segunda-feira, 19 de março de 2012

"Não haverá paz sem Estado palestino"


"Não haverá paz sem Estado palestino"

Pacifista israelense Uri Avnery lança no Brasil "Outro Israel", livro de ensaios sobre os conflitos no Oriente Médio
Estudioso ataca mistura entre Estado e religião em Israel e defende a participação do Brasil no processo de paz

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

"Não é preciso odiar Israel para apoiar os palestinos. E não é preciso odiar os palestinos para apoiar Israel. É possível apoiar os dois -e a paz." As palavras são do histórico pacifista israelense Uri Avnery, 88. Para o estudioso, o Estado palestino será uma realidade e não haverá guerra com o Irã.
Avnery, que integrou um grupo paramilitar sionista e lutou na guerra de 1948 contra os árabes, foi o primeiro israelense a se encontrar pessoalmente com o líder palestino Yasser Arafat (1929-2004).
Hoje torce pela conciliação entre os palestinos do Hamas e do Fatah e avalia que a não separação entre Estado e religião em Israel "é fatal". Nesta entrevista, ele fala do conflito na região, tema de seu livro "Outro Israel", lançado agora no Brasil.
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Folha - Como o sr. analisa o conflito israelo-palestino?
Uri Avnery - No momento, tudo é um impasse completo, exceto o esforço febril de Israel para tornar irreversível a ocupação dos territórios palestinos ocupados fazendo mais e mais assentamentos.
Israel vai atacar o Irã? O Irã vai atacar Israel?
Israel não vai atacar o Irã, e o Irã não vai atacar Israel. Israel e os EUA não vão atacar o Irã. As consequências econômicas e militares seriam muito catastróficas. Israel tem há décadas um arsenal nuclear. O Irã terá em breve seu próprio arsenal. Teremos que viver com um "equilíbrio do terror".
Como o sr. avalia o desempenho de Obama nessa questão?
Todos os presidentes dos EUA vivem o mesmo dilema: o lobby pró-Israel nos EUA é poderoso demais para ser enfrentado. Assim, a política norte-americana para a região, independentemente de partidos, é ditada por Israel. Obama chegou com boas intenções, mas foi forçado a ceder às exigências israelenses.
O Estado Palestino vai se tornar realidade?
Ao final haverá um Estado palestino independente. Não sei quando. Uma mudança na atitude norte-americana, embora improvável, pode ser parte disso. Não há alternativa para a solução de dois Estados, exceto a continuação desse status quo ruim.
O sr. teve um encontro histórico com Yasser Arafat em 1982. Por causa disso, o sr. foi deserdado. Qual foi o significado daquele encontro?
Foi um passo importante para o acordo de Oslo (1993), no qual Israel reconheceu o povo palestino, e os palestinos reconheceram Israel. Arafat era um líder único, que criou a nação moderna palestina e mais tarde deu origem as bases para a paz israelo-palestina. Ele tinha a vontade e a habilidade de conciliar os palestinos com Israel. Infelizmente, depois do assassinato de Yitzhak Rabin (1922-95), ele não teve parceiro israelense para a paz.
Quais são as chances de criação de um Estado binacional?
Nenhuma. Tal Estado seria um Estado de apartheid opressivo com uma perpétua guerra civil interna. A "solução" de um Estado único é um eufemismo para o desmantelamento do Estado de Israel. Um Estado binacional real não existe em nenhuma parte do mundo.
Como analisa a mistura entre religião e política em Israel?
A não separação entre Estado e religião e entre nação e religião em Israel (como no Paquistão) é fatal. A religião judaica em Israel, ao contrário da religião judaica em outros países, tem se tornado um credo tribal estreito, belicoso e intolerante, imbuído da crença de que o mundo está contra nós. A herança mental do Holocausto torna ainda pior essa atitude. A grande maioria dos judeus religiosos em Israel apoia a extrema direita, que é representada pelo atual governo.
O sr. fala sobre "limpeza étnica" em Jerusalém oriental. Por quê?
Por todos os meios, a direita israelense quer transformar Jerusalém, incluindo a área árabe ocupada, em uma cidade judaica homogênea.
Uma vez o sr. disse: "Você não pode falar comigo sobre terrorismo. Eu fui um terrorista". O que esta palavra (terrorista) significa hoje? Israel pode ser chamado de Estado terrorista?
Eu escrevi que a diferença entre Freedom Fighters (lutadores pela liberdade) e terroristas depende de que lado estamos. Quando eu tinha 15 anos, entrei para uma organização que se enxergava como um movimento de luta pela liberdade e que era oficialmente classificada pelo governo colonial britânico como "terrorista".
Israel não é nem mais nem menos um "Estado terrorista" do que a Rússia (Tchetchênia), os EUA (Guantánamo), a Grã-Bretanha (Malvinas), Índia (Caxemira) e a China (Tibete).
O sr. lutou na guerra árabe-israelense. Como vê os árabes hoje?
Espero sinceramente pela reconciliação entre o Fatah e o Hamas. Ambos fazem parte da realidade palestina. Metade de um povo não pode fazer a paz nem a guerra.
O que o sr. teria feito de diferente na sua trajetória?
Desde 1949 propus a criação de um Estado Palestino ao lado de Israel. Posso ter cometido muitos erros na minha vida, mas acredito que essa linha estava absolutamente certa.
Qual foi sua maior conquista?
Com meus amigos, convencer a grande maioria dos israelenses de que existe um povo palestino e que não haverá paz sem um Estado palestino.
E a sua maior frustração?
Que não tenhamos conseguido convencer a grande maioria de que a paz é possível.
Que participação o Brasil pode ter no processo de paz?
O Brasil pode fazer muito para mobilizar a comunidade internacional a trabalhar pela paz e reconciliação -o que significa apoiar a causa palestina sem virar anti-Israel.
Há um campo pacifista significativo em Israel que precisa de apoio, assim como entre os palestinos. Não é preciso odiar Israel para apoiar os palestinos. E não é preciso odiar os palestinos para apoiar Israel. É possível apoiar os dois -e a paz.
OUTRO ISRAEL
AUTOR Uri Avnery
TRADUÇÃO Caia Fittipaldi
EDITORA Civilização Brasileira
QUANTO R$ 39,90 (336 págs.)




Raio-X: Uri Avnery
VIDA
Nasceu em 1923, na Alemanha, indo para a Palestina em 1933, após a ascensão de Hitler. Participou de um grupo paramilitar sionista e lutou na guerra de 1948 contra os árabes. Foi o primeiro israelense a se encontrar com Yasser Arafat.
OBRA
Autor de "Outro Israel" (2011) e "My Friend, the Enemy" (1986), entre outros.


Entrevista e perfil publicados na Folha de São Paulo, 14/03/2012.  

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