quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Bill Gates, o bonzinho


Bill Gates, o bonzinho

A entrevista de Bill Gates a Raul Juste Lores, na Folha de S.Paulo, deverá inspirar um imenso cortejo de bajuladores brasileiros, que logo irão apontar o primeiro bilionário da internet como exemplo a ser seguido.

Não faltam pessoas prontas para elogiar os muito ricos e bem sucedidos por qualquer coisa – de preferência estrangeiros, que alimentam o conhecido complexo de vira-latas dos críticos de nossa  vidinha social. 
 
Bill Gates conta na entrevista que já doou grande parte de sua fortuna pessoal a entidades filantrópicas e agora pretende convencer seus pares do mundo inteiro a fazer a mesma coisa. 
 
Sua ideia é que o pessoal que representa 1% (ou menos) da população mundial, mas controla 99% (ou mais) da riqueza, tenha bom coração e entregue 95% para a caridade. 
 
Não custa reconhecer que, em matéria de utopias,  já tivemos ideias mais ousadas. 
 
Warren Buffet, bilionário do mesmo patamar que Bill Gates, foi mais coerente quando disse que os ricos pagam pouco imposto – e havia chegado a hora de o Estado cobrar mais.
Buffet também faz doações para instituições de caridade, mas reconhece a diferença entre uma coisa e outra.
 
A cobrança do imposto dos ricos, eliminado há mais de 30 anos nos EUA pelos republicanos, sempre foi uma forma de a sociedade cobrar dos bilionários uma retribuição pelos recursos acumulados.
Um instrumento da República para contribuir para a igualdade entre os cidadãos. 
 
Isso porque nenhuma fortuna é obra de um indivíduo isolado. É um produto social, onde entram consumidores, investidores, clientes – e todo um conhecimento acumulado ao longo da história, que é patrimônio da humanidade.
No caso específico das fortunas da era tecnológica, não custa recordar que as inovações vieram acompanhadas de práticas monopolistas condenáveis e mesmo iniciativas para impedir o crescimento de concorrentes que foram parar na Justiça. Basta lembrar a disputa entre o sistema Windows e o Linux, não é mesmo? Ou entre o Internet Explorer e seus adversários. 
Num artigo do início da década  passada, o New York Times definia a internet como uma colônia dos Estados Unidos. 
 
Pioneiros da internet argumentam que essas práticas ajudaram a tornar o acesso à rede de computadores mais caro, mais difícil e mais exclusivo.  
Escrevo isso para dizer que as fortunas contemporâneas não são o capítulo final de um conto de fadas envolvendo um empreendedor com grandes ideias e muita perseverança num mundo de preguiçosos, decrépitos e pouco inteligentes. Há iniciativa, pode até haver genialidade, mas há luta, confronto, jogo de interesses e esquemas de poder. 
 
Basta doar uma moeda de 1 real num semáforo para perceber uma coisa. Além do benefício imediato que este gesto pode causar – inegável em várias situações, pernicioso em outras –, essa moeda representa uma transferência de poder. Ainda que por uns minutos, aquele sujeito que recebeu o donativo deve gratidão ao doador. Irá lhe dizer palavras reverentes, respeitosas.
 
É por isso que há mais de 2 000 anos a Igreja Católica tornou-se a maior instituição de caridade que se conhece. Não vamos negar os benefícios que essa atividade da Igreja trouxe para muitas pessoas. Nem vamos esquecer o papel de padres e bispos no combate a regimes tirânicos, como a ditadura militar brasileira.
 
Mas basta visitar os tesouros do Vaticano para entender uma outra mensagem. Se distribuiu bondades, patrocinou artes e cultura, a Igreja também acumulou riqueza e muito poder. Financiou guerras, organizou exércitos, abençoou a colonização e fechou os olhos para tantos crimes em troca do direito de catequizar as almas do Novo Mundo. Em 1964, estava lá – abençoando tanques e baionetas. 
 
Isso porque o principal compromisso de uma instituição desta natureza é com ela mesma, com sua preservação e expansão. 
 
Com todas as distâncias guardadas, é razoável observar que nossos filantropos pertencem à mesma escola e filosofia. A questão é a autopreservação. 
 
Doadores milionários são os patrocinadores das principais ONGs no mundo. Dirigem sua atividade, escolhem seus dirigentes e definem, conforme suas opções ideológicas, quais causas serão estimuladas e quais serão combatidas ou marginalizadas. 
 
Sua fortuna serve, assim, como força política. Têm um poder de pressão acima de qualquer cidadão comum. Identificadas – corretamente ou não – a partir de causas generosas, que envolvem questões necessárias, têm uma legitimidade única. 
 
Fazem uma atividade que, em outras situações seriam identificadas como simples atuação de lobistas – mas agora são chamados de ativistas. Entram em parlamentos, são recebidas por ministros, disputam verbas públicas. Fazem política sem precisar comprar o debate público nem pedir votos – porque seu sustento vem de fora, de donativos que os bilionários adoram sustentar. Como são privadas, não precisam prestar contas – nem fazer balanços políticos. 
 
A expansão das ONGs nas últimas décadas coincide com um desmanche do Estado de Bem-Estar Social nos Estados Unidos e na Inglaterra, nos anos de Ronald Thatcher e Margaret Reagan. O corte de verbas públicas – inspirado pelo fim dos impostos para os mais ricos – foi tão grande que criou novos bolsões de pobreza e abismos entre os cidadãos. 
 
Serviços que eram públicos se tornaram privados – ao alcance de quem poderia pagar por eles – reservando-se poucas migalhas para quem estava nos degraus inferiores da pirâmide. Os pensionistas da Previdência Pública eram tratados como marajás e estigmatizados. 
 
Nessa situação de emergência social, era preciso chamar as boas almas (sim, boas almas, porque elas existem) da classe média para olhar pelo destino dos pobres. 
 
Foi neste período que as ONGs se expandiram, ganharam recursos e adeptos, como a face generosa de um processo perverso. 
 
Empresas “generosas” contratavam funcionários que eram obrigados a prestar serviços “voluntários” em suas horas de folga. 
 
Cidadãos de alma caridosa foram convencidos de que “mais vale acender uma vela na noite do que maldizer a escuridão” – e nunca mais se perguntaram a origem de tudo aquilo.  
 
Dá para entender que ninguém é bonzinho nesta história, não é mesmo? 

Preconceito dá prejuízo


No último dia 12, um menino negro de sete anos, filho de um casal de brancos, foi destratado pelo gerente de uma concessionária da BMW no Rio de Janeiro, que ao vê-lo se aproximar teria dito: "Você não pode ficar aqui dentro. Aqui não é lugar para você. Saia da loja. Eles pedem dinheiro e incomodam os clientes".
O fato é uma lamentável demonstração de preconceito, mas não é surpreendente. Em razão da notícia, a rádio CBN reapresentou uma reportagem na qual dois repórteres, um negro e outro branco, de idades próximas e vestindo roupas parecidas, testaram o atendimento que receberiam em estabelecimentos comerciais cariocas.
O tratamento dado ao negro foi sistematicamente pior e em boa parte das vezes nem sequer foi atendido. Em uma loja de roupas masculinas, ao branco foi oferecido um terno de maior qualidade, e, ao negro, o mais barato.
O diabo é que os preconceitos se devem a uma poderosa capacidade humana, a de fazer generalizações a partir de experiências limitadas. Poderosa, mas falível.
Preconceitos como o racismo ou o sexismo são frutos de generalizações indevidas e estigmatizadoras. Porém, sem conceitos prévios (preconceitos), que permitam tomar decisões rápidas, teríamos dificuldade para fazer coisas simples, como dirigir ou escolher um restaurante sem ter uma indicação.
Ainda assim, vale uma constatação etimológica: preconceito é sinônimo de prejuízo (em inglês, preconceito é "prejudice"). Nossos antepassados, ao criar suas línguas, perceberam que conceitos ou juízos prévios costumam levar a perdas, a ideias equivocadas. A loja da BMW teve um baita prejuízo com o episódio. Evitar comer um queijo mofado pode ser sensato, mas corre-se o risco de desprezar uma iguaria.
Isso não significa que se deva deixar de fazer generalizações, mas uma certa parcimônia é proveitosa. No caso da concessionária, o tratamento dado a uma criança que se aproximava foi indevido mesmo que ela não fosse filha de clientes.
Um bom vendedor se esforça para atender a todos bem, mesmo que muitas vezes perca tempo. Contudo, a força da capacidade humana de generalizar costuma prejudicar o exercício desse tipo de cuidado.
No Brasil, ser negro é uma marca de pobreza. Tal generalização não só condiz bem com a realidade como carrega outras generalizações associadas à pobreza. Por exemplo, se num comércio de luxo aparece uma criança pedindo esmolas, é provável que muitos clientes prefiram ver o gerente colocando-a para fora da loja a ter que lidar com o incômodo da pobreza que existe no país.
Os casos destacados não são surpreendentes, portanto. Por isso, em 19/07/2004, defendi em artigo publicado na Folha que as cotas raciais devem servir para diversificar a elite brasileira, de forma que ela passe a espelhar melhor a pluralidade étnica da população.
Crescimento econômico, redução das disparidades sociais e políticas públicas, como educação boa e universal, são cruciais para o país ser melhor, mas não tendem a tornar a elite mais plural.
Nos EUA, há uma significativa elite negra. A riqueza americana contribui para isso, mas o país já era rico quando, nos anos 60, Kennedy teve que mandar tropas federais para garantir a matrícula de negros na Universidade do Alabama. Depois, vieram as cotas raciais e os direitos civis. Hoje, o presidente da República é negro.
Anos depois desse primeiro artigo, a constatação é que o debate das cotas ajudou a colocar o tema racial na agenda brasileira. O percentual de autodeclaração de negros e pardos no censo do IBGE subiu significativamente. Os estudantes cotistas têm em geral bom desempenho acadêmico.
Apesar desses bons resultados, muitos entendem que as cotas racializam o país. Talvez, mas nesse caso é preciso apresentar outras opções para desrracializar a sociedade brasileira, pois isso é um fato, como mostram os exemplos dados.
Outros acreditam que o problema é existirem elites. Como a existência de elites é insofismável, prefiro que a brasileira não seja apenas branca. Tampouco sou contra as elites, que podem ter papéis importantes, como o de garantir que numa democracia a vontade da maioria seja temperada pelos direitos individuais.
Ruim é o elitismo, que ocorre quando a elite acredita que quem atrapalha o país é o seu povo. Para isso, a diversificação da elite é um bom remédio.
O poder econômico é uma arma poderosa contra os preconceitos.


Judeus etíopes cobram de Israel inquérito sobre contraceptivo polêmico


A Associação dos Judeus Etíopes em Israel está exigindo que o Ministério da Saúde abra uma investigação sobre a administração em mulheres etíopes de um anticoncepcional polêmico por conta de seus efeitos colaterais.
A droga, chamada depo-provera, teria sido administrada durante anos, sem que as mulheres fossem informadas de suas consequências e sem a possibilidade de recorrer a outros meios anticoncepcionais.
A exigência foi apresentada após o Ministério da Saúde ter recomendado que a indicação do medicamento seja feita com mais restrições.
De acordo com uma carta do diretor-geral do Ministério da Saúde, Roni Gamzu, enviada aos principais planos de saúde do país, "de agora em diante, os médicos ginecologistas não deverão renovar receitas de depo-provera para mulheres etíopes ou de outras origens, se houver dúvidas acerca da compreensão das consequências do tratamento".
A diretora da Associação dos Judeus Etíopes, Ziva Mekonen Dego, disse à BBC Brasil que considera "especialmente grave" o fato de que, mesmo depois de chegar a Israel, as mulheres etíopes continuaram recebendo as injeções "sem saber dos efeitos colaterais".
De acordo com relatórios de ONGs de direitos humanos, mulheres foram induzidas a tomar depo-provera durante anos, enquanto esperavam para imigrar para Israel, em campos de transição na cidade de Gondar, na Etiópia.
Vacina
Segundo depoimentos de mulheres etíopes nos campos administrados por representantes de Israel e da organização judaica humanitária Joint, elas receberam injeções de depo-provera e, em alguns casos, pensavam que tratava-se de "vacina".
O remédio geralmente é recomendado em casos de mulheres que não são capazes de controlar e decidir sobre que tipo de anticoncepcional querem utilizar e que sofrem de doenças mentais graves ou de síndrome de Down.
Para a cientista política Hedva Eyal, da ONG feminista Isha Leisha e autora de uma pesquisa sobre mulheres etíopes que foram induzidas a tomar depo-provera, nesse caso trata-se de um fenômeno decorrente de "paternalismo ou racismo".
"A administração dessas injeções faz com que as mulheres não tenham controle sobre sua própria fertilidade", afirmou Eval à BBC Brasil. "A droga tem quase 100% de eficácia e impede que a mulher engravide por pelo menos três meses."
De acordo com a cientista política, dezenas de mulheres etíopes que foram entrevistadas durante a pesquisa afirmaram que não foram oferecidos outros meios anticoncepcionais e que não tinham ideia de quanto esse remédio podia ser prejudicial.
Situação econômica
Entre os efeitos colaterais da droga estão osteoporose, aumento de peso, depressão e dores de cabeça.
Mulheres entrevistadas por Eyal disseram que sofreram efeitos colaterais, mas não sabiam que eles poderiam ser decorrentes das injeções.
Muitas delas, que saíram de aldeias pobres em áreas rurais, disseram que não sabiam que haviam outros tipos de anticoncepcionais que poderiam utilizar.
Outras disseram que foram "obrigadas" a tomar as injeções e que as autoridades nos campos disseram que "em Israel, a situação econômica estava difícil e era melhor não ter muitos filhos".
Em Israel, vivem cerca de 120 mil judeus etíopes. Vários deles se queixam de discriminação racial por serem negros.
Já houve casos em que condomínios se negaram a alugar apartamentos para pessoas da comunidade, e escolas rejeitaram alunos etíopes.
"O diretor-geral do Ministério da Saúde tomou uma medida positiva e corajosa ao advertir os médicos sobre a questão da depo-provera", avalia Hedva Eyal. "Ele é a primeira autoridade que enfrenta o problema, descobrimos essa irregularidade há anos, mas essa é a primeira vez que fomos ouvidas."

Morre Nenê, da banda Os Incríveis, aos 65 anos


Morre Nenê, da banda Os Incríveis, aos 65 anos

Grupo ficou famoso na época da Jovem Guarda e foi primeiro a ter programa de TV próprio


Morreu na manhã desta quarta-feira, em São Paulo, o músico e produtor Lívio Benvenutti Jr., de 65 anos. Conhecido como Nenê, ele era baixista do grupo Os Incríveis, grande sucesso da Jovem Guarda nos anos 1960. Nenê foi diagnosticado com câncer de pulmão em outubro do ano passado. Ele estava internado no Hospital Sancta Maggiore. O corpo foi velado no Hospital Beneficência Portuguesa.

O grupo Os Incríveis foi formado em 1962, mesmo ano dos Beatles, com o nome The Clevers. Tinha Mingo, Risonho, Manito, Netinho e Neno no baixo (Nenê, que já tocava desde os 12 anos, entrou no lugar de Neno em 1966). Morreram Mingo, Manito e Nenê. Netinho teve um câncer nas cordas vocais em 1995, mas se recuperou. A banda fez grande sucesso no final dos anos 1960 e no começo dos anos 1970 com versões como "Era Um Garoto Que Como Eu" (sucesso do italiano Gianni Morandi).

Nenê tocou também com Raul Seixas, Elis Regina e Roberto Carlos. O grupo Os Incríveis foi pioneiro da primeira geração do rock nacional no quesito entretenimento, assim como os Mutantes no âmbito da invenção. Foi o primeiro grupo a ter um programa de TV próprio, o primeiro a ter um filme de longa-metragem, o primeiro a fazer turnê internacional, o primeiro a lançar um disco exclusivo para o mercado latino-americano, Los Increíbles (CBS da Argentina). Eles também foram responsáveis por gravar um hino nacionalista, "Eu Te Amo, Meu Brasil", de Dom e Ravel, que foi adotado pela ditadura militar. Ele foram muito criticados pelos movimentos de esquerda por causa dessa gravação, mas sempre defendeu apenas o caráter de homenagem ao país da canção.


Notícia vista no Correio do Povo

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Colômbia planeja incluir ecstasy em lista de drogas descriminalizadas

A ministra da Justiça da Colômbia, Ruth Stella Correa, anunciou que o ecstasy será incluído na lista de drogas que deve ser descriminalizada no país, segundo o projeto de lei que o governo planeja enviar em breve ao Congresso.

A proposta do governo substituiria as leis atuais, que criminalizam o uso de maconha e da cocaína, embora a posse em pequenas quantidades seja tolerada.

O projeto faz parte de uma nova política do governo para combater o uso e o tráfico de entorpecentes.

Um dos maiores produtores de drogas do mundo, a Colômbia vem sofrendo nas últimas décadas com crimes relacionados ao tráfico internacional.

A inclusão do ecstasy nas drogas descriminalizadas, no entanto, é motivo de crítica por parte de opositores.


A declaração da ministra ocorreu após encontro com uma comissão que discute a política de drogas adotada pelo país na última década.

Um dos integrantes é o ex-presidente César Gavíria, que faz parte de um movimento internacional que defende a descriminalização das drogas, com o apoio do ex-colega brasileiro Fernando Henrique Cardoso.

O movimento argumenta que a chamada "guerra às drogas", lançada nos anos 1980, só aumentou a violência no continente e não reduziu o consumo.

Negócio

Críticos da descriminalização das drogas argumentam que a nova lei só vai facilitar o consumo e aumentar a violência. Já aliados do governo, como o Partido Verde, argumentam o contrário.

"O problema na Colômbia é com drogas como maconha e cocaína", disse o senador Roy Barreras à Rádio Caracol. "As rotas do tráfico de drogas dependem fundamentalmente da cocaína, e a descriminalização no mundo só daria fim ao negócio."

A inclusão do ecstasy na lista das drogas toleradas também causa confusão sobre outros entorpecentes como a metanfetamina, também sintética. Outros argumentam que a heroína também deveria ser incluída.

A política de drogas na Colômbia ganhou nova abordagem após a Suprema Corte decidir, há dois anos, que o pequeno porte de entorpecentes para uso pessoal não era passível de punição.

O governo do presidente Juan Manuel Santos também tem mostrado uma posição mais liberal sobre o tema, abrindo o debate na sociedade colombiana.

"Orgulho e Preconceito" faz 200 anos de sucesso


"Orgulho e Preconceito" faz 200 anos de sucesso

A cada ano são vendidas 50.000 cópias do romance apenas no Reino Unido, onde continua sendo um dos livros mais lidos

Já se passaram 200 anos desde a primeira publicação de "Orgulho e Preconceito", obra a qual sua autora, Jane Austen, se referia como "seu filho querido", mas sua popularidade continua vigente graças às incontáveis adaptações televisivas e cinematográficas. A cada ano são vendidas 50.000 cópias do romance apenas no Reino Unido, onde continua sendo um dos livros mais lidos. E isso sem contar os downloads eletrônicos gratuitos, já que o livro não está mais sujeito aos direitos autorais. Uma pesquisa realizada em 2003 pela BBC concluiu que "Orgulho e Preconceito" é o segundo romance preferido dos britânicos, depois de "O senhor dos anéis".

Publicado pela primeira vez no final de janeiro de 1813, a história da paixão de Fitzwilliam Darcy, um aristocrata britânico soberbo, pela jovem Elizabeth "Lizzie" Bennet, apesar de sua diferença social, "continua sendo um dos romances mais apreciados da literatura inglesa de todos os tempos", afirma Janet Todd, professora da Universidade de Cambridge, que organiza em junho uma conferência sobre o tema. Esta popularidade se reflete nos inúmeros livros e adaptações que a obra inspirou, começando pelo filme protagonizado por Laurence Olivier em 1940.

A BBC fez duas versões televisivas, apesar de a mais recordada ser, sem dúvida, a de 1995, que transformou Colin Firth em objeto do desejo de muitas britânicas em uma memorável cena em que aparece de camisa molhada para aplacar o ardor por sua amada, o que provavelmente Jane Austen não teria aprovado. Seis anos mais tarde, a história foi revisitada na bem sucedida comédia "O diário de Bridget Jones", livremente inspirada no romance e na qual Colin Firth também encarna um advogado de nome Darcy, só que Mark Darcy.

Em 2004, estreou "Bride and Prejudice", uma adaptação "made in Bollywood", que fez os personagens dançarem e se divertirem. Um ano depois, foi a vez de Matthew McFadyen e Keira Knightley retomarem os papéis de Darcy e Elizabeth em mais uma versão, muito elogiada pela crítica e em que o diretor Joe Right imprimiu um tom mais realista ao mundo geralmente edulcorado de Jane Austen. Em 2009, foi publicada uma paródia de terror do romance intitulado "Orgulho e Preconceito e Zumbis".

Muitos livros também foram publicados a respeito, tanto análises, como pseudocontinuações, com seus autores se esmerando para reproduzir o estilo Austen, mas muitas vezes resvalando para fantasias sensuais que deixaria a autora ruborizada. Também há uma versão na internet "modernizada" com o título de "The Lizzy Bennet Diaries", além das muitas chamadas "fanfics", que extrapolam o universo austeniano.

A própria BBC chegou a produzir uma minissérie divertida sobre uma apaixonada fã do livro que consegue trocar de lugar com Lizzie, que, por sua vez, se adapta muito bem nos tempos modernos. "Orgulho e Preconceito", explica Marilyn Joice, membro da Sociedade Jane Austen no Reino Unido, "pode ser lido em vários níveis". "Pode-se ler como uma versão romântica de Cinderela, uma comédia ou uma crítica social aos problemas que enfrentavam as mulheres no mesmo estrato social de Austen", declarou à BBC. "O livro é escrito de maneira às vezes mordaz, geralmente com uma ironia sutil, ou seja, não é necessário ser um acadêmico para tirar algo dele."


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Intervenção no Mali vai da guerra à guerrilha em pouco tempo



Gao, a maior aglomeração urbana do norte do Mali, caiu no sábado nas mãos do exército francês apoiado pelo malinês, e a mítica cidade de Tumbuctu será arrebatada dos islâmicos radicais previsivelmente no início desta semana. Faltará ainda libertar Kidal, hoje feudo dos tuaregues extremistas, mas é só questão de dias.
Não há mais centros urbanos no norte do Mali. A França interveio precipitadamente no país em 11 de janeiro para conter o avanço da Al Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI) e seus dois aliados - tuaregues islâmicos e o grupo que sequestrou em 2011 os cooperantes espanhóis em Tinduf (Argélia) - para Bamako, a capital. Mas na medida em que enviava soldados para sua ex-colônia - hoje já tem 2.500 homens - foi modificando seus planos.
Primeiro, tratava-se de deter o avanço dos terroristas e seus sócios além dos limites do imenso território (830 mil quilômetros quadrados) de que se haviam apoderado em março. Para reconquistar o norte, Paris queria esperar que tivesse acabado no Mali a mobilização dos exércitos da África Ocidental (Cedeao) e do Chade.
Mas a conquista de Gao demonstra que os franceses decidiram tomar eles mesmos o controle dos núcleos urbanos do norte, e não do conjunto do extenso território. Disso se encarregará o contingente africano, que passará dos 3 mil soldados inicialmente previstos para 7.700, sem que se saiba ainda quem vai apoiá-lo.
Os islâmicos também mudaram de tática. Em alguns povoados, sobretudo em Konna, dos quais se apoderaram em meados de janeiro, opuseram resistência ao avanço das forças especiais francesas e tiveram centenas de baixas, segundo informou o jornal "Le Monde". Em Gao, no sábado, apenas um punhado de homens fustigou os franceses antes de se retirar. Em Tumbuctu, o grosso dos terroristas partiu antes de vislumbrar o inimigo.
A Al Qaeda e seus sócios fogem para as zonas vizinhas à fronteira norte, para os arredores de Kidal e para esse chifre setentrional do Mali que se introduz entre Argélia e Mauritânia. Daí tentarão voltar a suas origens, isto é, à guerra de guerrilhas e aos atentados. Suas primeiras vítimas serão provavelmente os soldados africanos que se mobilizarão nos lugares mais remotos. O avanço fulgurante das tropas franco-malinesas não deve levar a engano. Embora com outras características, ainda há guerra pela frente.
O conflito será longo, a menos que os tuaregues contribuam para encurtá-lo. O grosso dessa minoria étnica do Sahel havia se reagrupado em Mali ao redor de Iyad Ag Ghali, um líder histórico que se radicalizou, fundou o Ansar Dine (Partidários da Religião) e se aliou à Al Qaeda. Agora acaba de surgir em seu seio uma dissidência, o Movimento Islâmico do Azawad (nome tuaregue do norte do Mali), que deseja negociar com Bamako. A frente tuaregue se fragmenta e, de passagem, enfraquece os terroristas, para os quais não será mais tão fácil esconder-se nas zonas sob sua influência.

Texto de Ignacio Cembrero, para o El País, reproduzido no UOL.

Tradutor:
 Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Os produtores, os recebedores e os fingidores


Os republicanos têm um problema. Durante anos eles conseguiram fazer calar no grito qualquer tentativa capaz de expor o quanto suas políticas favoreciam a elite, em vez dos pobres e da classe média. Tudo o que eles tinham que fazer era gritar “luta de classes!” que os democratas corriam para bem longe. Na eleição de 2012, no entanto, isso não funcionou: a imagem do Partido Republicano como uma agremiação de plutocratas grosseiros colou, apesar de os democratas terem se tornado mais abertamente populistas do que nas últimas décadas.

Como resultado, republicanos proeminentes começaram a reconhecer que seu partido precisava melhorar sua imagem. Mas aí há um problema: as propostas dos republicanos para reformular seu partido envolvem uma mudança na tática de vendas, e não no produto. Quando se trata de sua essência, o Partido Republicano está mais comprometido do que nunca com as políticas que tiram o máximo da maioria dos norte-americanos e repassam o resultado a um punhado de gente abastada.

Vamos considerar, a título de exemplo, como um discurso recente e amplamente divulgado proferido por Bobby Jindal, o governador da Louisiana, pode ser comparado a suas políticas reais.

Jindal colocou o problema de uma maneira que, acredito eu, seria impensável para um líder republicano até um ano atrás. “Nós não devemos”, declarou ele, “ser o partido que simplesmente protege os mais ricos para que eles possam manter os seus brinquedinhos. Nós temos que ser o partido que deve mostrar a todos os norte-americanos como eles podem prosperar”. Depois de uma campanha durante a qual Mitt Romney condenou qualquer tentativa de menção à luta de classes, como se falar sobre esse tema representasse um “ataque contra os bem-sucedidos”, essas palavras representam uma grande mudança retórica.

Mas Jindal não ofereceu nenhuma sugestão para que os republicanos pudessem demonstrar que eles não estão só interessados em fazer com que os ricos mantenham seus brinquedinhos. Ele apenas afirmou – em voz ainda mais alta do que antes – que suas políticas são boas para todos.

Enquanto isso, na Louisiana, Jindal está tentando aprovar um projeto para eliminar o imposto de renda estadual – que recai mais fortemente sobre os mais ricos – e compensar a perda de receita por meio do aumento dos impostos sobre as vendas, taxação que recai de maneira muito mais pesada sobre os pobres e a classe média. O resultado seria a geração de grandes ganhos para o 1% mais rico da população e perdas substanciais para os 60% mais pobres. Projetos semelhantes também fazem parte dos esforços de uma série de outros governadores republicanos.

Como a recente descoberta de que a percepção de ser o partido dos ricos é um problema, isso representa uma nova saída para o Partido Republicano – só que na direção contrária. No passado, os republicanos costumavam justificar os cortes de impostos para os ricos ao afirmar que eles mesmos pagariam por eles ou que eles poderiam compensar a perda de receitas por meio de cortes de gastos supérfluos.
Mas o que estamos testemunhando agora é uma tática explícita de Robin Hood às avessas: tirar das famílias comuns para dar aos mais ricos. Ou seja, até mesmo em um momento em que os republicanos buscam uma maneira de parecer mais solidários e menos radicais, suas políticas reais estão fazendo mais uma curva acentuada à direita.

Por que isso está acontecendo? E, em especial, por que isso está acontecendo agora, logo depois de uma eleição na qual o Partido Republicano pagou o preço por sua posição antipopulista?

Bem, eu não tenho a resposta completa, mas acho que é importante entender até que ponto os líderes republicanos vivem em uma bolha intelectual. Eles assistem às notícias na Fox e em outros canais tendenciosos, acessam as análises políticas realizadas por grupos de especialistas de direita financiados por bilionários e, em geral, desconhecem totalmente as provas em contrário ou como suas posições soam para os que estão olhando de fora.

Então, quando Romney fez seus infames comentários sobre os “47%” (percentual de norte-americanos que não pagam imposto de renda), em sua cabeça ele não estava dizendo nada de ultrajante nem de controverso. Ele estava apenas repetindo um ponto de vista que se tornou cada vez mais dominante dentro da bolha da direita.
Ou seja: que uma proporção grande e cada vez maior de norte-americanos não se responsabiliza por suas próprias vidas e está sugando as riquezas dos ricos trabalhadores.
O aumento das reclamações sobre a situação do mercado de trabalho demonstra preguiça, e não a falta de postos de trabalho; o aumento dos pedidos de benefícios previdenciários por deficiência ou invalidez representam simulação de doenças, e não problemas reais de saúde reais de uma força de trabalho envelhecida.

E, considerando-se essa visão de mundo, os republicanos acreditam que é totalmente adequado reduzir os impostos que incidem sobre os mais ricos e fazer, ao mesmo tempo, todo mundo pagar mais.

Mas os políticos que atuam na esfera nacional aprenderam no ano passado que esse tipo de conversa pega mal com o público –de modo que agora eles estão tentando esconder suas posições.
Paul Ryan, por exemplo, fez recentemente uma tentativa claramente desonesta ao afirmar que, quando ele falou sobre os “que só recebem” e vivem dos esforços dos “que produzem” – em um dado momento, ele disse que 60% dos norte-americanos pertenciam à categoria dos “que só recebem” –, ele não estava falando das pessoas que recebem benefícios da Previdência Social nem do Medicare (mas ele estava).

Mas, em estados de maioria republicana, como a Louisiana ou o Kansas, os republicanos são muito mais livres para agir de acordo com suas crenças – o que significa adotar medidas que têm como objetivo claro confortar os que já estão confortáveis e afligir os aflitos.

O que me leva de volta a Jindal, que declarou em seu discurso que “somos um partido populista”. Não, vocês não são. Vocês são um partido que trata com desprezo uma grande parcela dos norte-americanos. E o público já deve ter percebido isso.

 
Tradutor: Cláudia Gonçalves

Brasileira teme voltar para casa abandonada após ação rebelde no Mali

Há cerca de dez meses, a missionária e técnica de enfermagem brasileira Francisca Oliveira, e o marido, Sérgio, deixaram a casa em que moravam no interior do Mali com o objetivo de buscar colegas que chegavam à capital, Bamako, para uma visita.

O casal estava morando havia seis anos nessa cidade no estado de Mopti, colaborando em projetos sociais na área de saúde e agricultura.

"Foi a nossa sorte, porque pouco depois que saímos os rebeldes entraram na cidade. Eles metralharam a central de energia do centro de comunicações e roubaram muitos estabelecimentos comerciais, a única ambulância do hospital local e uma viatura da polícia", contou Francisca à BBC Brasil.

"Éramos os únicos estrangeiros da cidade, então se tivéssemos ficado certamente seríamos um alvo preferencial", completa, pedindo para o nome da cidade não ser publicado.

Em sua visita à capital, o casal de brasileiros levava uma mala com roupas para uma semana. E desde esse dia, Francisca e Sérgio não conseguiram voltar para casa.

"Seria muito arriscado voltar porque desde então os rebeldes costumam aparecer na região. Essa foi a primeira casa em que moramos depois de casar e deixamos tudo lá", lamenta a brasileira, que também teve que abandonar o trabalho que fazia como técnica de enfermagem.

Francisca conseguiu falar com amigos e vizinhos para saber notícias da cidade, apesar de a comunicação ser difícil. "Esse é um lugar bastante isolado, não tem nem energia elétrica. As pessoas precisam subir no telhado das casas para conseguir sinal de telefone", conta.

Ela se diz animada com o avanço das tropas da França no Norte do Mali - autoridades francesas dizem que já estão consolidando o controle sobre Timbuktu -, mas não esconde uma dose de ceticismo.

"Esperamos que possamos voltar para casa em breve, mas também achamos que, tal como os franceses estão anunciando, o conflito parece estar fácil demais para eles. Precisamos esperar para ter certeza de que não há risco de voltar."


Conflito

Milícias de extremistas islâmicos, como o Ansar Dine, o Movimento de Unidade e a Jihad da África Ocidental, aproveitaram-se de um golpe de Estado empreendido por militares em março de 2012 para tomar a maioria das cidades no norte do Mali.

Foi nessa ocasião que o casal Oliveira teve de deixar sua casa.

Há algumas semanas, porém, esses grupos islâmicos iniciaram uma ofensiva em direção ao sul do país e chegaram a tomar o controle da cidade estratégica de Konna, na fronteira entre o norte e o sul, que fica relativamente próxima à pequena localidade em que os missionários brasileiros moravam.

A ofensiva motivou a França a lançar uma intervenção militar no Mali, sua ex-colônia, amparando-se em um pedido do governo malinês e em uma resolução do Conselho de Segurança da ONU aprovada em janeiro (que previa o uso de forças estrangeiras para frear o avanço rebelde).

A intervenção francesa reacendeu a esperança dos missionários brasileiros - e milhares de malineses que também fugiram do Norte do país - de em breve voltar para casa.

Mas até agora a violência não retrocedeu. Aeronaves francesas têm bombardeado cidades do norte e os conflitos terrestres ainda são intensos.

A capital está relativamente tranquila, mas há muita apreensão sobre o risco de possíveis atentados de extremistas, principalmente em locais frequentados por estrangeiros.

O embaixador do Brasil no Mali, Jorge José Frantz Ramos, diz que a situação é muito menos complicada do que durante o golpe de Estado, quando ocorreram tiroteios e manifestações nas ruas. Mas os brasileiros foram instruídos a evitar sair à noite ou ir a locais onde há muitos estrangeiros.

Brasileiros no Mali

Segundo informações de missionários, haveria hoje no Mali dez brasileiros ligados a missões religiosas, principalmente evangélicas, e atuando em projetos sociais no país. Eles formam a maior comunidade brasileira do país.

"Não queremos impor nossa religião, mas trabalhamos para ajudar a comunidade, por isso somos bem recebidos", diz Francisca.

O embaixador Ramos confirma que a comunidade de missionários cristãos é bem vista pelos habitantes do país, de maioria muçulmana.

"É óbvio que não seria prudente fazer proselitismo religioso em um momento desses, mas esses brasileiros nunca fizeram isso. Seu foco são os projetos sociais, por isso seu trabalho é muito apreciado e respeitado localmente", disse ele à BBC Brasil.
Dois brasileiros seriam menores de idade, filhos do casal de missionários Aldenice e Iedo Marques, que fazem serviços de apoio a uma espécie de orfanato (casa lar) na capital.

Na embaixada brasileira, hoje há três diplomatas e um integrante da Embrapa. E alguns desses funcionários estariam no país acompanhados de familiares.

Além disso o missionário boliviano-brasileiro Herbert Aranibar disse também ter conhecimento de mais um brasileiro que estaria no Mali trabalhando no ramo de mineração.

Aparentemente, todos os brasileiros estão em Bamako, onde não há conflitos.

Os missionários querem ficar para retomar o trabalho que faziam com as comunidades do Mali, mas, por precaução, já estão com os papéis e as malas prontas para o caso de o conflito chegar à capital.

Francisca e Sérgio hoje estão dividindo um apartamento com outras duas missionárias brasileiras.

"Nosso Plano A é voltar para nossa casa no interior do Mali e levar adiante um projeto na área de agricultura. Já até havíamos conseguido um trator para ajudar os produtores locais", afirma Francisca. "O Plano B é ir para Burkina Faso, onde poderíamos trabalhar em outra missão. Mas estaríamos deixando tudo que construímos nos últimos seis anos para trás."

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Vítima de crime, garota não pode voltar para casa



Os pontos e as ataduras saíram, mas cicatrizes marcam um lado do rosto da menina, um duro testemunho do brutal ataque a que ela sobreviveu, três meses atrás.
Quando Gul Meena está com outras pessoas, mesmo suas conhecidas no abrigo onde vive hoje, ela puxa o véu sobre o lado ferido do rosto.
Muitas vezes, ela toca delicadamente a face e prende a sua respiração.
"Isso dói", diz baixinho.
O homem que desferiu um machado contra o rosto e o pescoço de Meena foi seu irmão, segundo a polícia afegã.
O motivo, como pode ser inferido por pessoas que conhecem a família da jovem, foi o irmão acreditar que Gul Meena tinha desonrado sua família ao fugir com um homem com quem ela não era casada.
O que agravou o suposto crime -e, aos olhos de algumas pessoas, tornou necessária sua "morte por honra"- foi que ela, mal saída da infância, já era casada, segundo parentes e moradores de sua aldeia.
As emoções de Gul Meena oscilam entre um sorriso ocasional e um olhar solene e distante.
Os médicos que a trataram inicialmente pensaram que ela tivesse 20 anos, mas, agora que as ataduras foram removidas, ela parece muito mais moça.
Seus cuidadores acreditam que provavelmente ela tem apenas 16 anos de idade.
Às vezes, Meena parece confusa e até surpresa com sua situação. "Não sei como isso aconteceu comigo", disse.
Nem os médicos nem funcionários que a viram nos dias e semanas depois que ela foi trazida ao hospital -com o cérebro saindo do crânio partido- pensavam que ela fosse sobreviver, muito menos que recuperasse a capacidade de caminhar, lavar-se, comer e falar.
O cirurgião que a tratou no início disse que não tinha certeza se ela recobraria as capacidades motoras.
Ela recorda de sua família: tem quatro irmãos e duas irmãs. Eles cresceram perto da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão.
Diz que não se lembra de fugir de casa ou de partir com um homem que não era seu marido para a província de Nangarhar, onde seu irmão a teria encontrado dez dias depois.
"Nós a mandamos ver um conselheiro, mas não queremos forçá-la", disse Manizha Naderi, diretora-executiva das Mulheres para as Mulheres Afegãs, um grupo de direitos humanos que dirige o abrigo.
"Ela diz coisas diferentes em momentos diferentes. No início, disse que era casada e tinha quatro filhos. Agora, diz que nunca se casou."
Indagada sobre o que quer fazer agora, Gul Meena diz que tudo o que deseja é voltar para sua família.
"Eu irei assim que vocês me levarem", disse para Naderi.
Para uma mulher afegã considerada infratora de todos os tabus, porém, é impossível voltar para casa.
Em vez de sua casa ser um lugar seguro, é muito mais provável que algum membro da família sinta-se obrigado a aplicar a lei tribal "pashtun" e mate Meena para recuperar a posição da família na comunidade, segundo defensoras das mulheres.
Foi o que aconteceu com Nilofar, outra jovem que é cuidada em um dos abrigos de Naderi. Seu pai e seu irmão tentaram matá-la depois que ela recusou-se a casar com um homem mais velho que eles tinham escolhido para seu marido.
Eles a abandonaram pensando que estivesse morta, mas com enorme esforço Nilofar conseguiu alcançar alguns agricultores que a levaram a um hospital.
Quando voltou para casa, soube por sua cunhada que seu irmão estava escondendo uma faca sob o travesseiro e pretendia matá-la no meio da noite. Alguns dias depois, ela fugiu.
"Não acho que Gul Meena possa voltar para casa", disse Hassina Nekzad, diretora da Rede de Mulheres Afegãs no oeste do país, onde houve 22 "mortes por honra" nos últimos nove meses.
"Tenho certeza de que vão tentar matá-la de novo. Se seu irmão fez isso e não o prenderam, por que ele teria mudado? Talvez ele sinta-se ainda mais forte."
Até Gul Meena parece perceber que a volta pode ser perigosa. Perguntada se ela consegue dormir à noite, respondeu: "Eu durmo, mas toda noite tenho um sonho de meu irmão vindo para mim e dizendo: 'Está na hora de você voltar para casa'. Então eu acordo e sinto muito medo".


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Seis PMs são presos suspeitos de chacina na zona sul de SP


Seis PMs são presos suspeitos de chacina na zona sul de SP
Grupo é investigado pela morte de 7 homens no Campo Limpo; 2 ficaram feridos
Detidos negam o crime; motivação foi filmagem de homicídio cometido por outros 5 policiais, segundo investigação

Seis policiais militares foram presos sob a suspeita de participação na chacina que vitimou sete pessoas no dia 4 de janeiro no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo.
Na ocasião, dez homens encapuzados desceram de quatro carros e atiraram no grupo, que estava em um bar. Dois homens se feriram.
O crime ocorreu dois meses após um cinegrafista amador flagrar cinco PMs assassinando um servente de pedreiro que estava desarmado e já havia sido rendido por eles.
A principal linha de investigação é que a chacina foi uma forma de vingar a prisão dos PMs filmados cometendo o crime. O cinegrafista não estava entre as vítimas.
As prisões temporárias (de 30 dias) ocorreram ontem. Os seis PMs eram do 37º Batalhão, o mesmo em que agia o grupo de extermínio conhecido como Os Highlanders, acusado de 12 mortes, sendo cinco delas por decapitação.
A Corregedoria da PM e o departamento de homicídios chegaram aos policiais por causa dos 57 projéteis que foram encontrados no bar.
Três projéteis encontrados no chão e outros três em corpos de vítimas eram, segundo a polícia, de uma arma que estava com o soldado Gilberto Erick Rodrigues, 24.
Na coronha de uma espingarda calibre 12, da PM, os peritos constataram que havia vestígios de sangue humano. Conforme o laudo necroscópico, Laércio Grimas, o DJ Lah, levou uma coronhada na cabeça antes de ser baleado. A suspeita é que essa arma o tenha atingido.
Como essa espingarda deixou o quartel sem um registro oficial na noite do crime, o soldado Anderson Francisco Siqueira, 36, responsável na ocasião pelo local onde as armas ficam guardadas, foi preso.

PLACAS FALSAS

Dois dias após a chacina, o soldado Fábio Ruiz Ferraz, 29, registrou um boletim de ocorrência dizendo que sua arma fora roubada. Suspeitando do fato, os investigadores fizeram uma busca na casa dele e apreenderam toucas ninjas e três placas falsas usadas pelos carros dos assassinos.
Também foi detida a primeira equipe que chegou ao local depois do crime, formada por três PMs da Força Tática. Ela é suspeita de dar cobertura para os atiradores.
Segundo a polícia, o sargento Adriano do Amaral, 40, a cabo Patrícia Santos, 36, e o soldado Carlos Alvarez, 38, desligaram o aparelho localizador do carro por 54 minutos no horário do crime e recolheram parte das cápsulas antes dos peritos chegarem.
À polícia, os seis PMs negaram participação no crime.
Ao menos mais quatro pessoas, entre elas PMs, ainda estão sendo investigadas.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A rivalidade argentina



O desempenho econômico da Argentina desde o fim da conversibilidade é robusto. A renegociação da dívida externa teve ampla aceitação dos credores. O crescimento real médio de 2003 a 2011 foi de 6%. O dado não é oficial, mas de Eduardo Levy Yayeti, um crítico dos números do governo.
Entretanto, nos últimos anos, as notícias que chegam da Argentina fazem parecer que há uma grave crise econômica e institucional. A observação de sua história, marcada por intensa rivalidade, ajuda a entender esse paradoxo. Para isso, recorri a textos do economista portenho-carioca Matias Vernengo, em especial do blog (http://nakedkeynesianism.blogspot.com.ar).
Em comparação ao Brasil, tudo na história argentina é mais radical: o esplendor das exportações agropecuárias no fim do século 19 e no início do 20; a disputa ideológica durante a industrialização no pós-guerra, a ditadura militar, a reversão liberal, que chegou nos anos 1990 à alienação da moeda local, e a rivalidade política atual.
Chama a atenção o declínio econômico a partir de 1929. A renda per capita chegou a cair de 80% da renda dos EUA para um terço desta.
Na Bela Época, quase tudo era importado e a prosperidade vinha de uma inserção externa subordinada, fornecendo agropecuários num mundo em que a potência hegemônica, a Inglaterra, era grande consumidora deles.
A crise de 1929 fez o modelo colapsar e ensejou a industrialização por substituição de importações dos anos 1940 aos 1970. Como no Brasil, esse processo foi voltado ao mercado interno, liderado pelo Estado, contou com o capital estrangeiro, além do privado nacional, e sofreu com restrições de divisas externas.
De singular, havia a idealização de uma época dourada. Nenhum país populoso foi tão bem-sucedido no modelo agroexportador. Isso deu e ainda dá enorme força aos setores agrários, que entendem a industrialização como inviável.
No pós-guerra, a industrialização e as políticas redistributivas de Perón fortaleceram a burguesia industrial e os sindicatos, criando o "empate hegemônico" (1946/76), em que se intercalaram períodos de ruptura e restauração democrática.
A maior rivalidade política reduziu o dinamismo do projeto desenvolvimentista em relação ao Brasil. Ainda assim, o desempenho econômico foi bem satisfatório. De 1964 a 1974, o dinamismo é tão forte quanto na Bela Época.
Em 1976, instalou-se ditadura mais sanguinária que a brasileira. Na economia, os militares, ao contrário do Brasil, iniciaram a liberalização econômica, só estancada com o colapso da conversibilidade, no início do século 21 (há um breve interregno com Raúl Alfonsín nos anos 1980).
A situação atual é mais um capítulo dessa animosidade.
É verdade que a economia se deteriorou em 2012 e o governo perde apoio. Mas vale ressaltar que nem sequer houve ruptura com a reprimarização pós-76 -ainda que a política macro seja tentativa disso, com câmbio depreciado e elevado ganho salarial, explicando em parte a inflação mais alta (mas longe de ser problemática, como nos 1980). Talvez problema maior seja a (boa) tentativa de elevar a tributação sobre o rentável setor agrícola.
Na política, parece haver costumeiros exageros por parte da oposição e do governo. Mas desde 1983 os presidentes são eleitos livremente sob as regras constitucionais.
A lei de meios tem problemas, mas não parece cercear a liberdade de imprensa, e sim regular a concentração de propriedade no setor, algo que existe em países como os EUA. A Justiça toma decisões contra o governo, como estender o exíguo prazo para que os grupos de mídia se desfaçam de negócios.
Mais de 150 criminosos da ditadura foram condenados. Outras cem pessoas, filhos de presas políticas e adotados à força por militares, encontraram suas famílias. Tal processo é conflituoso e doloroso, mas nisso os Kirchner merecem aplausos.
Não tenho simpatia pelo peronismo -que junta no mesmo partido grupos ideológicos díspares, gerando disputa política confusa e populista- nem por manipulações de estatísticas oficiais ou pela arbitrariedade de medidas comerciais contra o Brasil. A briga política continua belicosa e estranha. Mas nada indica que ocorra fora da (tensa) normalidade (argentina) democrática.

Aplausos, que eles merecem


Segue a série de revelações diárias sobre os desvios de conduta do favorito à presidência do Senado, Renan Calheiros, seguido de perto na série pelo candidato à presidência da Câmara, Henrique Eduardo Alves. Mas não é nas obras incompletas desses dois líderes políticos que se encontra o motivo mais forte de espanto e indignação. É no seu oposto. É nas outrora chamadas "pessoas de bem", hoje sem uma expressão que as designe.
Onde estão as "pessoas de bem" dotadas de poderes para reagir à esperada entrega do Poder Legislativo do país ao aviltamento escancarado? Onde estão a OAB nacional e suas seções regionais, que não movem sua autoridade histórica e seu patrimônio de conhecimento para ativar e liderar a defesa da sociedade civil? Acomodar-se no imobilismo e no silêncio permissivos é associar-se ao que merece reação. Os intelectuais, os artistas, os estudantes, onde pararam?
Antes daqueles todos, e até pelo nome que ostenta, deveria estar o Ministério Público fazendo a representação ativa da população desprovida de conhecimento e de meios para reagir às traições dos seus eleitos. Mas Renan Calheiros e Henrique Alves estão pendurados há anos em processos criminais que o Ministério Público, pela Procuradoria-Geral da República, guarda com zelo, para evitar que se movam até de uma gaveta a outra. Tal como fez em benefício de Carlos Cachoeira e seus companheiros do PSDB e do DEM.
Em um só dia, ontem, soube-se que Renan Calheiros já negociou a comissão de meio ambiente para o senador Blairo Maggi, o imperador da soja sempre citado quando o assunto é desmatamento ou agronegócio; e a importante Comissão de Constituição e Justiça para o senador Vital do Rego, até há pouco presidente da anti-CPI do Cachoeira, aquela que se dissolveu ao esbarrar em indícios de crimes a serem apurados -entre eles, além dos envolvimentos de políticos do PSDB e do PMDB, os de ligação de Carlos Cachoeira, a empreiteira Delta e o empreiteiro Fernando Cavendish.
E outra: é de Renan Calheiros, pedinte oficial das bocas-ricas em nome do PMDB, a carta indicando para alto cargo no governo o negocista Paulo Vieira, da turma orientada pela tal Rose do escritório da Presidência da República em São Paulo.
Logo serão outras as novidades. Também com duração de 24 horas, porque a indiferença não é terreno propício a que produzam consequências.
Não é preciso refletir muito para admitir que os renans de todos os calibres têm razão. Se fazem o que fazem, são o que são, e têm êxito, aí está a evidência de contarem com consentimento amplo, geral e irrestrito. A indiferença e o silêncio que os acompanham são formas de aprovação. Ou de aplauso, mesmo.


Ler autores clássicos estimula o cérebro, diz estudo



Ler autores clássicos, como Shakespeare, William Wordsworth e T.S. Eliot, estimula a mente, e a poesia pode ser mais eficaz do que os livros de autoajuda em tratamentos, segundo estudo da Universidade de Liverpool publicado nesta terça-feira (15).
Especialistas em ciência, psicologia e literatura inglesa da Universidade monitoraram a atividade cerebral de 30 voluntários que leram os primeiros trechos de textos clássicos e depois essas passagens adaptadas para a "linguagem coloquial".
Os resultados, que serão apresentados nesta semana em uma conferência, mostram que a atividade do cérebro "dispara" quando o leitor encontra palavras incomuns ou frases com uma estrutura semântica complexa, mas não reage quando esse mesmo conteúdo se expressa com fórmulas de uso corriqueiro.
Esses estímulos se mantêm durante um tempo, potencializando a atenção do indivíduo, segundo o estudo, que utilizou, entre outros, textos de autores ingleses como Henry Vaughan, John Donne, Elizabeth Barrett Browning e Philip Larkin.
Tratamento poético
Os especialistas descobriram, também, que a poesia "é mais útil que os livros de autoajuda", já que afeta o lado direito do cérebro, onde são armazenadas as lembranças autobiográficas, e que ajuda a refletir e entender o assunto de outra perspectiva.
"A poesia não é só uma questão de estilo. A descrição profunda de experiências acrescenta elementos emocionais e biográficos ao conhecimento cognitivo que já possuímos de nossas lembranças", explica o professor David, encarregado de apresentar o estudo.
Após o descobrimento, os especialistas buscam, agora, compreender como afetaram a atividade cerebral as contínuas revisões de alguns clássicos da literatura para adaptá-los à linguagem atual, caso das obras de Charles Dickens.

Notícia da EFE, no UOL.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Sopre o patrimônio do pastor Silas Malafaia


MEU QUINHÃO

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, estima seu patrimônio em R$ 6 milhões, nem 2% dos US$ 150 milhões que a "Forbes" atribuiu a ele, em reportagem sobre os líderes evangélicos mais ricos do Brasil. Ele promete ajuizar ação contra a revista americana nos EUA. "Vou ferrar esses caras", diz. "Vivo de renda voluntária. Eles me prejudicaram. [O fiel] vê aquilo e pensa, 'ih, não vou [dar o dízimo], tá me roubando."

VEJA BEM

O grosso de seu patrimônio, diz Malafaia, são nove imóveis. Uma casa comprada por R$ 800 mil "e que hoje deve valer R$ 2,5 milhões" na zona oeste do Rio, onde é vizinho de Ary Fontoura e Fernanda Lima. E ainda: apartamento para os três filhos (R$ 400 mil cada um), quatro adquiridos na planta por R$ 450 mil e outro em Boca Raton, na Flórida (R$ 500 mil).
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Diz que doou à igreja uma Mercedes blindada. "Presente de aniversário de um empresário rico, parceiro meu."


O fim dos dois Estados


O fim dos dois Estados
Na teoria e na prática, o conflito israelense-palestino mudou de natureza - e mudou para pior
LONDRES - É um hábito meu: entro na livraria Foyles, de Charing Cross, subo ao segundo piso e encaminho-me para as estantes sobre o conflito israelense-palestino. Gosto sempre de ver quais são as últimas modas do momento.
Durante anos, o cenário era o mesmo: havia livros pró-Israel; havia livros pró-Palestina.
Mas, em todos eles, existia sobretudo uma finalidade comum: a existência de dois Estados, com fronteiras seguras e reconhecidas, e com Jerusalém como capital partilhada.
A diferença estava apenas na atribuição de culpas: para uns, era Israel que não aceitava os dois Estados; para outros, eram os palestinos. Mas o paradigma dos dois Estados era a linguagem de ambas as partes.
Claro que, por cima de tudo isso, pairava o problema dos refugiados palestinos das guerras de 1948 e 1967. Para os palestinos, os refugiados (e os filhos dos filhos dos refugiados) deveriam regressar para Israel.
Para os israelenses, seria impensável aceitar o retorno de 4 milhões de palestinos a um Estado especificamente judaico.
Mas até aqui havia propostas de compromisso: alguns refugiados regressariam a Israel (ao abrigo de programas de reunificação familiar); outros seriam indenizados por suas perdas em 1948 e 1967; mas a maioria teria um novo lar em uma nova Palestina.
Fosse como fosse, repito: a cartilha do debate continuava a ser a resolução 181 das Nações Unidas recomendando o estabelecimento de dois Estados; e uma Palestina independente existiria em Gaza e na Cisjordânia, dentro das fronteiras pré-1967. Só faltava saber como chegar lá.
Algo mudou entretanto. E o que mudou foi a conversa dos dois Estados. São vários os livros que começam com o abandono da premissa. E, como bem notou a revista "The Economist" na mais recente edição, esse abandono teórico apenas reflete a situação vivida no terreno.
Para os palestinos "moderados", e mesmo para alguns israelenses progressistas, se a solução dos dois Estados falhou continuamente, talvez seja a altura de pensar um único Estado binacional para judeus e árabes. Uma ambição estimável, sem dúvidas, sobretudo se esquecermos as lições da Iugoslávia pós-Tito. Ou, melhor ainda, do Líbano "multiétnico" ali tão perto.
Para os palestinos radicais, o problema dos dois Estados nem sequer é político. É sacrílego. Como disse recentemente Khaled Meshaal, líder do Hamas, a Palestina pertence aos palestinos -e apenas aos palestinos. Israel, em suma, deve ser riscado do mapa.
Para os israelenses, vira o disco e toca o mesmo: a quimera dos dois Estados pode fazer sentido em livros de história.
Mas, na prática, essa quimera morreu em 2000 quando Arafat recusou o pacote completo: um Estado palestino independente, com Jerusalém como capital partilhada e o retorno de alguns refugiados palestinos a Israel.
Esse funeral foi seguido por outro, ainda mais brutal: em 2005, Ariel Sharon retirava unilateralmente Israel de Gaza. O passo poderia ser o início de um retirada posterior da Cisjordânia, entregando aos palestinos a autonomia dos territórios e abrindo caminho a um Estado independente.
Azar: com a emergência do Hamas em Gaza em 2006; com a guerra civil "de fato" entre várias facções palestinas em 2007; e com os foguetes do Hamas a atingir território israelense com sazonal regularidade, a retirada da Cisjordânia ficou adiada "sine die". E, com ela, qualquer possibilidade de dois Estados soberanos e independentes. Os assentamentos na Cisjordânia são apenas a cereja no topo do bolo.
Hoje, quando os israelenses forem às urnas, eles não irão apenas dar a vitória a Benjamin Netanyahu e reforçar a direita integrista de Naftali Bennett. Eles vão enterrar de uma vez por todas a conversa gasta dos dois Estados, que nenhuma das partes está mais disposta a aceitar.
Na teoria e na prática, o conflito israelense-palestino mudou de natureza -e mudou para pior. Alguém deveria informar o pessoal da livraria Foyles que existem estantes inteiras de livros sobre a matéria que hoje só fazem sentido no latão do lixo.