há alternativa para a solução de dois Estados, exceto a continuação desse status quo ruim.
O sr. teve um encontro histórico com Yasser Arafat em 1982. Por causa disso, o sr. foi deserdado. Qual foi o significado daquele encontro?
Foi um passo importante para o acordo de Oslo (1993), no qual Israel reconheceu o povo palestino, e os palestinos reconheceram Israel. Arafat era um líder único, que criou a nação moderna palestina e mais tarde deu origem as bases para a paz israelo-palestina. Ele tinha a vontade e a habilidade de conciliar os palestinos com Israel. Infelizmente, depois do assassinato de Yitzhak Rabin (1922-95), ele não teve parceiro israelense para a paz.
Quais são as chances de criação de um Estado binacional?
Nenhuma. Tal Estado seria um Estado de apartheid opressivo com uma perpétua guerra civil interna. A "solução" de um Estado único é um eufemismo para o desmantelamento do Estado de Israel. Um Estado binacional real não existe em nenhuma parte do mundo.
Como analisa a mistura entre religião e política em Israel?
A não separação entre Estado e religião e entre nação e religião em Israel (como no Paquistão) é fatal. A religião judaica em Israel, ao contrário da religião judaica em outros países, tem se tornado um credo tribal estreito, belicoso e intolerante, imbuído da crença de que o mundo está contra nós. A herança mental do Holocausto torna ainda pior essa atitude. A grande maioria dos judeus religiosos em Israel apoia a extrema direita, que é representada pelo atual governo.
O sr. fala sobre "limpeza étnica" em Jerusalém oriental. Por quê?
Por todos os meios, a direita israelense quer transformar Jerusalém, incluindo a área árabe ocupada, em uma cidade judaica homogênea.
Uma vez o sr. disse: "Você não pode falar comigo sobre terrorismo. Eu fui um terrorista". O que esta palavra (terrorista) significa hoje? Israel pode ser chamado de Estado terrorista?
Eu escrevi que a diferença entre Freedom Fighters (lutadores pela liberdade) e terroristas depende de que lado estamos. Quando eu tinha 15 anos, entrei para uma organização que se enxergava como um movimento de luta pela liberdade e que era oficialmente classificada pelo governo colonial britânico como "terrorista".
Israel não é nem mais nem menos um "Estado terrorista" do que a Rússia (Tchetchênia), os EUA (Guantánamo), a Grã-Bretanha (Malvinas), Índia (Caxemira) e a China (Tibete).
O sr. lutou na guerra árabe-israelense. Como vê os árabes hoje?
Espero sinceramente pela reconciliação entre o Fatah e o Hamas. Ambos fazem parte da realidade palestina. Metade de um povo não pode fazer a paz nem a guerra.
O que o sr. teria feito de diferente na sua trajetória?
Desde 1949 propus a criação de um Estado Palestino ao lado de Israel. Posso ter cometido muitos erros na minha vida, mas acredito que essa linha estava absolutamente certa.
Qual foi sua maior conquista?
Com meus amigos, convencer a grande maioria dos israelenses de que existe um povo palestino e que não haverá paz sem um Estado palestino.
E a sua maior frustração?
Que não tenhamos conseguido convencer a grande maioria de que a paz é possível.
Que participação o Brasil pode ter no processo de paz?
O Brasil pode fazer muito para mobilizar a comunidade internacional a trabalhar pela paz e reconciliação -o que significa apoiar a causa palestina sem virar anti-Israel.
Há um campo pacifista significativo em Israel que precisa de apoio, assim como entre os palestinos. Não é preciso odiar Israel para apoiar os palestinos. E não é preciso odiar os palestinos para apoiar Israel. É possível apoiar os dois -e a paz.
OUTRO ISRAEL
AUTOR Uri Avnery
TRADUÇÃO Caia Fittipaldi
EDITORA Civilização Brasileira
QUANTO R$ 39,90 (336 págs.)




Raio-X: Uri Avnery
VIDA
Nasceu em 1923, na Alemanha, indo para a Palestina em 1933, após a ascensão de Hitler. Participou de um grupo paramilitar sionista e lutou na guerra de 1948 contra os árabes. Foi o primeiro israelense a se encontrar com Yasser Arafat.
OBRA
Autor de "Outro Israel" (2011) e "My Friend, the Enemy" (1986), entre outros.


Entrevista e perfil publicados na Folha de São Paulo, 14/03/2012.  

A profecia: a nova bolha


A profecia: a nova bolha

É COMUM ler economistas de bancos espinafrar bancos, bancos centrais e observar como a política econômica é sequestrada pelos patrões deles -isso é comum no exterior, explique-se. Ao vivo, em conversa informal, alguns desses tipos mais divertidos e/ou inteligentes são ainda mais descarados na ironia ou no sarcasmo amargos, em especial depois do desastre de 2008.
Um desses tipos mais "pop" (na imprensa e TV financeiras) é Bob Janjuah, pessimista crônico ("bear"), analista ("chefe de alocação tática de ativos") do Nomura, bancão e corretora etc. do Japão.
Vale citar um relatório de Janjuah, de fim de fevereiro, a respeito do presente desarranjo financeiro mundial, uma opinião, aliás, nada rara entre seus colegas.
Grécia e eurozona: "As políticas parecem centradas na proteção e na preservação de interesses particulares, com pouca consideração pelas terríveis condições em que o povo da Grécia e outros 'periféricos' são forçados a viver. No entanto, os líderes europeus estão para colocar [e colocaram] ainda mais dinheiro no buraco sem fundo que é a Grécia, principalmente a fim de ajudar os bancos da Europa, ao custo talvez de uma década de sofrimento da populaça grega".
Sobre a troca forçada de governos na Itália e na Grécia, em 2011, que Janjuah chama de "totalitarismo": "Esse não é só um fenômeno da eurozona, mas é evidente que a remoção de governos eleitos para dar lugar a tecnocratas bem enturmados que simplesmente servem aos interesses da elite tornou-se uma especialidade da Europa".
O poder da banca: "Os bancos seriam tão poderosos que nós todos estaríamos presos a eles e ao maior dos 'nonsenses', o de que calotes ["defaults"] nunca deveriam acontecer (a menos que sejam triviais e muito insignificantes)?".
Janjuah espezinha as políticas de Mario Draghi e Ben Bernanke (presidentes do Banco Central Europeu e dos EUA, o Fed, respectivamente). Diz que os bancos centrais ajudaram a criar a crise que estourou de vez em 2008, pois mantiveram os juros muito baixos por muito tempo, o que provocou péssima alocação de capital e, enfim, bolhas. Draghi e Bernanke estariam agora repetindo e aumentando a dose, com "impressão" maciça de dinheiro.
"Tais bolhas servem para criar a ilusão de que estamos 'mais ricos' [devido ao aumento do preço de ações e outros ativos financeiros, o que pode criar uma confiança artificial e despesas excessivas]."
Bolha: "Admitindo que estamos de novo em outra disparada [nas Bolsas etc.] movida a liquidez [dinheiro dos BCs], cortesia de Draghi e Bernanke, então precisamos lembrar de umas coisas. Primeiro, tais disparadas podem durar dias, semanas, meses, talvez até 2013... Segundo, quando procurar onde as bolhas estão, pense o seguinte: elas estão em todo lugar. Terceiro, quando essa bolha estourar, não vai haver saída fácil. Quem virá com o dinheiro de socorro [Janjuah diz que governos já estão superendividados, e os BC, lotados de empréstimos]?".
Sinal dos tempos: "O fim da bolha será sinalizado pela anarquia monetária, que vai criar mais inflação na economia real, ou pelo colapso deflacionário do crédito...".
Por fim: Janjuah não é um esquerdista infeliz a soldo da banca. É um economista padrão, "liberal".


O engano de Elio Gaspari



Dentro de poucos meses estará navegando nos oceanos ao redor do mundo o petroleiro João Cândido, fabricado no Estaleiro Atlântico Sul, em Suape, município de Ipojuca, situado 30 km ao sul do Recife. Até alguns anos atrás o local do estaleiro era um grande areal, na região da Mata Sul de Pernambuco, cuja economia era baseada na tradicional cultura da cana-de-açúcar, e em tempos recentes também no turismo, por conta das belas praias tropicais de águas mornas.
Em 2003, por orientação do Presidente Lula, a Petrobras anunciou que passaria a comprar petroleiros, plataformas e navios de transportes fabricados no Brasil. Os empresários interessados em fabricar navios poderiam receber financiamentos do Fundo de Marinha Mercante e do BNDES. Logo vários grupos empresariais se formaram para criar estaleiros em Suape (PE), no Rio Grande (RS), e para soerguer os antigos estaleiros sucateados no Rio de Janeiro. Eles participaram das licitações da Transpetro, o braço naval da Petrobras, assinaram contratos de encomendas e começaram a construir suas instalações, treinar e selecionar pessoal para fabricar navios.
Na região da Mata Sul de Pernambuco houve uma verdadeira revolução. Até então a maioria dos homens só tinha emprego na época da safra de cana, grande parte como bóias-frias. Ou então como funcionários dos hotéis. As mulheres tinham poucas opções além de serem donas de casa. Milhares de pessoas se inscreveram para fazer cursos de soldador, ferramenteiro, torneiro, eletricista, muitos oferecidos pelo SENAI com apoio do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás, o PROMIMP. Foi o governo que tomou a decisão de recuperar e dinamizar a indústria naval brasileira. O empresariado nacional enxergou novas oportunidades e respondeu aos desafios.
Processo semelhante ocorre em todos países que se industrializaram. Os governos formulam políticas industriais e criam instrumentos de apoio, contratando empresas para desenvolver produtos com recursos não-reembolsáveis, financiando e concedendo incentivos fiscais para a produção, assegurando a compra dos produtos, e também protegendo seus mercados contra a importação de produtos similares. Os empresários entram com coragem, capacidade de gestão, com ambição e, as vezes, com recursos próprios.
Casos emblemáticos são o da indústria de micro-eletrônica, da qual o mundo hoje tanto depende, que foi criada nos Estados Unidos com forte apoio do programa espacial da NASA, e da indústria aero-espacial, estimulada e mantida pelas encomendas das forças armadas. Exemplo recente do protecionismo está no cancelamento pelo governo americano do contrato de compra de aviões da Embraer, que tinha vencido licitação da Força Aérea dos EUA.
Em 2007 começou a ser construído o petroleiro João Cândido, formado por milhares de chapas de aço, soldadas manualmente uma a uma, como são feitos os navios em todo o mundo. A estrutura e a carcaça do navio foram construídas dentro do dique seco. Em 2010, com a estrutura e a parte externa do navio concluídas, as comportas do dique foram abertas, ele foi inundado, o navio flutuou e foi lançado ao mar. Desde então trabalha-se na construção do recheio do navio, instalações, máquinas e equipamentos, com o navio flutuando ancorado no cais do estaleiro, deixando o dique seco para a montagem de outro navio.
Por isso o João Cândido foi lançado ao mar em 2010 e ainda não está em operação. É o primeiro navio construído em Pernambuco. É verdade que houve atrasos na fabricação de suas instalações. Certamente houve erros. Mas não erra quem não faz. E não se aprende sem errar. O Estaleiro Atlântico Sul emprega hoje cerca de 5 mil pessoas e gera cerca de 25 mil empregos indiretos. Os estaleiros em operação no Brasil empregam diretamente mais de 50 mil pessoas. A grande maioria estaria sem emprego se o Governo Lula não tivesse decidido revitalizar nossa indústria naval.
No último domingo milhares de leitores leram em diversos jornais do Brasil a celebrada coluna do Élio Gaspari, escritor e jornalista do maior respeito, de quem sou admirador e leitor assíduo. Intitulado “Reapareceu o mico da construção naval”, o artigo critica o que chama de anabolização da indústria naval brasileira pelo Governo Lula. Ele afirma que “de cada 10 operários, 8 trabalham para encomendas da Petrobras. Tudo bem, mas um navio que custa US$ 60 milhões em Pindorama sai por US$ 35 milhões em outros países. A Vale, que não é boba, contrata navios na China.”
Não pude deixar de lembrar o editorial de um grande jornal brasileiro do dia 8 de outubro de 1953, poucos dias após o Congresso Nacional aprovar a criação da Petrobras. “A atitude do governo federal em relação ao problema do petróleo denuncia absoluta irresponsabilidade em face dos interesses nacionais. Quanto à urgente necessidade de tudo se fazer com o objetivo de prospectar e explorar as riquezas pretrolíferas que o nosso subsolo porventura encerre, a solução encontrada foi criação da Petrobras, que onerará excessivamente os contribuintes, a ponto de prejudicar a economia nacional, sem nos trazer a menor esperança de resultados positivos. A Petrobrás significará um considerável desperdício de dinheiro e de tempo, atestando nossa incapacidade de resolver um dos mais urgentes problemas econômicos nacionais.”
O grande jornal estava a serviço das classes mais conservadoras do Brasil, com seus preconceitos e grandes interesses. O Gaspari certamente não está a serviço das mesmas classes. Mas nem por isso deixa de servir certos interesses, quando usa de sua autoridade e seu prestígio para escrever artigo com tamanho engano.
Ele aponta erros na fabricação de navios no Brasil, mas não relembra que há poucos meses atrás, um navio importado pela Vale não suportou a carga de minério num porto do Maranhão e quase causou um grande desastre ambiental. E ao comparar o preço do navio fabricado no Brasil com o do importado, ele não considera o enorme valor da geração de milhares de empregos no Brasil. E não leva em conta que a industrialização do País não pode ser feita ao bel prazer das empresas estrangeiras que aqui se instalam, atraídas por nosso grande mercado. O País não está condenado a ser eterno exportador de matérias primas e importador de máquinas e equipamentos.


Texto de Sergio Rezendo Machado, visto no Blog do Luís Nassif

domingo, 18 de março de 2012

Morreu o papa copta no Egipto Shenuda III

As causas da morte não são conhecidas. Shenuda III tinha problemas de saúde há vários anos – a agência estatal MENA refere que sofria de insuficiência hepática e de um tumor nos pulmões – e na semana passada já fora obrigado a anular a sua celebração semanal.

A morte do carismático líder da Igreja copta, cargo que ocupava desde 1971, como 117.º sucessor do evangelista S. Marcos, acontece numa altura em que o frágil processo democrático no Egipto continua ameaçado depois de um ano de sucessivos ataques violentos contra os coptas e de confrontos confessionais, após a queda do antigo Presidente Hosni Mubarak.

Líder carismático, mas também polémico, Shenuda III conduziu com mão-de-ferro a comunidade copta no país, que hoje representa 10% da população, e foi uma voz a favor da unidade entre as igrejas e os fiéis.

Nazeer Gayed nasceu a 3 de Agosto de 1923. Licenciou-se em História na Universidade do Cairo em 1947, foi professor de Ciências Sociais e Inglês, e falava com fluência árabe, copta e francês.

Apelidado o “papa de Alexandria e patriarca da Sé de S. Marcos”, viria a ser o primeiro papa copta a visitar os Estados Unidos e, no interior do Egipto, passaria do confronto à conciliação com o poder, num país maioritariamente islâmico.

Nos últimos anos teve de enfrentar uma escalada de violência contra os seus fiéis. A sua morte acontece num momento de particular tensão sobre a transição política.

Em Outubro, a poucas semanas do início das eleições, uma manifestação pacífica de coptas, que protestavam contra o incêndio de uma igreja no Sul do país, foi reprimida a tiro pela polícia militar. Morreram 24 pessoas. Activistas coptas e muçulmanos acusaram o Exército de ter disparado a matar contra manifestantes pacíficos para criar divisões entre os egípcios.

A queda de Hosni Mubarak, em Fevereiro de 2011, veio agravar o sentimento de marginalização da comunidade copta e, com isso, aumentar a insegurança no país. Antes, em Janeiro do ano passado, um atentado matou 23 pessoas e deixou feridas 79, a maioria das quais cristãs que saíam de um igreja copta em Alexandria, depois da missa de Ano Novo.

Já depois de a revolução popular fazer cair Mubarak, 13 pessoas foram mortas, a 8 de Março do ano passado, em confrontos entre muçulmanos e coptas no Cairo, onde cerca de mil cristãos protestavam contra um incêndio no Sul da capital. Em Maio, confrontos entre muçulmanos e coptas resultaram em 12 mortos e mais de 200 feridos na capital, depois de um ataque a uma igreja e o novo incêndio.

Shenuda III incentivou a comunidade copta a votar em massa nas primeiras eleições legislativas pós-Mubarak. Os resultados preocuparam alguns coptas, com o partido da Irmandade Muçulmana a sair vencedor - seguidos dos islamistas radicais salafistas. Em terceiro lugar ficou o Bloco Egípcio, que reúne vários liberais e conta com muito apoio entre os cristãos coptas.


Notícia do Público.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Uma dama e seu fantasma


Uma dama e seu fantasma

Tinham me dito que "A Dama de Ferro" era um filme chatíssimo. Resisti a acreditar nessa opinião, porque a vida de uma personagem tão polêmica como Margaret Thatcher não teria como despertar indiferença. É verdade que a cinebiografia dirigida por Phyllida Lloyd trata pouco dos conflitos políticos vividos pela primeira-ministra conservadora. É bem mais um filme sobre a tragédia de uma senhora bem vestida sendo consumida aos poucos pelo mal de Alzheimer.
Os esquecimentos, a fragilidade espiritual e as alucinações de Margaret Thatcher (ela conversa o tempo todo com Denis, o marido já morto), ocupam uns bons três quartos do filme. A razão para isso me parece clara. O desafio era "humanizar" uma líder política famosa pela inflexibilidade, pela adesão ao liberalismo econômico na forma extremada que tomou no começo da década de 1980.
A dose de Alzheimer teve de ser cavalar, para que não nos chocassem as atitudes de Thatcher no auge de suas forças.
Se o propósito do filme fosse mais informativo e menos sentimental, os prós e contras de seu governo poderiam ser abordados de forma mais interessante.
A escolha de Phyllida Lloyd foi outra: dar uma visão favorável da política de Thatcher, sem ignorar que a antipatia da primeira-ministra era indissociável de seu sucesso. Anestesiou-se o lado antipático, assim, numa névoa de enfermidade -tanto mais espessa quanto menos amável a personagem.
A ironia é que o lado lacrimoso do filme seria a primeira coisa a suscitar em Thatcher acessos de desprezo. Talvez ela preferisse nunca ter sido primeira-ministra se soubesse que teria de pagar o preço de ser retratada como uma anciã perdida e vacilante.
"O que a senhora está sentindo?", pergunta-lhe o médico a certa altura da doença. É motivo bastante para um belo destampatório da ex-governante. Ninguém mais fala "eu penso", diz ela. Só se fala "eu sinto, nós sentimos etc.". Quer saber de ideias, de pensamentos, não de "feelings". É uma lição que o filme poderia ter seguido. Os flashes sobre o governo Thatcher são reduzidos ao mínimo.
Mas também não estou pedindo um documentário nem mesmo um filme de crítica às medidas tomadas pela Dama de Ferro; em retrospecto, sempre se pode aprovar uma estratégia que no fim deu certo para a economia inglesa.
O preço poderia ser outro, a estratégia poderia ser outra? É sempre o que não se sabe direito quando o resultado é um "sucesso". Os mortos, os perdedores, os falidos não falam mais.
O conservadorismo dessa cinebiografia é mais profundo, a meu ver, do que sua rápida adesão às estratégias thatcheristas. O foco da narrativa é tão centrado na coragem (inegável) da personagem, que sua ascensão ao poder surge como um conto de fadas.
Num dia, ela é a jovenzinha filha de quitandeiro, amargando uma digna derrota em sua primeira incursão eleitoral. No outro dia, ela recebe competente assessoria de imagem, sua campanha arrasta multidões. Quem a financiou? Quais suas alianças? Quem, apesar de tantos adversários, estava a seu favor?
Não sabemos -porque todo sucesso, no credo conservador, se reduz ao mérito do indivíduo isolado. Claro que Thatcher estava acima dos demais políticos, mas não se fez sozinha.
Escolheu quem queria agradar, enquanto desagradava os "acomodados", os "vagabundos", os "socialistas", toda essa laia de aproveitadores que nada têm em comum com grandes acionistas de bancos, duques, proprietários de terra e tantos outros membros das classes mais esforçadas da população.
Como isso não é mostrado, o duro "realismo" conservador de Thatcher se transforma na história açucarada da mocinha que vence na vida. O fantasma do marido, que tantas vezes reaparece no filme, cumpre assim uma função na dramaturgia: é o antagonista, e o aliado, numa história em que a personagem principal é concebida em completo isolamento.
O ideal do indivíduo determinado, incapaz de dúvidas, coberto de méritos, capaz de voltar-se contra tudo e contra todos, tem sempre a cercá-lo com uma irrealidade básica, que se materializa no ectoplasma do marido. Não é entretanto o fantasma de Denis, mas o de Thatcher, que continua a nos assombrar.
Tanta insistência em sua agonia e declínio talvez seja, inconscientemente, o modo que o filme encontrou para lidar com essa assombração.